Dredge, o debute da Black Salt Games, estúdio indie da Nova Zelândia, apresenta uma aventura rpg de um pescador em mundo de duas realidades, uma realidade de cenários bonitos e paradisíacos perfeitos para a vida de pesca e outro sombrio e misterioso que é revelado durante a noite contando com seres ancestrais aterradores.

A obra apresenta uma aventura pouco intimista com um personagem sem nome que é levado ao novo ambiente por uma oferta de emprego de pescador. Sem falas por parte do protagonista é apresentado uma aventura com objetivos claros que devem ser atingidos, ao passar de um tutorial para as mecânicas básicas é dado o objetivo geral de recuperar os itens para o “colecionador”, a partir daí o jogador deve avançar e explorar a região ao redor da vila que apresenta 4 diferentes cenários, cada um destes contando com uma diferente mecânica. O RPG fica por conta das mecânicas relacionadas a parte da pesquisa junto aos itens desbloqueáveis e o aprimoramento do barco como um todo.

Em relação a história a obra conta com uma narrativa construída a partir de diálogos, as missões primárias guiam o jogador através dos diferentes cenários dentro do mapa enquanto as secundárias trabalham na ambientação com personagens contando histórias e integrando o jogador ao mundo de Dredge. É a partir dos objetivos principais que os diferentes ambientes são apresentados, mas o desenrolar dos acontecimentos de cada um dos 4 locais fica por conta do enredo daquele ambiente, logo, a obra trabalha com mini enredos dentro de algo maior e mais importante. A figura por trás de todo o imbróglio construído já é conhecida logo de cara pela estética, os diversos elementos como o barco, a água, as alucinações durante a noite, os peixes com mutações deformadas e todo o ar melancólico e misterioso já denuncia o terror cósmico Lovecraftiano, fica por conta do jogador presenciar como será esse desenrolar. Sobre a conclusão do que é apresentado, o final “padrão” apresenta a já esperada destruição e anuncia o objetivo real da jornada, enquanto o outro final, o final “bom” apresenta o plot que dá ainda mais sentido ao primeiro final enquanto finda o foco principal do problema cósmico da região.

No que diz respeito a jogabilidade, esta é trabalhada ao redor da ideia de um pescador e de um aventureiro. O personagem principal é pouco presente, seu rosto é observado somente no começo do jogo, o resto da obra somente é apresentado os outros personagens e no mundo aberto somente o barco tem presença, logo, a ideia de personagem fica por conta do barco, ele é o elemento passível de controle pelo jogador, as melhorias e mudanças servem para influenciá-lo, algo crível considerando o tema de pescador. Ainda existe o elemento de RPG, este se faz presente pelas melhorias no barco e a pesquisa, ambos necessitam da exploração para serem concretizados, a melhoria do barco precisa de recursos obtidos em diferentes lugares, principalmente nos destroços de embarcações. Placas de metal, tábuas de madeira e outros são necessários para evoluir o barco a fim de aumentar o inventário e abrir espaço para os diferentes equipamentos como motores, varas e redes de pesca, luzes, etc. A pesquisa necessita de pontos de pesquisa que são obtidos através da vendedora itinerante ou de alguns objetos dragados no oceano, essa pesquisa apresenta um problema já que parte dela pouco acompanha o progresso do resto da obra, sendo difícil o jogador liberar as pesquisas junto a evolução do barco, logo é fácil chegar ao final da obra e ter várias pesquisas necessitando serem realizadas, assim, é quase necessário um grind, o que é bem contraproducente, principalmente considerando a proposta da Black Salt Games.

A progressão da obra segue uma mudança na ambientação e na jogabilidade, cada ambiente adiciona uma nova mecânica de jogabilidade e uma skill ao mesmo tempo em que modifica, em partes, a estrutura estética do que estava apresentado. Na região do penhascos é apresentado ao jogador a mecânica de demolição e ao concluí-la é obtida a habilidade de teletransporte para o colecionador, na região praiana é apresentado a pesca nas profundezas e na conclusão é obtida a habilidade de dispersão de monstros, na região do mangue é demonstrado a mecânica de isca e a habilidade de matar peixes ao redor do barco é obtida, ou seja, em praticamente toda região há um acréscimo ao escopo do que estava sendo apresentado, a ideia de um pescador se desenvolve junto com as magias e o misticismo que circunda a obra, ambos são entregues juntos, em cada um das regiões. A progressão também se dá através das melhorias do barco e do desbloqueamento das pesquisas, um elemento que tem a progressão guiada pela melhoria do bardo desde começo do jogo é o gerenciamento do inventário, pois a obra traz como premissa o inventário particionado, sendo necessário encaixar os itens de forma a colocá-los da melhor forma, o modelo é antigo e muito utilizado para dar um aspecto real de limite de espaço.

A ambientação do cenário é bem desenvolvida, é extremamente perceptível a variação estética e de ambiente entre o dia e a noite, a mudança dos elementos, uns sendo adicionados e outro retirados criam um ambiente diferente do vivenciado anteriormente, exigindo adaptações necessárias para o novo momento, que vão da luz ligada até um cuidado com o pânico e as alucinações. Ainda sobre a ambientação, essa também é responsável por criar os 5 ambientes gerais do jogo, os 5 conjuntos de ilhas que guiam a progressão ao longo da obra, o inicial é o ambiente padrão típico que tem muito de seus elementos repetidos nos outros, o resto tem peculiaridades interessantes, como a área de veraneio que a noite é povoada pela águas vivas criando um cenário muito bonito, a região do mangue que necessita de cuidado e controle com o barco dado o labirinto ou mesmo a área vulcânica com suas peculiaridades da vida marinha e formação geológica junto às ruínas civilizatórias que criam um novo empecilho.

O mistério definitivamente é um dos principais elementos da obra, ele é construído através da estética que segue um modelo 3D cartoon junto aos personagens que são representados por um arte digital clássica com brushes fortes e bem visíveis, algo rústico e primitivo, que combina muito bem com a ideia do horror lovecraftiano. Outro elemento que auxilia no mistério é ambientação da noite que é muito bem construída com um jogabilidade significativa, ainda se tem a narrativa com diálogos e história secundárias contundentes que aumentam o horror e expõe a natureza lovecraftiana, principalmente as missões secundárias de alimentar os encapuzados coloridos. A progressão é o último elemento que desenvolve o mistério junto com a ideia do terror cósmico, ela se dá através da obtenção das magias sobrenaturais.

Concluindo, Dredge consegue contar uma história de uma forma despretensiosa enquanto explora amplamente as mecânicas e a jogabilidade criada, o enredo vivenciado vai ganhando forma e sua conclusão é esperada mas de certa forma surpreendente, principalmente considerando o final “bom” que conta com a revelação do plot. A obra consegue criar uma transição excelente entre a vida de um pescador e os mistérios que envolvem o mundo de Dredge, o horror lovecraftiano vai sendo revelado ao longo da história e a jogabilidade acompanha todo esse processo com habilidades sobrenaturais estando disponíveis. A obra avança sempre como um todo, quando a ambientação muda, chega-se uma nova história localizada, novas mecânicas e um nova habilidade, há sempre algo novo para ser experienciado até o final, por isso o jogo prende o jogador completamente durante a sua duração. Os detalhes que prejudicam a obra são poucos e pontuais, a proposta e sua execução pela Black Salt Games é quase impecável, é homogêneo tudo que circunda Dredge, a ambientação, a progressão, jogabilidade, narrativa, todos caminham juntos e se inter-relacionam para dar vida a obra, é incrível.

Reviewed on Mar 14, 2024


Comments