This review contains spoilers

Sempre que eu jogo o primeiro Final Fantasy, eu me sinto acolhido naquele mundo. Eu sinto alma pulsando naquele jogo pela sinceridade dele. Ele não tenta ser mais do que ele é, e no final tem uma puta mensagem metacontextual sobre terminar um jogo; se não fosse por alguém curioso o bastante pra ir até o final do jogo, tudo ainda seria um ciclo eterno, Chaos ainda reinaria naquele universo com o seu ciclo de renascimento constante, os heróis não voltariam ao passado e salvariam o primeiro mundo de Final Fantasy. Quando o jogador consegue terminar aquele ciclo, tudo na verdade se torna em vão, pois vencer o Chaos é fazer com que o ciclo desapareça, sobrando assim apenas as memórias do jogador e do que ele acabou de fazer, os heróis nunca irão se lembrar de nada, e o mundo nunca irá ser grato por eles. Eu joguei bastante ele na infância mas nunca tinha chegado a zerar, e zerar ele pela primeira vez foi uma puta experiência. Não é um jogo complexo, mas é muito charmoso. Esse sentimento de pertencimento ao jogo só veio aparecer com FF5 de novo (cof cof melhor que o 4), e é algo que eu sempre fico muito feliz quando acontece, porque é um puta sentimento raro de se achar, de verdade. Jogando DQ1 eu me senti muito cansado, é literalmente tudo aquilo que um JRPG tenta alcançar substancialmente, é a raíz mais ancestral do gênero como a gente conhece hoje. Esse cansaço não foi nem um demérito do jogo na verdade, parafraseando algum video que eu vi no YouTube sobre ele, o jogo não é ruim, é só que eu já joguei muita coisa dos últimos 30 anos que bebe de todas as ideias que ele conseguiu alcançar em 1986. Já o segundo é... complicado, no mínimo. O primeiro é bem grindy mas não me afetou muito, o problema de cansaço foi mais mecanicamente. Já o segundo tem um combate melhor, e é bem mais ambicioso, só que ele é estranho, no mínimo. Tem ideias boas mas muito mal executadas, com uma reta final horrível. Eu não me senti pertecendo naquele mundo pela bagunça que foi jogar ele. Terminar a história e dar um fim ao mal que permeava naquele cartucho foi uma experiência que eu só consigo chamar de vazia. Eu não me apeguei ao mundo, me senti um viajante vestido de Mega Man ao invés de um herói, foi mais uma tarefa ao invés de um objetivo. E isso é uma pena, porque eu acho que esses dois jogos tem seu charme, mas tão envoltos por uma camada bem impermeável de janky no pior sentido da palavra. Então eu não senti o pertencimento nem na primeira jornada, tampouco na segunda...

Mas com Dragon Quest III foi diferente.

Quero começar falando dele e dizendo o quão foda esse jogo é pra época. Até agora essa trilogia inicial tá sempre evoluindo de uma forma ou de outra, são jogos ambiciosos pra cacete. Cada um faz uma espécie de antropofagia ao anterior, e esse aqui é o mais antropofágico de todos. Ele pega a jornada do herói dos anteriores, "replica" (entre muitas aspas, principalmente pelo final), mas tentando trazer o sentimento de D&D pro console de maneira ainda mais forte se comparado aos dois primeiros. Ele tem uma complexidade no seu sistema de classes, com criação de personagens e rolagens aleatórias mas que ainda podem ser manipuladas pra não frustar o jogador sem motivo algum, porque afinal ainda é um videogame, não uma sessão de BDSM. Além disso, cada classe é única e ainda possui um sistema de multiclasse, que mesmo não funcionando igual um D&D, ainda consigo ver semelhanças de como esse sistema funciona comparado ao tabletop. E eu devo bater palmas aqui pro jogo, porque antes de FF2 sequer existir, DQ já tinha esse sistema de customização de classes. Dá pra fazer muitas combinações de classes, e isso me remete um pouco mais a Bravely Default -- um jogo de 3Ds, 24 anos mais velho que esse. O limite é literalmente sua imaginação. Quer fazer um healer porradeiro? Pode. Um ladrão que solta magia com uma defesa alta? Pode. Um mercante virado na trembolona? Pode. Mais uma vez, o limite é a sua imaginação.

As cidades desse jogo agora parecem bem mais vivas que as dos anteriores. Vários NPCs te contam dicas pra onde você tem que ir, e eu tenho que ressaltar isso porque o primeiro e o segundo jogo não fazem isso direito, hoje em dia é quase obrigatório um guia pra zerar eles, mas esse te guia bem mais, só que obviamente tu precisa ir atrás dessas dicas. Os NPCs ainda vão além de ser uma simples ferramenta mecânica de guia e vão te contar sobre o mundo, sobre o passado deles e de tudo que viveram. O mundo nesse jogo é MUITO importante. Normalmente fatores históricos são coisas que eu reconheço a importânica, porém não dou muita bola, até porque se o jogo ainda funciona hoje em dia é um ótimo jogo, mas esse aqui mesmo sendo claramente antigo é muito divertido porque todas as suas mecânicas são coesas e fechadas. A estrutura narrativa de DQ3 é simples: mais uma vez o herói deve sair em uma jornada pra salvar o mundo de um demônio malvado, dessa vez com companheiros que você mesmo recruta. Só que esse jogo tem um começo muito engraçado mas que ao mesmo tempo eu respeito. Logo no dia do seu aniversário, você é jogado ao mundo pra poder ir salvar o reino e achar seu pai. Que presentão. Mas é algo tão espontâneo que eu acho que foi feito de propósito. Não tem um senso de jornada definido, é do nada. É o mundo cobrando o amadurecimento do personagem principal. Então eu acho que ele replica muito bem esse sentimento que eu tenho das coisas literalmente acontecerem na minha vida. A primeira vez que eu sai sozinho de casa foi do mesmo jeito: não teve um ritual, meus pais superprotetores apenas decidiram que tava na hora de crescer, e eu só fui. Não é um negócio bonito, nem feio, é só isso. E por isso esse terceiro jogo é o que mais me remete a uma aventura, é um mundo totalmente novo, pro jogador e pro personagem. Não é mais um príncipe indo cumprir uma profecia, é sobre ir desvendar todos os mistérios que rodeia esse espaço. Não atoa que a soundtrack desse jogo é soberba, é minha favorita dos três. A música de exploração do mapa é fenomenal.

Depois de ir atrás de trocentos key items, terminar dungeons, grindar, e até voar num passáro muito foda, você chega no castelo do Baramos (o vilão até então principal), e quando você que tudo vai terminar ali depois de derrotar Baramos, o jogo da um puta 360 e te taca pra o mundo dos dois primeiros jogos que tá envolto em escuridão: o dark world. E isso logo de cara me lembrou de Final Fantasy 6, mas depois de pensar um pouco mais, isso me lembra MUITOS JRPGs. A narrativa aqui é simples mas ela serve de base pra basicamente quase todos os jogos que vieram depois desse, com a maioria dos RPGs japoneses tendo um terceito ato totalmente divergente do resto do jogo, com mundos pegando fogo, sofrendo transformações, quase à beira da destruição. Se Dragon Quest 1 é o pai dos JRPGs, e Dragon Quest 2 é o passo pra frente muito mal dado, Dragon Quest 3 é então quando os JRPGs tomam forma. Jogar esse aqui é muito interessante, porque é quando o gênero ganha uma "fórmula" que vai ser replicada exaustivamente ao resto dos 30 anos. Eu sempre tive a ideia de que DQ fosse um RPG muito tradicional, mas esse aqui é genial e revolucionário pra sua época, e ainda sim é uma puta experiência divertida de se ter hoje em dia.



Agora que eu já dei minhas impressões ao jogo, eu quero punhetar algumas coisas que eu percebi, e essa parte vai ser recheada de spoilers. Eu citei aquela parte do ciclo no primeiro Final Fantasy porque é algo que eu nunca vejo sendo discutido, é um negócio TÃO genial mas que eu vejo poucas pessoas falando, então eu tenho a impressão que muita gente joga e nem percebe esse comentário sobre a natureza dos videogames que Hironobu Sakaguchi conseguiu colocar propositalmente ou não em uma fita de NES em 1987. E em Dragon Quest 3 acontece um negócio muito semelhante no seu final. O herói (que no meu caso foi uma heroina por motivos de otimização de gameplay mas que serviu um pouco pra eu poder aprofundar essa minha visão do final), ao chegar no dark world, mais uma vez a busca por key items pra salvar o mundo continua: agora um caído, quase colapsando, as pessoas não possuem mais esperanças. E conforme você vai jogando, tu vai percebendo que esse é o mesmo mundo dos dois primeiros jogos. E então tu fica se perguntando se aquilo tudo aconteceu antes do primeiro jogo ou se ele se passa depois de todos os acontecimentos do segundo. Tu vai reunindo os key items, vai fazendo as dungeons até que você chega no em um ponto que você finalmente encontra seu pai. O herói lendário que todas as pessoas adoram. O Ortega que um vilarejo inteiro reverencia como um salvador. Mas quando você encontra ele, ele não consegue te reconhecer, e logo em seguida morre na sua frente. Salvando esse mundo, o herói (provavelmente) mais famoso da franquia nasce: Erdrick. Mas você tá preso nesse mundo estranho pra todo o sempre, seu nome foi apagado e nunca mais você vai encontrar as pessoas que te apoiaram nessa jornada, foi tudo em prol de um mundo estranho, que tomou seu pai, sua vida. É um final MUITO diferente dos outros dois, é um puta final triste. Felizmente eu achei alguém falando sobre isso aqui no site mesmo, e um comentário muito pertinente fica e que me fez refletir: eu fiz uma party composta unicamente por personagens femininas pra poder otimizar o sistema do jogo, mas isso fez com que esse final fosse ainda mais impactante. ALÉM de toda a sua vida ter sido roubada, até mesmo sua propria indentidade por completo TAMBÉM foi. Você não é mais mulher, e sim um homem. Não importa quem você foi, agora você é uma imagem. E o ciclo se inicia, dos subsequentes indo atrás de uma imagem falsa. Eu não curto tanto a história do resto do jogo pra ser sincero, mas a reta final me pegou muito de surpresa. Sempre tive essa imagem de Dragon Quest na minha cabeça ser a garota virgem da (Square) Enix, e talvez esse jogo meio que tem a ciência de já saber disso...? Porque é muito irônico, o jogo onde explica o surgimento do herói na verdade por trás é uma história muito triste, com uma resolução muito diferente dos primeiros jogos. Se DQ é a moça virgem da (Square) Enix, então esse aqui na verdade é o grito de socorro dela, mostrando na verdade seu lado sombrio.

Comecei me afeiçoando ao mundo que ele cria, só pra no final ele ser totalmente trocado por esse mundo de histórias falsas.

Reviewed on Oct 19, 2023


4 Comments


7 months ago

Esperando o hd remaster desse camarada sair pra jogar

7 months ago

ansioso pra ver vc falando de dragon quest 5, é um dos únicos que me saltaram os olhos, parece genuinamente muito bom
de resto, quando vc vai falar de jogo desse milênio, casul gamer

7 months ago

@Weltschermzz eu descobri esse remaster enquanto eu tava jogando, mas num geral eu acho esses HD-2D muito estranho, daí nem sei se eu vou animar jogar ele quando sair pra cá. Mas tbm o único que eu joguei foi Octopath Traveler 1, jogo ruim, ent acho que meu preconceito vem desse jogo

7 months ago

@Snowing realmente falta fazer as missões do último patch que teve do Final Fantasy XIV: Endwalker. Muito obrigado pelo lembrete, Nii!