Desde que joguei Atelier Sophie 2 ano passado, eu me afeiçoei muito à franquia. Essa forma mais intimista de lidar com sua história, que me parece ser comum à desenvolvedora (GUTS), me é verdadeiramente apaixonante, mesmo quando trazem problemas dignos de um JRPG comum, a narrativa e o tema que eles trazem seguem falando e interagindo muito mais com os personagens e a forma como eles se sentem perante aquele mundo do que com o universo em si.

E Atelier Marie, talvez por ser o primeiro da franquia, carrega muito da ideia de ser uma trama mais cotidiana, mesmo os problemas do jogo são coisas como "Estão roubando a taverna, tem estado muito frio etc.", e o jogo aborda essa trama cotidiana de uma forma extremamente leve, é sempre algo colorido, extremamente animado, extremamente descontraído e sem qualquer senso de urgência. Eu imagino que para algumas pessoas essa leveza do jogo possa deixar com que ele fique até meio sem sentido, mas pra mim funcionou muito bem, eu me imergi naquele mundo e pelas 8 horas que tive passei por uma jornada calma, fofíssima e bem divertida.

Enfim, a história do jogo é que a protagonista, Marie, ficou em último lugar em todos os testes da academia, mas como um último esforço, eles deixam com que ela se torne a dona de seu próprio Atelier pelos próximos 5 anos, e seu objetivo é se tornar uma grande alquimista até esse tempo limite. E aqui o tempo é tratado como um recurso, cada ação que você toma custa tempo, alguns itens vão demorar dias pra serem sintetizados, ou ir até aquele lugar no mapa vai demorar 7 dias de ida e mais 7 de volta, coletar recursos e batalhar vai sempre passar um dia no calendário para cada uma, a única forma de se curar é dormindo, e não é por apenas um dia, então pensar no que fazer acaba sendo a grande dificuldade, já que o jogo não vai te deixar só passar sem nenhuma obrigação, pra explorar você precisa de aliados, e cada um deles tem um salário a ser pago a cada viagem, coletar todos os recursos que são necessários para sintetizar os itens mais avançados demoraria muito caso fosse só a Marie, e pra isso existem as fadas, que trabalham coletando recursos nas áreas já exploradas ou sintetizando itens no caldeirão, e cada uma delas tem um salário a ser pago mensalmente que são definidos pelos quão eficientes elas são, então pra ter um bom sistema, acaba saindo bem carinho, e a forma de se ganhar dinheiro aqui é completando os pedidos da taverna (Derrotar algo, pegar um item ou sintetizar um item), e com isso o jogo acaba também formando um ciclo, você precisa progredir e melhorar para se formar, e pra isso você precisa de dinheiro para comprar utensílios e livros, além dos materiais para poder fazer os itens, e pra pegar esses materiais você precisa gastar dinheiro em salário, e pra pagar o salário se precisa completar as tarefas dadas na taverna, com isso o jogo cria um ciclo que não permite que você fique parada, sempre se tem algo a fazer no jogo, então mesmo sob a falta de uma história que vá te guiando diretamente, eu nunca senti como se eu não tivesse o que fazer, e por ser dessa forma, a liberdade do jogo acaba sendo muito orgânica.

Ah, além desses 3 recursos "principais", se tem o conhecimento e reputação da protagonista, o conhecimento é necessário para poder sintetizar mais itens, e ter sucesso tentando mais frequentemente, enquanto a reputação é usada pra aumentar o nível das tarefas que chegam a Marie, além de ativar alguns eventos do jogo, e a forma como se adquire os dois acaba sendo uma consequência do ciclo do jogo, sintetizar itens, comprar ou ler livros disponíveis na biblioteca, e a reputação se ganha completando as tarefas da taverna.

A existência desses 2 serve pra ajudar na progressão do jogo, pelo lado do conhecimento quanto mais você sintetizar e aprender, melhores serão os itens que você vai poder fazer, sempre que se termina algo, surge um novo algo ainda mais difícil de fazer, isso faz com que a curva de aprendizado da personagem não seja só algo inserido na história, mas sim algo que a jogadora sente de forma direta, surge um novo algo ainda mais difícil de fazer, isso faz com que a curva de aprendizado da personagem não seja só algo inserido na narrativa, mas sim algo que a jogadora sente de forma direta, e tudo é ligado de uma forma tão orgânica que a progressão fica muito gostosa, a cada ação que eu tomava, eu sentia que a protagonista evoluía e aprendia ainda mais. Já pelo lado da reputação, conforme você completa missões, mais reputação você ganha, com mais reputações, missões cada vez melhores, que precisam de itens mais difíceis de serem pegos, sejam itens mais difíceis de serem sintetizados, ou itens que vêm de áreas com inimigos mais fortes; a diferença aqui é que você pode perder reputação caso você não consiga completar as tarefas das missões, que tem um tempo limite de acordo com sua dificuldade, então se precisa pensar bem sobre o que fazer, uma tarefa de sintetizar um item difícil que precisa de 15 dias só nele mesmo, vai impossibilitar que se pegue outra tarefa difícil nesse tempo, já que uma delas seria perdida, é mais uma coisa que adiciona a progressão da protagonista, as pessoas da cidade iam confiando mais em mim conforme eu mostrava isso, e deixavam de confiar caso eu mostrasse o contrário, perfeito. Vendo pela primeira vez, eu achei a ideia muito legal, deixando tudo um pouquinho mais complexo, eu tinha que pensar se eu tinha como fazer aquilo, quanto tempo demoraria até pegar os recursos, além do tempo da sintetização em si, e valia a pena eu confiar nos 3000 de uma única quest que me tomaria o mês inteiro e eu teria uma chance de falhar, ou confiar nos 500 de uma mais simplesinha a longo prazo, o que me daria menos dinheiro, mas seria mais seguro. São escolhas que não tem necessariamente uma resposta, então isso adiciona a toda a liberdade de abordar sua jornada da forma como a jogadora se identificar mais. Só é uma pena que a reputação não seja um sistema tão bem executado assim, por cada tarefa não cumprida se perde 5 de reputação, e dependendo da tarefa feita, se ganha 20, 30, 50, até 60 dá, então acaba que nada além de você mesma impede que se saia pegando tudo, se por tarefa não cumprida você perdesse metade, ou toda a reputação que iria ganhar, sinto que já resolveria completamente esse problema.

Eu acho que isso acaba caindo nessa falta de urgência do jogo, por consequência tudo é muito pouco punitivo, o máximo que você perde pegando uma quest e não cumprindo é tempo, porque a reputação pouco importa, da mesma forma, a única coisa que se perde indo pra algum lugar e morrendo em combate é tempo, já que não se perde nada de dinheiro, e a "punição" é perder uma unidade de item, nunca que isso vai se tornar relevante, e honestamente é mais fácil ignorar completamente o fator falhar do jogo, já que sob tudo que você tenta, as recompensas sempre são altas, e as consequências caso se perca minúsculas. Talvez a resposta pra facilidade do jogo, que por mais que se alinhe a proposta do jogo de ser algo mais leve e descontraído, e que eu acho que funciona muito bem no sentido de combate, que são simples e gostosinhos, feitos na medida certa pra forma como é jogo, não funcionam bem no sentido do desafio em geral, o jogo admite que seu principal desafio é a gestão, então porque não trabalhar sobre ela a sua dificuldade, escolher o modo difícil pouco impacta nisso, e eu acho que seria melhor se a ideia não fosse aumentar a dificuldade dos combates em si, mas sim aumentar a dificuldade da gestão de recursos (não entregou algo a tempo? Perdeu mais reputação; morreu pra um inimigo? Lá se vai um pouco de dinheiro), o jogo brilharia muito mais.

Outro ponto que eu sinto que o jogo falha um pouco é justamente na parte da alquimia, talvez por carregar uma certa expectativa, já que os jogos da série Atelier costumam ter mecânicas incríveis de sintetização, extremamente interativas já que dependem 100% das suas escolhas de como fazer o item, (Acho que o ápice disso foi o sistema de Atelier Sophie 2) eu senti que esse aqui faltou justamente nisso, interação. Diferente dos outros aqui a alquimia não traz uma mecânica a parte, ela só custa a mana da protagonista e custa tempo pra ser feita, você clica um botão e se tem os materiais necessários vai lá e pronto, cria o item, eu dou uma relevada porque esse é o primeiro da série, então eu já esperava certa simplicidade, mas da forma como é feito, eu sinto que ele me tira de toda a liberdade que eu tenho dentro daquele mundo pra fazer as coisas de uma forma engessada e sem graça, acaba sim incomodando. E apesar de incomodar essa parte, o que eu acho que falha grotescamente é a protagonista ter chance de falhar, uma das coisas que mais me frustra em jogos é falhar por algo fora do meu controle, e aqui isso era algo muito contornável, e dentro do próprio jogo tem um sistema que já serve pra isso, o de utensílios, e se eu não tenho um utensílio e decido fazer uma receita que precisa dele, eu aceito que falhar já é sim culpa minha, ou pelo menos que eu não posso reclamar já que eu aceitei apostar na protagonista conseguir fazer o item mesmo sem a ferramenta ideal. O problema é que mesmo com a ferramenta e tudo perfeito, você ainda pode falhar, e nesse momento eu sinto que o jogo foi injusto e se pôs contra mim, e aqui isso é especial porque toda a proposta é ser algo levinho, e toda o clima agradável vai pro espaço quando eu erro duas vezes um item que me custou um bom tempo pra fazer simplesmente porque o RNG do jogo estava contra mim.

Mas de problema, foi só isso que eu senti enquanto jogava, de resto, eu achei tudo uma maravilha, e eu fiquei muito surpresa com a historinha do jogo, apesar de algumas coisas que sempre vão acontecer, como uns pouco eventos já pré-setados, (que você não é obrigada a concluir e isso faz diferença enquanto o evento está ativo, ou quando você termina o jogo) a maioria das coisas que acontecem dependem do que você faz, então toda a progressão daquele mundo e das coisas que interagem com a protagonista depende totalmente da sua vontade, se você decidir não fazer algo, uma personagem pode fazer algo, agora se você fizer, vai ter outro resultado e por aí vai, as escolhas que eu faço ou deixo de fazer parecem impactar aquele mundo, e eu acho que isso combinou muito com a ideia do jogo que é a Marie se tornar uma grande alquimista por suas próprias decisões. Deixando bem claro que não são coisas gritantes, são ceninhas que você perde, situações que não acontecem, finais diferentes que você pega, personagens que ficam indisponíveis e por aí vai, não é a maior diferença do mundo, mas eu ainda senti como algo muito valioso enquanto jogava. Também adiciona muito a um fator replay, já que é impossível fazer tudo em um único save, a não ser que seja no modo ilimitado, uma nova opção do remake que tira esse limite de tempo da história.

Eu me diverti muito enquanto jogava Atelier Marie, tudo nesse mundo parecia tão mágico, os personagens são divertidíssimos de se conhecer e acompanhar, as piadas são incríveis, a jornada toda é muito gostosa, é um jogo que em todos os sentidos possíveis, é adorável. E eu fico feliz de ver algo que assume sua simplicidade e trabalha em cima disso, e esse aqui trabalhou muito bem, facilmente uma das experiências mais fofas e agradáveis que tive com lançamentos desse ano.

Reviewed on Oct 09, 2023


2 Comments


6 months ago

Dessa linha atelier ae, qual recomenda pra começar?

6 months ago

Eu não sei, eu comecei bem errada pq o primeiro que eu joguei foi o Sophie 2, li que ele era independente do Sophie 1 e quis jogar, daí eu me apaixonei pela franquia, sou burra nessas coisas. Até esse é bom pra começar, eu acho