Megami Tensei sempre foi alvo de interesse para mim e, dentre tudo que essa grande franquia tem a me oferecer, o que mais me saltava aos olhos era Persona. Não só pela popularidade, ou os visuais estilosos; o conceito dos jogos a partir do 3 me interessa muito. O que eu fiz com esse interesse foi, infelizmente, jogar Persona 1, e a experiência foi tão ruim a ponto de me travar da franquia por alguns anos.
Mesmo tendo interesse por Persona 3, 4 e 5, sempre que eu pensava em jogar eles, terminava decidindo fazer outra coisa. E com Reload isso não foi diferente, mesmo extremamente interessada por ver um jogo que já me cativava modernizado e levemente repaginado, ainda demorei um tempo para começar a jogar, e que erro foi esse. Desde que comecei o jogo, fiquei tão afeiçoada a esse mundo que não conseguia largar o jogo.

Persona 3 é um jogo que me interessa desde os seus temas; eu sempre gostei de ver obras falando sobre a morte. Infelizmente, muitas obras que eu consumi que tentam tratar sobre esse tema terminam me deixando um tanto decepcionada; muitas terminavam levando em conta apenas o final de tudo, com o clássico papo de que “Sua vida não tem sentido”, ou “Você é irrelevante pro universo”, e essa perspectiva exacerbadamente pessimista, pessoalmente não me agrada muito. Pra mim, o mais interessante que vem ao tocar esse tema não é apenas lembrar da morte, mas sim lembrar que de seu nascimento até a sua morte, existe um meio, a sua vida. E me alegra ver que Persona 3 sempre se lembra disso.

A problemática onde se desenrola a trama do jogo parte de dois princípios. A primeira, uma nova doença chamada Síndrome da Apatia (uma depressão severa) que vem assolando a sociedade, e a segunda sendo a promessa de que o mundo vai acabar e isso é inevitável. Essas são duas coisas que o jogo não vai te deixar esquecer; quanto mais o tempo passa mais impacto a doença tem, pessoas falam sobre com mais frequência, o mapa vai se tornando mais acinzentado e mais e mais pessoas infectadas com a síndrome aparecem por onde você anda. E conforme os dias do calendário se passam, o jogo frequentemente te lembra que o “dia da queda” está cada vez mais próximo.

O jogo apresenta uma possível solução para esse problema: acabar com a Hora Sombria, um fenômeno que causa a “25ª hora do dia”. Dou ênfase na palavra possível, porque em quase nenhum momento o jogo vai te falar diretamente que isso vai resolver o problema; os personagens meramente acreditam nisso. E eu acho isso um ótimo detalhe; conversa diretamente com a mensagem que eu tirei do jogo.

Muita gente resume o jogo a “Memento Mori”, mas eu discordo um tanto. O jogo sim, relembra de que sua morte está próxima, e aceitá-la é parte crucial da história, mas o jogo faz isso para relembrar de outra coisa: o fato de que nesse momento, aqueles personagens ainda estão vivos. A própria invocação das Personas, as armas dos personagens para lutar contra esse mundo, que é feita com um tiro na cabeça, traz isso consigo. Não é apenas a aceitação da morte de uma forma apática, que busca desistência; a aceitação dela também diz que esses personagens ainda vão continuar tentando, se esforçando pelo que importa a eles, e mesmo sob a incerteza de que qualquer ato que eles tomem tenha alguma relevância, a vida deles tem sentido, tem importância.

Mesmo potencialmente impotentes contra muito do que acontece na vida deles, cada ser humano que existiu nesse mundo é importante, tanto de forma negativa quanto positiva. Desde os amigos que sequer têm consciência sobre a Hora Sombria até os que estão ativamente lutando ao seu lado, todos impactam de alguma forma, e da mesma forma, a sua existência impacta a vida deles; tudo tem sentido, relevância e importância para esse mundo.

Aceitar a morte em Persona 3 é, acima de tudo, uma forma de relembrar que se está vivo. Pra mim, essa foi a grande mensagem do jogo. Aproveitar o momento em que se está vivo no mundo, aproveitar suas relações, seu tempo, sua vida; em resumo, viver.

E uma coisa que tornou isso ainda mais especial e impactante nesse jogo, foi o tratamento dele com o Makoto. Ele é um protagonista mudo e sem nome, o que é, para mim, uma das coisas que faz com que tudo aqui funcione tão bem. Fazer com que ele seja um personagem criado por quem o controla, foi uma ótima ideia; não existem falas do Makoto que não sejam escolhas suas, e nenhuma delas é necessariamente “correta”. Acho incrível que até mesmo pegar o final bom ou ruim é uma escolha, e o jogo não te pune por escolher o “ruim”; só trata como uma das escolhas de como viver sua vida. O protagonista, que você cria e dá personalidade, é pra mim a forma do jogo te dar uma vida dentro desse mundo, e eu consegui me sentir parte dele por conta disso.

O jogo foca muito nessa parte de vida cotidiana; se tem que assistir as aulas (Apesar de poder dormir durante elas), fazer provas, sair de férias, conhecer e se relacionar com pessoas pela cidade e etc. O jogo pode parecer meio lento por conta de tudo isso, mas pra mim essa lentidão é crucial ao jogo.

A parte mais importante são os Social Link, apesar do jogo não te forçar a fazê-los, existe um incentivo a isso por conta de suas personas do mesmo arcano do personagem que se está relacionando ficarem mais fortes de acordo com o quão forte é seu laço com aquela pessoa. Acho uma ótima forma do jogo de incentivar quem está jogando a viver sua vida nesse mundo, mas sem ser invasivo e parecer tornar isso uma obrigação.

Mas pra mim, jogar ignorando essa parte é um desperdício; uma das partes mais incríveis do jogo foi conhecer as pessoas desse mundo. Amei conhecer tantos deles, e são tantas pessoas únicas, algumas com vidas e histórias mais sentimentais e dramáticas, como a da criança passando pela divorcio dos pais, ou um paciente com uma doença incurável; outras mais descontraídas, como a do aluno que quer sair e namorar a professora, ou uma amiga que você faz jogando um MMO online. E pra mim, salvo raríssimas exceções, (Estou falando de você, Suemitsu) todas funcionam muito bem; cada uma delas é incrível e impactante à sua própria maneira.

Uma coisa que eu gostei bastante durante os Social Link é que, entre as opções de diálogo que você tem, geralmente, as que aparecem no início de cada social link são mais ambíguas ou “aleatórias”; pra mim, senti que é como se o jogo me falasse que esse é o momento que eu estou conhecendo esses personagens, e eles também. Por exemplo, no início do social link com a Maya, existe cena onde uma opção de diálogo é “Vou preparar o nosso casamento então”, e eu naturalmente não tenho ideia se falar isso deixaria ela brava ou alegre. Mas no final do social link, já era mais claro para mim o que agradava essa personagem, a forma como essa personagem gosta que lidem com ela, me deu um sentimento muito bacana de que eu estava conhecendo esses personagens cada vez mais.

Talvez isso incomode algumas pessoas, porque durante os Social Link, é como se existissem “Respostas certas”; as coisas que você fala podem ou te afastar ou te aproximar do personagem que você está conversando, mas eu particularmente não sinto que isso seja um problema no jogo, porque pra mim é apenas a personalidade deles. Dizer para um personagem que ele deve desistir do que ele está tão ansioso e alegre para fazer, naturalmente deixaria ele bravo.

Outra coisa que faz com que isso não seja um problema pra mim, é o fato de que o jogo não te força ou te pune por deixar algo de lado. A punição por dormir nas aulas, por exemplo, é talvez ir mal nas provas, e a punição por não fazer muitos Social Link é perder uma ceninha extra que acontece para cada um dos social link durante o último dia do jogo. Esse é um jogo que te dá muita liberdade; ele me deixou livre para que eu fizesse o que quisesse da minha vida e vivesse a minha própria maneira, o que também ajuda a mensagem se tornar mais impactante.

Ainda falando sobre personagens, mas falando mais deles em si do que do sistema de social link. Eu achei a grande maioria muito bons. Algumas historinhas foram bem tocantes, como a da Aigis que busca encontrar um novo propósito para si mesma, e que aprende com o tempo a respeitar sua condição e seu corpo como algo único e especial. Ou o Listrinha, um personagem tentando escrever um livro que represente sua vida, uma história que ele possa sentir que foi feita “Para ele”, diferente de tantas no mundo que não conseguem conversar tanto com o personagem, ver ele continuar a escrever e junto a isso encontrar um novo sentido na vida dele foi muito tocante, e o final da história que ele escreveu me fez chorar. E eu poderia continuar citando as várias que me agradaram de alguma forma, tanto as dramáticas quanto as bobinhas, todas foram boas de se acompanhar e se fecham muito bem.

Os personagens do grupinho principal também são um espetáculo à parte, mas sinto que nessa parte, alguns personagens terminam por escanteio, e esses são a grande maioria dos homens da história. Talvez isso aconteça porque no jogo original, sequer social link eles tinham.

As personagens femininas têm sua história sendo contada durante todo o jogo; elas vão crescendo junto à jornada delas e sempre têm uma ceninha ou outra que desenvolve o arco delas. Já no caso dos personagens masculinos, a maioria deles tem arcos muito curtos; quando tem uma parte da história que foca neles de fato. O Amada, por exemplo, me deixou sentindo que ele só existiu por um breve momento na trama principal; até tem um momento e um arco para o personagem, mas depois que esse momento acaba, eu fiquei com a impressão de que ele ficou meio escanteado. Isso se ameniza um pouco pela adição dos Social Link deles no jogo, mas ainda fiquei com o sentimento de que os personagens masculinos por vezes terminavam meio avulsos aos acontecimentos.

Eu queria gostar de tudo em Persona 3, mas infelizmente existe coisa que eu desgosto bastante aqui, e essa coisa é o Tártaro, a dungeon do jogo que fica disponível entre cada Lua Cheia, horrível.

Por ser gerada de forma procedural, muitas vezes eu terminava me sentindo exausta do design; terminava ficando extremamente repetitivo. Eu muitas vezes senti que estava passando pelo mesmo lugar de novo e de novo, e foram 255 andares disso. Conforme se progride na dungeon, o visual dela vai mudando algumas vezes; os andares 227-264 ao menos são diferentes dos do andar 2-22, dá uma leve amenizada, mas com o fato de que se libera mais andares depois de progredir na história a cada lua cheia, a exaustão não para; só existe um pequeno espaço pra respirar. Geralmente, o que eu fazia era sempre fazer o Tártaro no mesmo dia que chegavam nossos andares e depois ficava vivendo minha vidinha no jogo até chegar a próxima lua cheia.

Existem alguns andares especiais com bosses para se derrotar, e eles por vezes são sim um pouco divertidos de se derrotar; costumam usar bem o que se tem de disponível no jogo até aquele momento e em geral são batalhas que exigem um pouco mais de estratégia e terminam sendo a parte mais da dungeon, mas elas não chegam nem perto de suficiente para torná-la menos chata. Aproveitando pra fazer um comentário adicional, eu gosto da maioria dos bosses da história do jogo, gosto de como cada é feito de uma forma com uma estratégia e funcionamento único pensando no arcano que eles representam, e a maioria é bem divertida. Também amei a luta final.

Felizmente, essa é minha única grande reclamação com o jogo. Apesar de achar momentos como a semana que você forçadamente tem que ficar fazendo treino de atletismo depois de toda aula, ou as férias de verão que travam a maior parte dos social link presentes no jogo por algumas semanas serem coisas chatinhas, não chegaram a atrapalhar minha experiência no geral.

Uma parte que eu gostaria muito de falar com mais spoilers, mas que não vou, é a reta final do jogo. Pra mim ela como um todo é magnífica; tudo que acontece nela tem um peso absurdo, os acontecimentos são muito impactantes, e a forma de cada personagem que você passou um ano inteiro conhecendo de lidar com tudo que está acontecendo é ótima. Tudo que acontece na trama tem um impacto geral pra história, mas também tem algo pessoal para cada um, e o jogo trabalha isso de uma forma que eu gostei bastante, dando espaço pros acontecimentos e pra cada um deles. Amo todos os diálogos durante a batalha final, e o clímax dela é tão incrível.

Mas o final em si, é a parte mais especial do jogo pra mim. É um dos finais mais emocionantes que poderia ter; o jeito que ele conversa com cada um dos temas abordados e com a história do jogo como um todo é magnífico. E o que o torna ainda mais incrível é a ideia de ser final em aberto. Pra mim, todas as formas que eu pude ver o final são incríveis; cada uma delas interage com o tema da história de uma forma diferente, e seus diferentes significados ao final são todos lindos. De todas as formas possíveis, foi um final muito tocante, e eu não consigo pensar em uma forma melhor de fechar essa história.
É uma pena que The Answer exista pra dar uma resposta final a tudo, com um epílogo que mais faz mal ao jogo do que faz bem. Vendo ele, pra mim foi como se estragassem grande parte do que torna a história do jogo tão, mas tão linda. Se trouxerem como DLC pra esse jogo eu vou felizmente ignorar.

Eu, ao terminar Persona 3, sinto que vivi. Não apenas coloquei um jogo e segui jogando; eu vivi o meu tempo dentro desse mundo. Fui nas aulas e dormi na grande maioria delas, tirei baixa em quase todas as provas, fiz uma pequena rotina. Conheci muitos personagens incríveis como a Maiko, a Aigis, a Maya, o Listrinha, a Yukari entre tantos outros, e de bônus eu ainda vi um dos mais bonitos e emocionais que poderia ver. E ter isso dessa forma contribuiu muito com o que pra mim foi a principal mensagem do jogo: “Viver”.

Reviewed on Mar 07, 2024


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