EM VÍDEO: https://youtu.be/IJhEUN0j9As
Texto completo: https://www.gamedesignhub.com.br/post/tale-of-tales-uma-luta-constante-contra-a-estética-da-perfeição-artigo

A estética serve a um propósito limitante à arte. Desde as formas de esculturas gregas que definem "perfeição" (que viriam a ser amplamente utilizadas por movimentos fascistas e nazistas) até a adoração da beleza estética, que levaria a traduções de esculturas para carne humana através de procedimentos cirúrgicos, a estética é um parasita que acompanhou a arte em seu crescimento desde muito cedo.

Batizada por Tobin Siebers em seu paper "Disability Aesthetics" (2010), a "estética da deficiência" ou "estética da incapacidade", se preferir, busca provocar os padrões definidores da arte ao evidenciar o paradoxo da busca da arte perfeita em contraste com o longínquo, subliminar e muitas vezes acobertado apreço pela imperfeição.

O paralelo aqui é claro quando falamos de mídias artísticas mais antigas. As descendentes das esculturas gregas, comuns na estética Nazi, se mostram, como o próprio Tobin trouxe (e concordo), vazias substancialmente (ex. Readiness, Arno Breker). Como artistas, a busca pela perfeição historicamente se mostra opressora à liberdade expressiva e sentimental, mas como interlocutores, vemos um valor único na imperfeição, desproporcionalidade e assimetria, proveniente de uma sensibilidade empática e inconsciente. As imperfeições dão vida à obra e tornam-se parte dela.

Perceber que o suposto "defeito" como parte da obra que a torna ainda mais perfeita é essencial. Pois se os braços estivessem na Vênus de Milo, por exemplo, não passaria de mais uma escultura "perfeita" e replicada tantas vezes sem um pingo de caráter, alma ou essência (como os fachos reproduzem, matando a arte). Se os braços ainda estivessem na Vênus de Milo, ela não seria a Vênus de Milo.

Essa luta estética pode ser facilmente vista em movimentos pós-modernos. Nós nos rebelamos contra o perfeito, mesmo inconscientemente.

Outras artes como rabisco, pixo e grafite, que usam outras obras como tela (arquiteturas, pinturas etc.), até simples depredações, como evidenciadas pelo Tobin em seu artigo, exercem um papel de rebeldia contra a norma estética, e, na minha opinião, trazem uma camada a mais em qualquer ambiente e/ou arte.

O mesmo pode ser visto em jogos, pelos motivos que explicarei a seguir.

A "estética deficiente" em jogos
Tela de captura do mod de doom para super mario 64
Doom Mod v0.34 para Super Mario 64 PC Port | Autor: p3st
Como interlocutores, a cultura de Mods é o exemplo vivo da revolta inconsciente contra a estética padrão e um fomento à estética deficiente. Quebramos os jogos "perfeitos" para deixá-los ainda melhores em suas imperfeições.

Entretanto, mesmo em obras autorais, a luta estética ainda é recorrente e muito poderosa nos jogos. Aqui, a estética, além de figurativa, se mostra também sinestésica e tátil. Esperamos um modelo de reação aos nossos movimentos, à nossa interação.

Nos jogos em terceira pessoa, ao indicarmos movimento, seja apontando o joystick para frente, apertando o botão indicativo para a direção que queremos movimentar ou um simples apertar de gatilho como pisar num acelerador, esperamos uma resposta imediata e aprendemos que essa resposta é "boa norma" e significativa para o entretenimento. Damos um nome mais bonito para parecer algo real e universal, chamamos isso de "game feel".

Eu sou um fã da teoria do "game feel" e acredito que Steve Swink trouxe um novo degrau para as discussões da mídia. Mas, quando a discussão se transforma em informação, seguimos diretrizes que se moldam em regras, ou melhor, estética, para as sensações em um jogo.

No entanto, quando a ausência dessas sensações é executada com um contexto substancial e político, mostra-se uma afronta direta às mazelas da estética padrão.

Tal qual Bennett Foddy, Molle Industria e Ville Kallio, Tale of Tales é um grande ícone na expurgação da praga estética nos jogos e na proclamação de uma nova estética, um modelo que despreza simetrias e perfeição, rompe as cascas grossas da ordem e liberta a arte em uma catarse de sentimentos e sensações sem o mínimo de intenção ou motivo, a Estética da Deficiência.


Se não pudermos mudar o que significa “videogames” e sua atual estética, esta mídia está, de fato, morta. Então precisamos lutar e, como diz Walter Benjamin, “Nossa resposta é a arte política”.

Para mostrar como isso pode ser feito e em prol de espalhar a palavra da Tale of Tales, vou trazer aqui um pouco de minha experiência nessa viagem experimental.

The Graveyard é esteticamente deficiente.

Apesar da aparência não ser muito incomum, a experiência de jogar The Graveyard é diferente de qualquer padrão, principalmente para a época de seu lançamento.


Todo o conceito corporal da estética deficiente de Tobin é aplicado sinestesicamente aqui: você controla uma senhora idosa em um cemitério, ela senta em um banco, ouve uma música e sai.


É um jogo entediante, doloroso e nem um pouco intuitivo.


Andar com a senhora é difícil, o ritmo é monótono e não parece ter muita coisa empolgante a partir dali. Tudo que temos como perfeito em um jogo, aqui temos o oposto. Sentar em um banco é uma tarefa difícil, levantar-se e sair é tão chato quanto a entrada. Tal qual a vida dessa senhora, esse jogo é quebrado, monótono, triste e curto.


Mas o que mais me pega nesse jogo é o uso do formato para traduzir a rotina, até de uma forma mórbida. Afinal, uma senhora de idade visitando o cemitério e contando como aquelas pessoas morreram não é nem um pouco habitual, ainda mais quando ela sabe de sua efemeridade e sabe que nessas rotinas, um dia vai ficar naquele cemitério para então não estar mais em lugar nenhum.


Eu vou spoilar aqui, pois acredito que a experiência muda em cada um, mas quando abri novamente o jogo para ver "é só isso mesmo", me surpreendi com a personagem morrendo no meio da música e o jogo simplesmente parando ali.


O conceito de morte em jogos definitivamente não significava um final, muito menos uma morte tão pacata e tão ao acaso. Você não tem controle da morte nesse jogo, tal qual a idosa sabia que não tinha.


O que mais me surpreende é esconder isso através da mecânica de abrir e fechar o jogo... Quantas pessoas realmente abririam The Graveyard pela segunda vez depois de ter uma experiência tão "entediante"?

É uma coragem artisticamente revolucionária como a Tale of tales em si foi.

EM VÍDEO: https://youtu.be/IJhEUN0j9As
Texto completo: https://www.gamedesignhub.com.br/post/tale-of-tales-uma-luta-constante-contra-a-estética-da-perfeição-artigo

Reviewed on Oct 26, 2023


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1 day ago

fodase