Veredito: Como esperado, continua me acertando em cheio no coração e dialogando intimamente comigo.

Eu não tinha NENHUMA intenção de rejogar Talos Principle tão cedo. Não é por causa de algum defeito do jogo, claro. Considero ele provavelmente a melhor obra de arte que já joguei sob qualquer crítério técnico ou artístico, e seria fácil o meu jogo favorito se eu não fosse um putinho incorrigível de Sonic. Mas sim porque, em primeiro lugar, o impacto que ele causa é muito maior quanto menos você sabe a respeito, e (in)felizmente eu ainda lembro dele com uma clareza cristalina. E em segundo lugar porque os últimos dois atos do jogo me trazem uma tristeza profunda demais, uma melancolia enorme que eu não estava a fim de sentir de novo agora.

Mas rolou algo no meio do caminho que me fez gravitar de novo para Talos Principle: virei pai mês passado.

Eu olho para este corpo imóvel e me pergunto... Quem é que você vai ser? Será que os seus valores serão os mesmos que os nossos? Será que vai nos amar, por termos te criado? Será que vai ter mágoa de nós, por termos te colocado em um mundo incerto e perigoso? Olhando pra nossa história em retrospecto - as nossas conquistas, os nossos crimes - o que você vai pensar de nós? O mundo que será criado por você vai ser parecido com o nosso, ou tão diferente que sequer conseguimos imaginar?

Sabe, dentre os muitos temas da história do jogo (coletividade e individualismo, fé, autonomia de pensamento, moralidade e ética, qual a raiz da natureza humana, espiritualidade e materialismo, e mais vários que não posso citar porque são spoiler) um deles é o legado que deixamos às gerações futuras. Você passa boa parte do jogo lendo sobre como o conhecimento e a sabedoria humanas são uma herança, são algo que se acumula e é refinado geração após geração até chegar na nossa vez, e também sobre como chegamos até aqui graças aos sacrifícios e escolhas de quem veio antes de nós. Isso não diminui em nada nossos méritos nem nossa responsabilidade por nossos atos, muito pelo contrário, ou pelo menos é o que Talos defende. Mas não muda o fato de que ninguém faz nada sozinho, num vácuo.

E desde que meu filho nasceu, não consigo parar de pensar nisso.

De que cada pequena escolha minha a partir de agora terá efeitos de longo prazo não só na minha vida, mas no futuro do meu menino. Daqui a alguns anos eu estarei morto (espero que daqui a muitos, não pretendo morrer antes de estar bem velhinho =P) e tudo o que eu fiz, e deixei de fazer, ficará aí para ele. E para as pessoas em volta dele: seus amigos, seus colegas, pares românticos, para os filhos dele caso ele resolva ter. Se eu comprar uma casa própria, meu filho vai desfrutar dela mais do que eu, e as condições estruturais dela (encanamento bom ou ruim, ter ou não ter uma caixa d'água, etc) vão afetar mais a ele do que a mim. Se meu bairro tiver uma praça legal com quadra de esportes, for um lugar seguro e com qualidade de vida, se eu tiver um bom relacionamento com meus vizinhos, se eu plantar árvores pensando na climatização urbana, tudo isso vai afetar muito mais a vida dele do que a minha. Até minha própria saúde: quanto mais eu cuidar dela, maiores as chances de passarmos mais tempo juntos, e desse tempo ser divertido e maneiro pra nós dois.

Óbvio que esses são pensamentos meus, Talos não entra nesse tipo de detalhe. Mas os temas dele passam por tudo isso. No jogo não se comenta de casa própria, de infraestrutura urbana. Mas a questão é que Talos fala sobre - dentre muitos e muitos outros temas - entender que tudo o que você constrói, você não constrói apenas para si. O protagonista - um robô que acorda do mais absoluto nada no meio de um monte de puzzle, sem saber onde está ou por que está ali, sendo guiado por um deus que ele não conhece e não entende - tem uma missão. Que ele consegue cumprir graças não só a uma imensa capacidade pessoal - uma que você vai ter que demonstrar ao longo do jogo porque pqp, alguns puzzles são difíceis pra cacete - mas também graças aos sucessos e fracassos de vários outros. Gerações e gerações de fracassos e sucessos, pequenos e grandes, sacrifícios e escolhas que não são suas, mas que inquestionavelmente ajudam nosso avatar a chegar aonde ele chega quando os créditos rolam.

Gerações que você nunca vê no jogo. Você ao longo da partida lê muitos textos a respeito, vários parecem ter sido deixados por robôs iguais a você, outros parecem pertencer ao nosso mundo real. Alguns textos contemporâneos seus, de robôs que parecem estar fazendo a mesma jornada que você e ao mesmo tempo, outros textos que claramente são de muito tempo atrás, e você chega ao ponto de escutar gravações deixadas por uma moça cujo rosto você nunca vai ver... mas é só isso. Tudo o que você tem são ecos, são ombros de gigantes para poder subir e quem sabe sentir alguma gratidão, mesmo que seja por indivíduos que você nunca verá, nunca saberá exatamente quem foram.

Eu estava na escola quando li sobre o Princípio de Talos pela 1ª vez. Acho que na época ele me causou um incômodo, [...] Ideias que me deixaram desconfortável num primeiro momento. Mas... acho que no longo prazo me ajudaram a entender o quanto os seres humanos são frágeis. E o quanto são preciosos.

Ao contrário do meu avatar em Talos Principle, eu tenho o privilégio de ver meu filho com meus próprios olhos, de poder pegar, abraçar, dividir uma rotina, compartilhar uma vida. De aproveitar sua companhia, e fazer companhia. E pretendo usufruir desse privilégio o máximo que eu puder.

Espero que você encontre algo - uma música, um livro, um filme, talvez um jogo - só que encontre algo que você vá amar, que te faça perceber o quanto o universo estaria mais empobrecido sem aquilo. [...] E espero que, um dia, você olhe para cima e estique suas mãos para as estrelas.

Reviewed on Mar 22, 2023


8 Comments


1 year ago

Texto muito bem escrito

1 year ago

@Peres, só agora vi que nunca te agradeci pelo elogio, hahahaha! XD

Valeu aí! ❤

10 months ago

Me convenceu a jogar, não vai ter jeito, foi pra lista.

10 months ago

@Bertolomeu Minha missão está cumprida. 😌

9 months ago

está de 13 reais na steam pensando em pegar e me aventurar nele

9 months ago

@El_Caranguejo Só vi vantagens. =P

6 months ago

Que texto incrível!!
A paternidade é um pouco paradoxal, e fica claro como você entende as novas responsabilidades, mas sem esquecer do quão importante é a arte nas nossas vidas. Parabéns, e que seu filho tenha um ótimo legado pra aproveitar!

6 months ago

@noventaporcento Valeu mesmo. ❤️

...agora depois do nosso papo lá no aplicativo, joga Talos aí e me diz o que achou. =P