Se eu tivesse que descrever a franquia Yakuza em uma palavra, eu acho que não conseguiria. É uma série tão grandiosa, com tanto subtexto e desenvolvimento de personagem que fica impossível englobar tudo em um só vocábulo. Porém, eu acho que eu conseguiria descrever o novo Like a Dragon em um só: Rico. Não, isso não foi uma piada com o título Infinite "Wealth", mas sim a melhor forma que encontrei de resumir essa jornada que contém tudo que um fã da Ryu Ga Gotoku pode querer e que vai muito além disso.

Lançado no dia 26/02/2024, Like a Dragon: Infinite Wealth é facilmente o maior projeto que a RGG fez até hoje, tanto em ambientação quanto em construção. Ele não só marca a continuação da jornada de Ichiban Kasuga, o novo protagonista que assumiu o manto no jogo anterior, mas também o retorno de Kazuma Kiryu como personagem principal, o que não acontecia desde o Yakuza 6 na saga mainline (ele foi o protagonista do Like a Dragon Gaiden). Com o Dragão e o Herói reunidos, a história aqui teve a liberdade de unir passado, presente e futuro, tratando sobre o legado da maior lenda do Clã Tojo e sobre como o Ichiban e sua party podem salvar o futuro da máfia japonesa, impedindo que ela volte a se expandir que nem no passado, nos tempos em que o Dragão voava mais alto que todos.

A história começa 3 anos depois do Like a Dragon, com um time skip de mais um ano acontecendo ainda no prólogo do jogo, chegando assim em 2023. Nesse prólogo, vemos como está a vida de Ichiban e seus amigos depois dos acontecimentos do 7º jogo, com o quarteto principal conseguindo dar uma acalmada em suas vidas, tendo trabalhos mais comuns e uma trajetória mais tranquila, porém tudo isso se despencou depois de um "exposed", pois descobriram o passado do Ichi e isso voltou pra morder ele, já que ele aparentemente estava ajudando outros Yakuza a conseguirem empregos normais, destruindo assim as empresas de dentro pra fora. O negócio é que ele não fazia isso, mas quem que vai atrás da verdadeira história depois de um exposed na internet? Exato. O resultado disso foi que ele e seus amigos, Adachi e Nanba, sofreram as consequências de um cancelamento, e o encontro com um velho conhecido acabou fazendo com que o Ichi tivesse que viajar para o Hawaii, onde lá aconteceriam várias coisas, acontecimentos esses que ninguém estava esperando.

Esse é o primeiro Yakuza que tem como jogável um mapa que não se passa no Japão, um marco histórico pra franquia e que abriu um leque enorme de novas possibilidades, como a xenofobia que vários estrangeiros sofrem no "Aloha State", o conflito linguístico entre pessoas de diferentes continentes e como isso pode ser usado para se aproveitar de alguém que não fala o idioma local, e um envolvimento de coisas mais americanas mesmo, além de que esse mapa é gigantesco, facilmente o maior que a RGG já fez e mesmo assim eles conseguiram manter a riqueza de detalhes que é padrão do estúdio, caminhar de um lado por outro nessa ilha é muito gratificante, me lembrando bastante como era a Okinawa do Yakuza 3. Aliás, deu de ver que eles se atentaram bastante aos detalhes e que fizeram uma pesquisa bem aprofundada da ilha pra poder colocar no jogo, já que diversos acontecimentos reais de lá estão presentes no jogo, como as tempestades que acontecem por apenas alguns minutos e se vão, representada no jogo em uma mecânica de clima dinâmico.

Dinâmico também é o combate desse jogo, que é uma clara evolução de seu antecessor e, pra mim, o melhor que o gênero RPG de turno tem a oferecer. A adição da movimentação de personagem auxiliou demais tanto no aspecto ofensivo, oferecendo maior liberdade do player de explorar suas possibilidades, quanto no defensivo, dando um aspecto tático de afastar um party member que tem menos vida ou que é fraco pro elemento de ataque do seu oponente, além de facilitar o posicionamento para escapar da batalha. Outrossim, eles ainda aperfeiçoaram o sistema de Jobs, acrescentando vários novos e agregando uma mecânica de skill inheritance entre eles, recompensando o player que não se apega a apenas um job e explora suas possibilidades, usando vários e, assim, deixando todo mundo bem mais completo e capaz de suprir a função que outra pessoa poderia fazer, fazendo assim todos os 10 personagens jogáveis serem fortes e completamente usáveis de diversas formas diferentes. Sim, eles possuem atributos bases diferentes, então o Nanba ainda funciona melhor como mago, o Adachi ainda é o melhor tanque disponível e tal, mas com o sistema de equipamentos e essa diversidade que acabei de citar, tu não precisa se prender a um ou a outro pra poder ter um mago, um tanque e tal.

E a polarização não se restringe apenas ao combate, já que o Infinite Wealth é, no meu ponto de vista, o jogo da série com a maior opção de minigames, eventos secundários e afins. Por exemplo, existem dois eventos opcionais, a Dondoko Island a Sujimon League, que podem ser facilmente ignorados e tratados apenas como acessório, mas ambos são profundos no nível de levarem horas e horas para serem completados, eles não precisavam existir, mas sua existência acrescenta demais ao produto Infinite Wealth no geral. Fugindo um pouco desses dois, os extras de menor escopo não são nem de longe menos importantes, com os Drink Links, Table Talks e Bond Bingos sendo formas indiretas de construir os personagens, o que os torna ainda melhores, já que esses eventos mais casuais são todos excelentes, tornando os integrantes do grupo bem ricos em detalhamento e aprofundamento, os fazendo assim mais vivos e humanos, de uma certa forma. As substories continuam tão boas quanto elas sempre foram, só que ainda maiores e mais pessoais, no nível em que uma curta narrativa de um senhor de idade que está tentando "criar neve" tem mais peso emocional que diversos jogos que eu já experienciei. E, por fim, a cereja nesse recheado bolo, a Bucket List e seus desdobramentos. Infelizmente eu não posso me aprofundar muito aqui, já que sua existência como um todo acaba sendo um spoiler do sistema que, na minha opinião, é o melhor que eu já vi em um videogame. Ela trata com tanto cuidado e carinho esses quase 20 anos que Yakuza tem como franquia que eu sinceramente me emocionei a basicamente cada etapa dela, me sentindo forçado a completa-la o quanto antes possível, pois eu sabia que tudo ali seria importante, não necessariamente pra história, mas sim pros personagens que nela estão e para a saga como um todo.

Eu sei que o Karaokê também é um evento secundário e eu poderia ter falado sobre no parágrafo anterior, mas, considerando a história que esse minigame tem e a importância que ele tem no legado da RGG como um todo, eu acho justo separar uma sessão apenas para ele, considerando também que ele se encontra em sua melhor forma entre todas nesse jogo, com ele nunca estando tão recheado, com tanta qualidade e com tanto subtexto por trás. Nele, encontramos 21 músicas, o maior número que a franquia já teve de longe, e elas todas são incríveis, tanto na musicalidade quanto na letra e história por trás. Os responsáveis por escrever as letras dessas canções estão se esforçando cada vez mais, é visível que a qualidade das letras está cada vez melhor e mais pessoal, dado que elas ficam mais representativas a cada jogo novo que essa franquia tem, as músicas do Kiryu falam muito sobre quem é Kiryu Kazuma e como ele se sente por trás de seu rosto sério e aparentemente inabalável; as músicas do Ichi falam muito sobre a jornada de herói que ele tem e sobre sua personalidade altruísta e positiva, e assim vai pra todo mundo.

Aproveitando que falei de música, não poderia deixar de falar sobre a trilha sonora desse jogo, que é mais um grande acerto da RGG. Ela ainda está muito recente, então fica complicado falar se ela vai ser tão memorável quanto as outras OSTs incríveis que essa franquia tem, mas olhando ela como produto único, sua qualidade é inegável. Algumas das minhas músicas favoritas da RGG estão aqui, e eu acredito que, dando um tempo para elas crescerem em mim e se tornarem parte da minha rotina, eu vou gostar ainda mais. Os temas de boss estão bons como sempre e tem três em específico, que obviamente não vou dizer quais por motivo de spoiler, que contém tanta carga emocional e storytelling que eu acho que eles vão com o tempo entrarem no hall de melhores músicas que a franquia tem, conquistando um nome grande no nível de A Scattered Moment, Fly, Lyricism Without Tears, I Believe In You e outros.

Enfim, chegamos na parte que eu teria mais palavras para falar sobre, mas que devido a essa review ser sem spoilers, vou ter que ser o mais curto e sucinto possível: a história. Eu acho que ela é a melhor que a RGG já fez e que ela setou um novo padrão de qualidade esperado pra franquia? Não. Sinto que ela deixou a desejar em alguns poucos aspectos, e isso já é o suficiente para a colocar em um pedestal abaixo dos dois Judgments e do Like a Dragon Gaiden, mas ainda assim, isso não quer dizer que ela não seja excelente, muito pelo contrário, o fato de existir um debate com narrativas tão fortes quanto as que citei antes é um mérito enorme do jogo, que pode muito bem ser o melhor Yakuza mainline nesse aspecto. Algo que, pelo menos na minha opinião é inegável é o fato desse jogo ser o que melhor resgata o passado e o acrescenta em acontecimentos do presente, sendo extremamente nostálgico e sentimental, pois vemos tudo que o Kiryu já passou, todos os acontecimentos enormes que ele foi parte, e podemos observar como isso tudo moldou o homem que ele é hoje e as consequências que eles possuem no presente e nas pessoas a seu redor, com tudo podendo ser conectado a um acontecimento passado de um Yakuza antigo, nem sempre de forma direta. Ir jogando isso e com o tempo ir conectando os pontos pra entender o motivo de tal coisa ter acontecido foi simplesmente mágico.

Eu tenho tanto mais pra falar dessa obra que se tornou meu jogo favorito, mas vou deixar pra explorar mais em uma outra review que farei daqui algum tempo, com spoilers, tratando sobre tudo que esse jogo tem a oferecer.

RGG, muito obrigado por mais um jogo que vai ficar comigo durante minha vida inteira, vocês sempre conseguem me cativar com seus personagens e suas narrativas, parabéns.

"No one can live with no regrets"

Reviewed on Feb 08, 2024


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