Quando você é criança, tem sempre aquele "jogo" dos sonhos, algo que realiza uma vontade sua. Um desses jogos foi Marvel: Ultimate Alliance, onde todos os meus heróis favoritos (isso foi antes do filme dos Vingadores. O fato do Homem-Aranha lutar junto com o Hulk era um conceito que eu só via em quadrinhos e desenhos) viajavam pelo universo Marvel em aventuras e enfrentavam os maiores inimigos da editora. Ter a experiência de jogar aquilo que eu li nos quadrinhos e vi nos desenhos foi a realização de um sonho para mim.

Um outro sonho era de um jogo que emulasse o que eu via em filmes como Star Wars. Explorar uma galáxia inteira de planetas, descubrir mais sobre o universo. Desde lá, esse sonho foi crescendo de diversas formas. Eu assisti 2001, o que, bem, é 2001, não acho que preciso falar mais nada. Então, na minha adolescência, eu me inscrevi em um treinamento para a olimpíada brasileira de Astronomia. Aquele jogo dos sonhos continuava lá, mas, agora, Todd Howard já havia anunciado Starfield, que prometia juntar Fallout e The Elder Scrolls, duas das minhas franquias favoritas do mundo dos videogames, e o espaço.

E Todd também sonhava com esse tipo de jogo. E-mails vazados do fim da década de 90 já mostravam que ele queria fazer o "RPG em que você explora o espaço".

Além disso, esse jogo vem de um contexto delicado para a Bethesda. Além de ter que provar ser uma boa arma no arsenal de exclusivos de um Xbox que tenta alcançar os sucessos da Nintendo e da Sony, Starfield precisa limpar a reputação da Bethesda Game Studios depois de decepções como Fallout 76 e até mesmo Fallout 4.

Mas, e aí, conseguiram? Starfield é isso tudo mesmo? Pela nota, acho que você já deve saber a minha resposta.

Eu estaria mentindo se dissesse que não houve melhorias em relação aos elementos de RPG. A Bethesda, desde Oblivion, busca simplificar muito os seus sistemas de personagem e progressão, com cada vez menos atributos e habilidades, o que tirava um pouco a graça de criar o seu personagem. No fim das contas, ele sempre teria que ser um guerreiro/atirador. Em Starfield, ainda há uma necessidade de ter habilidades de combate, mas persuasão e furtividade são bem mais usadas nas quests, que agora também contam com mais finais alternativos e possibilidades para que o jogador as resolva.

O sistema de backgrounds é bom, funcionando como uma espécie de classe para o seu personagem, mas o sistema de traços é ainda melhor, contando com, por exemplo, "Família Unida", que coloca os seus pais dentro do jogo. Você é obrigado a dar uma quantia de créditos semanalmente, mas eles te darão itens, além de encontros hilários enquanto você explora o mundo aberto do jogo. Os dois sistemas também te garantem algumas opções especiais de diálogo, mas que raramente acarretam em soluções diferentes para as quests.

Além disso, o combate espacial é divertido, além do espaço proporcionar encontros aleatórios espetaculares, como a geóloga que tenta puxar papo com você enquanto aguarda a sua dobra grav funcionar e levá-la para outro sistema estelar, ou a "Avó" que te convida para um jantar e conta sobre a sua vida nas estrelas.

É uma pena que os meus elogios tenham que acabar por aqui...

A exploração, que é a marca registrada da Bethesda, jogo é horrível nesse jogo. Você não pode viajar entre sistemas estelares, entre planetas do mesmo sistema, ou até mesmo entre um planeta e suas luas. Tudo é feito através de um menu extremamente chato de se navegar, além de tirar a impressão de que o mundo é conectado. Impressão essa que, em outros jogos, foi fundamental para uma criação emergente de conteúdos. Quando os sistemas se colidiam em Skyrim, por exemplo, era criada uma situação única para a sua jogatina, uma aventura especialmente feita para você. Como é tudo é muito segmentado aqui, até mesmo dentro dos planetas, esse sentimento de emergência simplesmente não se faz presente.

Além disso, a geração procedural é extremamente precária. Sim, os planetas, em si, são bem realizados, mas as dungeons únicas de jogos anteriores do estúdio, que serviam não só como espaços de combate, mas também para construir um cenário/mundo, não estão mais aqui. Quase todos os locais a serem descobertos são moldes que eles simplesmente jogam pelo mapa (além de que o mapa não engloba o planeta inteiro. Nesse caso, você tem que abrir o menu e viajar pelo menu para uma outra parte do planeta), e são extremamente genéricos.

Em relação à narrativa, a Bethesda novamente não consegue promover escolhas difíceis de serem feitas, moralmente complexas, além de não saber construir momentos emocionais com os personagens e o enredo. O cenário dos Sistemas Colonizados, a "lore", o mundo que o jogo se passa busca alimentar fantasias típicas de ficção científica (o cowboy na fronteira do espaço, a cidade utópica, a corporação em um ambiente "cyberpunk"), o que entra em conflito com o senso de exploração que o jogo também almeja. Durante entrevistas, Todd Howard sempre falava em um "tom" único para Starfield em meio a tantas obras de ficção científica. Infelizmente, o universo é genérico demais para que atinja esse tom.

Starfield não é ruim. O problema é que ele sacrifica em áreas erradas e investe em áreas nas quais a Bethesda nunca foi primorosa. O porquê da Bethesda ter largado os seus pontos fortes (a construção de um cenário único e a exploração) para fazer um RPG medíocre é um mistério muito mais interessante de explorar do que os artefatos espalhados pelos Sistemas Colonizados.

Mas, apesar de já ter me sentido decepcionado com Fallout 4 e 76, aqui, eu sinto mais... pena. Pena de que um jogo que parecia ser tão pessoal para Todd Howard e sua equipe acabar na mediocridade, no operante.

Reviewed on Sep 28, 2023


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