Ninja Five-O remete aos jogos da época dos 8 bits, com foco na mecânica de jogo. O enredo é básico ao extremo: desbaratinar uma organização terrorista cujos líderes usam máscaras que lhes conferem poderes mágicos, e é isso. Pouco sabemos sobre qualquer personagens, protagonistas e antagonistas. Não há diálogos. O protagonista não está em uma jornada grandiosa, nem irá se deparar com seu passado, tampouco passará por uma jornada de crescimento pessoal, redenção ou perdição. Não, ele só está fazendo o dever de um ninja-policial (ou policial-ninja, fica a critério): combater a criminalidade e resgatar inocentes.

Aqui, a história serve como pretexto para a mecânica e também como fundamento para a ambientação não só para o design das fases mas também para as sensações que o jogo propicia. Ninja Five-O é um caso interessante de jogo com uma história rasa mas com uma ambientação extremamente bem feita, calcada na maneira em que a jogabilidade foi executada e em escolhas artísticas, bem aplicadas no visual e nem tanto no sonoro. A construção do mundo em que o jogo se passa se dá muito mais pela ambientação e pela sensação que a mecânica passa do que pela história e a maneira em que essa história é contada.

Em relação à jogabilidade, o conceito proposto pode ser descrito como "Ninja Gaiden encontra Bionic Commando", mas aqui tudo flui com uma liberdade e fluidez pouco vista. A jogabilidade é extremamente gostosa, e a primeira parte é muito competente em mostrar as maneiras possíveis de se locomover, abordar os inimigos e navegar pelo cenário. A principal ferramenta de movimentação do jogo é o gancho, acionado ao apertar o botão de pulo 2 vezes. O gancho pode tanto ir pra cima em linha reta como em diagonal, e tem um alcance consideravelmente maior que em Bionic Commando, mas divide com o jogo da Capcom o princípio de contar com o balanço como impulso para o próximo salto e disparo do gancho. Uma diferença entre Bionic Commando e Ninja Five-O é que enquanto no jogo da Capcom o personagem passa através da plataforma em que se conecta, em Ninja Five-O o gancho é utilizado junto ao balanço para contornar as plataformas, dependendo do quanto o personagem balança e de quanto o gancho está estendido. Quanto mais estendida a corrente com o gancho o personagem maior será o impulso, e quanto maior o impulso, mais velocidade e alcance. A física do jogo é tão bem feita que essa operação é extremamente fluida, ajudando a criar uma sensação de perícia e habilidade que dão uma contribuição essencial para a ambientação que se quer passar, no caso, a de ninjas que se deslocam em e atacam em alta velocidade, em perfeita sintonia com a ideia que a Cultura Pop passa do que são ninjas.

Ainda sobre a relação da jogabilidade contribuir para a ambientação e a ideia do que são ninjas vale mencionar o sistema de pontuação, que possui uma utilidade prática. Ao atingir 50 mil pontos, as barras de energia e especial são totalmente preenchidas. Dependendo da forma que um inimigo é abatido, mais pontos serão dados. O jogo incentiva derrotar inimigos usando a espada sem que eles percebam não só dará mais pontos como preencherá a barra de especial mais rapidamente, recompensando uma abordagem furtiva ou ao menos combates de curta distância. A barra de especial tem uma função dupla; com a barra completa, um ataque de tela cheia será acionado, em que todos os inimigos tela serão derrotados, e em caso de presença de reféns, estes não sofrerão dano. Mesmo em chefes esse ataque causa um dano considerável. Já com a barra parcialmente cheia, acionar esse mecanismo proporcionará invencibilidade ao personagem enquanto houver “carga” na barra, além de fazer com que ele não seja jogado para trás em caso de impacto. Por fim, a última ferramenta de ataque são projéteis, no caso shurikens (que podem ter até três progressões de força, com power ups coletados durante as fases).

Sobre o componente de stealth, os inimigos são capazes de escutar o personagem, adicionando uma camada de imprevisibilidade, no entanto, os critérios para que os inimigos escutem o protagonista se aproximar não são muito claros, o que não inviabiliza esse tipo de abordagem, mas a torna desnecessariamente mais trabalhosa. Ao menos as consequências de ser descoberto não são grandes, mas inegavelmente é uma das (poucas) quebras do jogo.

Voltando para a ambientação que Ninja Five-O proporciona, um ponto importante é a direção artística. Começando pela trilha sonora, que é o quesito mais difícil de avaliar. Ela não é ruim, pelo contrário; as composições se encaixam perfeitamente ao conceito do jogo, lembrando bastante trilhas sonoras de filmes de ação dos anos 80 e início dos 90, especialmente as que envolviam cenas de infiltração no covil inimigo. O que pesa contra ela é o fato de ser repetitiva, com apenas 9 músicas, incluindo as de introdução e de encerramento. Ao longo da campanha, 5 músicas vão ser as mais tocadas, sendo que uma delas é para chefes e a outra é a de game over.

Visualmente, o jogo é bem feito, e os inimigos são uma mescla de filmes de ação dos 80 e 90 e os tokusatsus do mesmo período. O quadro de inimigos é composto por criminosos carecas de terno, mercenários uniformizados, ninjas, armaduras samurais gigantes, além de animais como morcegos, cobras, sapos, etc. Os desenvolvedores realizaram uma abordagem que lembra um Beat’em Up, com os sprites dos adversários são iguais entre si, só mudando as cores, cada um com um padrão de ataque consideravelmente diferente entre si. Os chefes são um capítulo à parte, remetendo ao folclore japonês, passando por kabukis com naginatas, ninjas montados em sapo, e outros com mais liberdades poéticas, como um demônio morcego.

Acompanhado de uma direção de arte competente, Ninja Five-O é muito bom tecnicamente, tendo personagens (protagonista, inimigos e chefes) com animações fluidas, entre as melhores do GBA, cenários com um número razoável de elementos, pequenos detalhes diversos (animações diversas para mortes do protagonista, por exemplo), sons claros de metais batendo/cortando outras coisas, etc.

Apesar de ter sido lançado pela Konami, o jogo foi desenvolvido pela Hudson, conhecida principalmente pela série Bomberman. A importância dessa série para a Hudson pode ser percebida pelo fato de praticamente toda a equipe de desenvolvimento de Ninja Five-O ter exercido alguma função em diversos episódios de Bomberman, e acredito que essa experiência prévia teve influência no resultado final de Ninja Five-O.

Encontrar uma maneira de lidar com os elementos dispostos é o mais próximo de um puzzle que um jogo de ação pode chegar (ou o mais próximo que um jogo de ação pode chegar de um puzzle). Aqui que acredito ser possível fazer um paralelo com Bomberman, em que a visão do cenário é essencial. Na clássica série da Hudson, todo o cenário é visto de uma vez, enquanto em Ninja Five-O é possível controlar a câmera (com um limite de alcance) com o botão de ombro esquerdo. Essa relação “personagem-cenário” pode ser aplicada na maioria dos jogos existentes, mas nos dois jogos da Hudson há camadas a mais com dinâmicas próprias para cada. A interação com cenário é essencial para atacar em ambos, mas enquanto em Bomberman essa interação ocorre por meio das bombas, em Ninja Five-O a interação é pelo movimento, que com a devida perícia pode colocar rapidamente o protagonista no ponto em que se quer chegar.

Ainda que o jogo não mexa na estrutura base ao longo da campanha, a maneira como diferentes elementos são adicionados às fases é exemplar, proporcionando oportunidades para que as habilidades de quem está jogando sejam aprimoradas para que possa ter a compreensão e o domínio dos recursos oferecidos para lidar com a situação apresentada. Vão sendo incorporados aos cenários elementos como lanças-chamas, poços com espinhos, trechos eletrocutados, etc, e o jogo é projetado de forma que o condicionamento do público aos desafios não seja frustrante. Exemplo disso é a forma com que as 6 fases são estruturadas: cada fase é dividida em segmentos (20 distribuídos nas 6 fases), e não há um limite de vidas para se concluir as etapas, e o mesmo se aplica aos chefes. Fica a critério de quem joga repetir o estágio ou a fase completa, caso queira chegar com mais recursos na sessão seguinte.

Ninja Five-O sem dúvida é um jogo curto, o que não é algo exatamente bom, mas por outro lado, essa brevidade evitou que o resultado final ficasse repetitivo. Particularmente gostaria de mais variações, como por exemplo a vista na última fase, em que deve-se fazer uma fuga cronometrada. Imagino que esse segmento não foi algo isolado na concepção do projeto do jogo, mas que por motivos diversos, como falta de tempo ou recursos, não pôde ser explorado mais vezes. Talvez uma sequência poderia proporcionar uma maior variedade de jogabilidades, mas tendo em vista as poucas vendas, a Konami, publicadora do jogo, acabou se entusiasmando muito, o que é uma pena.

Lançado em 2003, Ninja Five-O estava inserido em um período em que a indústria estava experimentando conceitos mais imersivos e com foco em histórias elaboradas e um estreitamento da relação mecânica/narrativa, com Shenmue (99-2000) e Ico (2001) sendo exemplos dessa tendência. Os dois jogos citados são de hardwares superiores ao GBA, mas no próprio portátil da Nintendo há jogos com maior ênfase em contar histórias, como Castlevania: Aria of Sorrow e Mario & Luigi: Superstar Saga, ambos também lançados em 2003. Em todos os aspectos do jogo, é possível ver que a Hudson não se limitou a simplesmente replicar o que foi visto, pelo contrário, expandiu os conceitos vistos na época, proporcionando uma belíssima ode aos jogos dos anos 80.

Reviewed on Jan 09, 2024


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