Atualmente a From Software é um dos estúdios mais amados pela sua comunidade. Apesar de produzir jogos para um nicho bem específico de jogadores, grande parte do seu público foi conhecer o estúdio apenas após Dark Souls ter se popularizado, e se você faz parte desses público, talvez os últimos meses tenham levantado algumas perguntas:

O que diabos é Armored Core?

Esse já é o sexto jogo? E os outros? Preciso jogar os anteriores?

Isso é um Soulslike de robô?

Mas não tema, senta aí que eu vou responder todas essas perguntas agora, além de falar bastante sobre robôs gigantes e soulslike.

Armored Core 6

Armored Core 6 é a nova entrada em uma das franquias mais clássicas da From Software mas que não dá as caras desde 2013.

O jogo se passa em Rubicon 3, um planeta rico em Coral, uma fonte de energia que poderia aumentar drasticamente as capacidades tecnológicas da humanidade.

Em um universo em que humanos geneticamente modificados pilotam enormes armas de destruição em massa, a ganância humana e as guerras pelo poder teriam devastado o planeta caso a própria substância não tivesse causado um evento cataclísmico que envolveu todo o sistema estelar em chamas.

Meio século depois a humanidade novamente tenta obter o controle sobre esse recurso e somos inseridos nessa história na pele de um mercenário independente pilotando um AC sucateado com uma licença roubada de codinome Raven.

Assumindo trabalhos enviados por mega corporações, Raven deve pouco a pouco recolher recursos que lhe permitam melhorar o seu AC e fazer o seu nome como mercenário em combates acelerados que vão do recolhimento de informações no campo de batalha até a destruição de máquinas de guerra colossais.

Dirigido por Masaru Yamamura, um dos Lead Designers de Sekiro: Shadows Die Twice já seria de se esperar um foco bem grande na sua jogabilidade, mas o que a From Software entrega por aqui chega a ser uma sacanagem de tão gostoso que é esse jogo.

A história é instigante e vai sendo entregue aos poucos através dos diálogos, que infelizmente podem ser perdidos pois se desenrolam até mesmo durante o combate, mas mesmo assim entrega um roteiro denso e cheio de camadas.

Os gráficos são lindos e conceitualmente os cenários são absurdamente interessantes, indo de vastas planícies devastadas até cidades flutuantes.

Os ACs, verdadeiras máquinas de guerra que o jogador pode montar e personalizar por completo são um show a parte com uma infinidade de equipamentos não só com funções mas também com histórias próprias.

E essa personalização, na minha opinião, é o grande trunfo de Armored Core. Apesar da jogabilidade ser irretocável e ser totalmente possível escolher uma build e superar desafios na força bruta, Armored Core instiga o jogador a pensar em soluções mais elegantes.

Construir seu AC, testá-lo na arena e voltar para o Hangar para refinar o seu projeto é uma das partes mais importantes do jogo, tornando esse, um dos jogos mais acessíveis da From.

Com uma curva de aprendizado levemente acentuada, o primeiro capítulo deixa claro que esse jogo não é um Soulslike, mesmo sendo perceptível a derivação de algumas de suas mecânicas.

Exigindo um leque de habilidades que pode transitar de um jogo pro outro, os títulos da From costumam apresentar um combate familiar, mas sempre trazem alguma mudança na filosofia da batalha, porém se você espera jogar Armored Core como um Dark Souls ou Bloodborne, pode se preparar pra uma jornada complicada.

Balteus, o chefe do primeiro capítulo é a grande barreira desse ato e eu perdi cerca de duas horas e dezenas de tentativas pra passar por ele. Já ao repetir a missão algum tempo depois aniquilei ele em menos de dois minutos na minha primeira tentativa, simplesmente por ter encontrado a build certa para enfrentá-lo.

Esse aprendizado e essa construção de projetos diferentes é o grande trunfo da série desde o seu início, mas em Armored Core 6 é incrível o quanto a From evoluiu a própria fórmula. Mas de onde vem toda essa experiência?

O que diabos é Armored Core?

Com quase 40 anos de história, a From Software é talvez um dos estúdios que mais soube desenvolver uma identidade própria. A cada jogo novo, o time se apoia nas lições aprendidas com os jogos anteriores e trazem novas iterações das suas mecânicas, polindo esses conceitos e atingindo um patamar extremamente alto.

O combate de Dark Souls pode ser considerado tão influente quanto o da série Arkham. O de Bloodborne mantém essa estrutura e traz a pergunta: E se incentivarmos o jogador a evitar o dano ao invés de bloqueá-lo?

Sekiro subverte essa fórmula mais uma vez ao focar novamente no bloqueio, porém incentivando o jogador a masterizar o tempo dos golpes para que essa defesa se convertesse também em um ataque, recompensando a agressividade e criando o que na minha opinião é o melhor sistema de combate já visto em um videogame.

Mas esses elementos possuem uma raiz muito mais antiga, remetendo a King´s Field, um RPG de ação em tempo real e exploração de masmorras em que a dificuldade progressiva era um dos grandes atrativos, já trazendo muitos dos elementos pelos quais a From se tornaria conhecida no futuro.

Foi só após o lançamento de 3 encarnações da série que a From se voltou para o gênero de robôs gigantes, extremamente popular no japão.

Ao todo, a série possui 15 jogos, com Armored Core 6 sendo a décima sexta encarnação da franquia e apesar de no geral o conceito ser desenvolvido ao longo desses jogos, é perfeitamente possível jogar Armored Core 6 sem ter jogado os anteriores.

Temos aqui uma evolução a tudo que foi visto desde o início da série mas ainda mantendo sua essência. O jogo ainda é dividido em missões que podem ser repetidas e o jogador é incentivado a fazer isso.

O combate flerta bastante com o que a From costuma entregar nos últimos anos, mas destoa o suficiente para que quem espera encontrar um soulslike se fruste completamente.

É preciso entender que Armored Core 6 é uma outra criatura, mesmo se apoiando em conceitos construídos ao longo das últimas 4 décadas e essa, aliada ao gênero de robôs gigantes é possivelmente a sua maior força.

Robôs Gigantes

Quando penso em robôs gigantes é impossível não remeter ao universo de Gundam e Battletech. Com tantas similaridades quanto diferenças, esses dois universos trazem olhares diferentes sobre um mesmo problema: O capitalismo tardio.

Calma, não corre ainda… vou colocar só uma pitadinha de política nos seus videogames, você não vai nem sentir o gosto.

Todos nós pensamos no futuro e por consequência, existe um grande acervo de obras culturais que buscam responder a questão “como será o futuro”.

Universos Cyberpunk como o de Blade Runner, mundos pós apocalípticos como o de Mad Max, até mesmo casos de Sci-Fi com uma expansão espacial massiva como em The Expanse.

Não por acaso, a maioria dessas obras retrata um futuro distópico em que as condições pra vida como conhecemos foi perdida há muito tempo. Extrapolando conceitos extremamente atuais, essas obras discutem a nossa própria realidade.

Battletech traz um universo militarizado em que a expansão extraplanetária da humanidade ocorreu há mais de um milênio, gerando corporações, clãs e castas que brigam entre si por qualquer noção mínima de controle.

Com uma lore extensa e coesa, aqui temos um aspecto muitas vezes até religioso com a criação de verdadeiros cultos a essas máquinas de guerra e seus guerreiros lendários.

Já no universo de Gundam essas máquinas são reduzidas ao grau de meras armas para utilização militar, interpolando o realismo de conceitos da nossa própria sociedade com a ficção grandiosa dos seus combates.

Descrevendo Armored Core de forma simplista, eu sinto como se ele fosse a encarnação mais próxima caso Battletech e Gundam tivessem um filho.

O gênero “Mecha” possui alguns “tropes” bem específicos, explorando as consequências de um capitalismo tardio e a exploração não só de recursos naturais mas também do próprio homem por corporações multibilionárias.

Combates em grande escala, ação frenética repleta de explosões, personalização de robôs e alguns crimes de guerra são o arroz com feijão desse tipo de obra, mas apesar de ao falarmos de Gundam, Battletech ou Armored Core pensarmos imediatamente nesses robôs gigantes, suas histórias não são exatamente sobre isso.

Com dezenas de iterações diferentes e uma quantidade industrial de material escrito, desenhado, filmado e criado a respeito, a Lore de qualquer um desses universos pode ser um tanto caótica, mas é curioso ver como os temas centrais vão “sangrando” de uma pra outra.

Gundam possui um enorme foco nos seus aspectos políticos e apresenta diversas séries e jogos diferentes que se espalham por duas cronologias diferentes, Universal Century, a cronologia principal e Alternative Universe, que trabalham realidades paralelas da franquia.

Armored Core segue uma linha parecida trazendo a cada jogo uma nova interpretação de Raven que não necessariamente possui qualquer ligação com a anterior. Com isso, Raven pode ir ao longo da franquia de uma força libertadora até um cachorrinho das corporações.

Battletech se foca na expansão tecnológica e no crescimento das corporações com o jogador executando missões que claramente não o colocam no lado “bonzinho” da coisa, justamente por não existir aqui o “certo” ou “errado”.

Mas mais do que isso, Battletech traz uma atenção bem grande a aspectos financeiros, fazendo o jogador lidar com a violência não só no campo de batalha mas também fora dele.

Não é nada incomum ver campanhas tomarem rumos inesperados pela relação que os jogadores constroem com os seus créditos.

As vezes é caro demais consertar e equipar aquele Atlas encontrado nos escombros de uma instalação abandonada. Mesmo com o dinheiro na mão, pode ser que esse sistema estelar não tenha as peças necessárias.

Talvez ao assumir uma ou duas missões em que os limites morais não sejam tão claros seja a solução.

Pegar um empréstimo nos bancos pode garantir o poder de fogo necessário para missões que paguem melhor. Ou quem sabe a venda de um Mech mais robusto ajude a financiar um esquadrão de Mechs mais leves.

Mesmo em combate, talvez seja melhor utilizar armas que não dependam tanto de munição para reduzir os custos.

Armored Core segue uma linha parecida, mostrando que não necessariamente estamos do lado “bonzinho” e apresentando consequências em todos seus finais. Os custos para organizar uma missão e colocar o seu AC em ação também devem ser levados em consideração.

Executar as missões em menos tempo e a um custo menor garantem um rank maior e mais dinheiro para ser investido no seu AC. Ao modificar o seu AC é possível testá-lo em uma arena contra IAs treinadas com os dados adquiridos de outros pilotos.

A From faz um excelente trabalho aqui em situar o jogador nesse universo. Ao atrelar o jogador a um personagem sem voz somos inseridos diretamente na pele de Raven, que ao utilizar uma licença e um codinome que também não são seus, podemos encaixar esse personagem no passado que nos for mais conveniente.

Como toda história que envolve robôs gigantes, a história aqui é bem mais densa do que eu esperava e é entregue de forma críptica, identificando personagens apenas pelo seu codinome e suas vozes.

Mas mesmo assim, sendo capaz de traduzir esses diálogos em personagens carismáticos que você é capaz tanto de amar, quanto odiar.

Com 3 finais diferentes e algumas escolhas ao longo da campanha, essa impessoalidade permite que o jogador encare as consequências dos seus atos em uma escala maior. Ao se aliar aos Redguns, aos Vespers ou a frente de libertação de Rubicon, suas decisões impactam muito mais do que um único personagem.

São esses aspectos financeiros e principalmente a sua história que incentiva o jogador a repetir uma mesma missão diversas vezes e talvez por isso Armored Core dificilmente vai ter o mesmo apelo de outros jogos da From.

Ao trazer um gênero extremamente nichado e abordar temas bem espinhosos, o jogo talvez não agrade o jogador mais casual.

Ao apresentar uma jogabilidade familiar mas que ainda foge muito do que tem sido mostrado nos últimos anos, o jogo talvez não converse com o fã mais fervoroso dos jogos da empresa.

Mas a real é que Armored Core é um jogo bem diferente do que muitos poderiam esperar, mas ainda é muito familiar. Contido em sua própria ambição mas ainda espetacular em tudo que se compromete a fazer.

E em um momento em que estúdios amados parecem estar cada vez mais se afastando das suas origens, é ótimo observar como a From é um estúdio muito consciente da sua própria identidade.
Ela já fazia isso bem antes desses fãs mais fervorosos chegarem e eu espero que ela continue fazendo muito depois deles irem embora também.

Reviewed on Sep 27, 2023


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