Se tem um Metal Gear que pode se vangloriar de ter uma gameplay deliciosa e democrática, esse Metal Gear sem dúvida é o MGS V (Ground Zeroes e The Phantom Pain), um jogo que premia todo o tipo de jogador, do pacifista ao mais ávido por promover uma carnificina, sempre valorizando os métodos escolhidos com uma quantidade absurda de equipamentos e possibilidades tanto em um método, quanto em outro.

Na minha análise de Peace Walker, eu apontei que a maioria das mecânicas deste jogo seriam herdadas pelo MGS V, afirmação que ratifico. É fato que MGS V é a demonstração definitiva das ideias de Kojima, e transforma Peace Walker em um mero protótipo, quando posto ao lado de MGS V.

E a quantidade de mecânicas disponível é tão vasta (já que aqui devemos considerar coisas que só podem ser feitas com determinados equipamentos), que mesmo com dezenas de horas, ainda será possível que você não tenha vislumbrado todas as possibilidades - e verdade seja dita: nem precisa! Pois o grande número de mecânicas não existe para serem dominadas, mas para possibilitar a perfeição na abordagem escolhida pelo jogador, seja sendo um fantasma, ou a encarnação do próprio Rambo; e é isso o que faz MGS V ser tão especial.

Mas apesar das similaridades com Peace Walker, MGS V tem suas novidades, sendo a mais evidente os Buddies - aliados que você pode levar para as missões, e que são muito úteis. No início do jogo você tem um cavalo, o que faz sentido em um mundo aberto, depois você tem o D-Dog (seu lobo de estimação), que basicamente marca tudo para você no mapa com seu nariz mágico, e depois temos a Quiet... e bem... é a Quiet!

A Quiet é uma personagem que merece um parágrafo ou dois só para ela. Por mais que ela seja construída de forma até sexista, já que ela é uma sniper que vai para o campo de batalha com um biquini fio dental, e não pode falar (coisa de japonês tarado), ela também é a personagem mais apaixonante e profunda de MGS V, e eu nem sei explicar como o Kojima conseguiu isso com uma personagem tão estereotipada.

E como Buddie, Quiet cria até um problema ao inutilizar os demais companheiros (fazer o quê se a mulher bonita consegue prevalecer até sobre um pet leal?). E isso não acontece à toa; Quiet marca todos os inimigos e pontos de interesse, nos salva nos momentos mais imprevisíveis, e ainda pode distrair seus inimigos ou simplesmente matá-los como moscas, e os sussurros delas são gostosos de ouvir... enfim! É simplesmente o melhor recurso que o jogo pode te dar.

E quantas as abordagens, o jogo ainda premia mais o stealth e o pacifismo, o que é justo, já que essa é a proposta; mas não se iluda, é possível promover um verdadeiro caos aqui. Uma coisa que gosto muito é que o jogo não tem suas mecânicas dificultadas para obrigar à abordagem furtiva. Controlar Snake é facílimo; o desafio aqui fica por conta da inteligência artificial dos inimigos, e da letalidade dos hits que você pega. Quer brigar? Briga! mas se prepare para lidar com inimigos que vão te acertar, te cercar, chamar reforços das bases vizinhas etc. etc. etc. É uma inteligência artificial muito bem aplicada, e é o jeito certo de incentivar qualquer jogador a não ser descoberto.

O jogo é de mundo aberto, o que pessoalmente é algo que não me incomoda aqui, já que essa construção de mundo permite uma certa variedade de possibilidades nas realizações das missões, mas acredito que o jogo não ficaria prejudicado, e talvez até se beneficiasse, da construção de fases mesmo, como foi proposto em jogos como Hitman, ou até mesmo em MGS 4. Mas é uma mera divagação, já que MGS V é bom com seus três mapas (um de Ground, dois de The Phantom).

Mas para falar em problemas reais, vamos às consequências da guerra Kojima e Konami.

A bem da verdade, essa Definitive Experience é o jogo que deveria ter sido vendido desde o início. Ground Zeroes não passa de uma primeira fase; é a abertura da história de The Phantom Pain, e isso é percebido quando só leva 1 hora para zerar a história principal desse capítulo. The Phantom Pain, por sua vez, começa imediatamente após o final de Ground, e ambos os jogos têm a mesma jogabilidade, gráficos etc. etc. etc. Logo, essa divisão é o primeiro sintoma da guerra corporativa entre o vaidoso Kojima e a corporação do mal Konami.

O segundo, e talvez maior problema dessa história, é o jogo estar incompleto!

MGS V apresenta inúmeros plots no Chapter II (que cobre da missão 32 até 50 da lista principal), mas não resolve esses plots, que sequer são mencionados em outros jogos. Ou seja, não dá nem para alegar que eles são fruto da semente para jogos futuras, já que teoricamente MGS V encerra a franquia. É nítido que o jogo tinha que ter um Chapter III (ou um Chapter II estendido), para fechar algumas pontas deixadas pela campanha; o que acaba não ocorrendo, e coisas importantes da narrativa não são resolvidas.

Outra questão que incomoda é a segunda metade de Phantom Pain ser muito inferior a primeira metade, já que se inicia um ciclo de missões repetidas nas quais 13 das 19 missões principais já foram jogadas no início do jogo, alterando-se apenas a dificuldade da missão (sendo Total Stealth, ou Extreme).

Tá certo que a experiência de jogar as fases em níveis mais difíceis de fato tira o jogador da zona de conforto, e obriga a novas estratégias, dando uma cara nova a essas missões; mas veja que essas missões não são secundárias, e pelo menos uma parte delas deve ser cumprida para ver os finais do Chapter 2; e só três dessas missões se prestam a avançar a história, o que é inaceitável!, já que a história está incompleta, com o desfecho de alguns personagens simplesmente não ocorrendo dentro do jogo. A sensação de encheção de linguiça é real aqui.

E daí vem que o jogo é narrativamente o mais fraco entre os títulos principais, tendo um enredo inferior inclusive em relação ao Peace Walker.

Não que a história não seja boa (isso ainda é Metal Gear), mas além do problema de história incompleta, a própria forma de contar sua narrativa não ajuda. E sim, estou falando das malditas fitas cassetes!

Essa forma de contar sua história é herdada de Peace Walker, mas se neste último ainda tínhamos uma história pessoal de superação e aceitação de Big Boss mostrada em tela, contada em missões e cutscenes, The Phantom Pain deixa seguimentos inteiros da narrativa, e explicações basilares do que está acontecendo por conta das fitas cassetes. O jogo até indica quais fitas devem ser ouvidas, já presumindo o tédio de ouvir todas as fitas com exposições infinitas.

Outro problema, também herdado de MGS Peace Walker, é o fato de se ter muitas missões que não significam nada; você é um mercenário no fim das contas, e muito do que você faz é contratos de guerra, que pouco vão contribuir na narrativa de forma geral. Não é que isso prejudique o jogo, mas como o jogo tem uma lista de missões secundárias extensas, parece um equívoco que as missões principais, muitas vezes, não signifiquem nada, sendo a diferença de uma missão principal para secundário, muitas vezes, o escopo e a complexidade da missão proposta, e nada mais.

Não nego que MGS V, apesar de ser um dos jogos mais viciantes que já joguei na vida, e que me prendeu por 80 horas, também é um pouco decepcionante para um fã da franquia. Já que jogar um MGS com uma narrativa tão largada, justamente nessa franquia, que sempre buscou se aperfeiçoar na arte de criar gameplays únicos em narrativas cinematográficas, só pode ser definido como decepcionante.

Mas em que pese a narrativa mais fraca e incompleta, o gameplay de um jogo perdoa muitos pecados, e a depender da qualidade e diversão proposta, até dispensa qualquer história (Super Mario e Doom não me deixam mentir). Por isso, ainda que eu tenha me decepcionado com a história de MGS V, considero esse jogo obrigatório, sendo seu maior defeito ele está incompleto (ainda que isso não mude o fato de ser um jogo que demanda ao menos 50 horas para ter um zeramento apenas das missões principais). Enfim, uma obra inestimável, ainda que inacabada.

Reviewed on May 23, 2024


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