Simples.
Essa é a palavra que melhor define a experiência que tive com esse jogo, algo que, embora não seja desfavorável à minha visão sobre ele, ajuda a definir bem o resto da minha crítica.

O gameplay desse jogo não é exatamente brilhante ou inédito, temos o velho combate em turnos que faz seu trabalho, a progressão de personagens, o uso de itens, etc. Todavia, a presença de um sistema de 'crafting' e coleta de materiais faz seu papel adequadamente e a progressão natural do jogo impede que essas duas mecânicas quebrem a experiência.

O enredo se baseia na estrutura da jornada do herói (neste caso, heroína) e, arriscando me repetir, é simples.
Lita, a protagonista dessa história, por outro lado, é a melhor representação da maneira como a história é contada aos jogadores, isto é, com uma mistura estranhamente equilibrada de solenidade -- pois o jogo quer ser levado a sério, em alguns momentos -- e um senso de humor que sabe bem que a história requer um bom bocado de suspensão da descrença e, com isso, aponta pra si mesmo em vários momentos.
Mas por que a protagonista é a representação disso? Simples, porque é dela que muitos desses comentários vêm, seja ao apontar os arquétipos dos antagonistas, seja ao reconhecer que alguns eventos soam particularmente convenientes ao longo de sua jornada.
Outros personagens e NPCs também adicionam aos comentários sobre a lógica interna do jogo, quase sempre beirando a quebra da quarta parede, sem nunca chegar às vias de fato.
Outro fato curioso que vêm dessa condução dos diálogos está nas justificativas antecipadas que o jogo faz às limitações da gameplay com elementos do enredo, como NPCs não mudando suas falas depois de um certo evento do primeiro ato.

O tom de ironia sempre presente no jogo até faz um trabalho decente de mascarar os arquétipos óbvios que, com certa visão crítica, provavelmente subtraem da experiência mais do que adicionam. A protagonista, por exemplo, é a personagem feminina que sofre certo descrédito em vários momentos, algumas (poucas, felizmente) vezes por ser uma garota, outras por ser pequena (muitas, infelizmente) e que com seu jeito tomboy acaba quebrando as expectativas de quem a subestima, especialmente considerando a frequência com que isso ocorre.
Apesar disso, em alguns momentos os diálogos são capazes de largar o cinismo e dar aos seus personagens uma certa maturidade que, pra minha alegria, me surpreendeu em alguns momentos. Dois exemplos particularmente interessantes me vêm à mente:
O primeiro ocorre quando Lita é questionada sobre seus sentimentos a respeito de outro personagem e, largando o tom agressivo/desdenhoso habitual, expõe seus medos e inseguranças, sendo bem objetiva ao reconhecer que a natureza de sua jornada não lhe dá ao luxo de se entregar a um romance quando sua vida está em risco constante.
Outro acontece quando uma companheira de equipe quebra as (possíveis) expectativas do jogador sobre ela e, também no assunto de amor, demonstra uma considerável maturidade emocional, mostrando que sua personalidade forte não é uma fachada, ela apenas é o que é.

O mundo de Ara Fell não é especialmente detalhista, mas conta o que o enredo precisa, embora o jogador possa discordar sobre o quanto de informação é dada.

Por fim, a dificuldade do jogo é... difícil de descrever, pois eu escolhi a mais alta e, sem saber, fui tentar enfrentar inimigos desmedidamente mais poderosos (relativo ao ponto da história em que estava) e, não intencionalmente, mergulhei em um grind que desbalanceou o jogo bem rápido. Enquanto o jogo parece lidar bem com o fato de o jogador estar explorando o mundo, pouco pode ser feito quando você derrota um boss mais propício ao terceiro ato enquanto você está no primeiro. Dito isso, gostaria de elogiar o jogo por ter diálogos prontos pro caso de o jogador iniciar uma sidequest cujo requerimento foi concluído antes dela ser adquirida, essencialmente evitando a impressão de que a protagonista tem amnésia ou é estúpida.

De modo geral, Ara Fell é um RPG agradável, simples em proposta e execução, mas que julgo digno o suficiente de atenção por seus pontos mais fortes: autoconsciência e bom humor.

Reviewed on Oct 28, 2022


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