(Review escrita em 2015)

Touhou Hisoutensoku é um jogo spin-off da série Touhou. Ao invés de ser um shoot-em-up, gênero pelo qual a franquia é conhecida, Hisoutensoku é um jogo de luta utilizando os personagens da série. Para alguém que não conhece a série, ele pode parecer um tanto… bizarro. O estilo “anime” da série pode desagradar muita gente que ouve falar do game. Eu pessoalmente não sou o maior fã desse estilo, mas isso não me impediu de jogar o que acabou sendo um dos fighters mais divertidos que eu já joguei desde Super Smash Bros, graças à suas mecânicas únicas que o diferencia dos fighters cotidianos.

Tecnicamente, o jogo é uma expansão de outro spin-off de luta, o Hisouten, mas também funciona como um standalone, e muda certas coisas da versão passada, então resolvi fazer a análise dele ao invés de seu predecessor. Como dito antes, o estilo “anime” pode ser claramente visto na lista totalmente feminina de personagens da série. Além disso, os cenários são bem bonitos e os efeitos visuais, algo muito presente nas lutas, são ótimos. No entanto, Hisoutensoku foi feito para rodar em em uma janela com resolução de aproximadamente 650x510. Há um modo fullscreen, mas óbviamente o jogo não fica tão bonito quanto em uma janela menor. Não é um grande problema com os já mencionados estágios e efeitos visuais, mas os sprites dos personagens ficam bastante “pixelados”. Além de tudo, o game não apresenta a opção de mudar o tamanho da janela (fora de mods, claro), algo que facilmente teria resolvido, ou ao menos aliviado o problema. Um dos pontos fortes da franquia é sua sonoplastia, o que também se aplica aqui. Contendo em sua maioria músicas antigas, a sua trilha sonora é excelente, contendo várias músicas que inclinam mais para o lado do jazz com um ritmo mais lento, comparado às batida rápidas de suas versões originais. Apesar disso, elas conseguem “empolgar” o jogador durante uma batalha intensa. Fãs da série irão gostar de ouvir suas músicas favoritas de jogos antigos retornarem com estilos totalmente diferentes, acompanhadas de outras totalmente originais. No menu principal há um “Music Room” onde você pode ouvir toda a sua trilha sonora quando quiser.

Por ser uma expansão, Hisoutensoku adiciona 5 personagens, 3 deles tendo uma “campanha” exclusiva. que pode servir como uma espécie de “treinamento” do jogador para se familiarizar com as mecânicas de combate e movimento do jogo, além de ajudar jogadores antigos a pegar o jeito desses novos personagens. O modo história é um pouco diferente do resto do game, focando mais em desviar de projéteis em eventos pré-escritos do que na luta em si, como nos jogos principais; ainda há um modo Arcade para uma experiência mais "clássica". A trama não é nada que se preze, e é tratada como toda história na série, tratando grandes acontecimentos como coisa do cotidiano, sem forçar nenhuma narrativa "épica". Ela faz, no entanto, um ótimo trabalho introduzindo os personagens com momentos entre lutas onde eles conversam entre si. Embora rápidos, esse momentos mostram o quão carismáticos são os personagens, mesmo para quem não conhece a série. Mesmo assim, há certos diálogos que necessitam de conhecimento prévio de outros jogos, o que deixam novatos na série “boiando”. Mas isso é algo pequeno, afinal você não compra um jogo de luta pela trama, e sim pelo combate.

A primeira coisa que você percebe quando joga Hisoutensoku é a mobilidade que os personagens possuem. Há muito mais “verticalidade” nele do que há em outros fighters tradicionais, pois todo personagem consegue voar por aí e atacar no ar. Há muito espaço para ambos os personagens se movimentarem e você sempre tem a opção de se aproximar de seu oponente para ataques corpo-a-corpo, ou jogar mais defensivo e usar seu projéteis para restringir seu oponente. Os controles não são tão simples como Smash Bros, mas também não tão complicados como em Soul Calibur ou Tekken, é um daqueles jogos “fácil de entender e difícil de dominar”. Há apenas um botão para golpes melee e dois para soltar projéteis, algo fácil de explicar considerando que o jogo é um spin-off de uma série de shoot-em-ups. Devido a sua grande área de efeito e facilidade de usar, muitos podem achar que abusar de projéteis é a melhor opção para o combate, mas há no game um botão de “dash”, que te permite passar por projéteis facilmente, incluindo alguns dos especiais mais fortes. É aí que as coisas ficam interessantes, você tem que achar o balanceamento perfeito entre combates de perto de projéteis, pois tanto soltar projéteis quanto usar o dash gastam seu “spirit”, o equivalente a uma barra de stamina em outros games. A barra se regenera automaticamente, mas ela também gasta muito rápido, o que evita o jogador de abusar de certas técnicas que quebrariam o jogo. Há também apresenta comandos especiais que o jogador pode fazer que resulta em golpes especiais e diferentes para cada personagem, eles também gastam sua barra de spirit. O aparentemente pequeno roster é na verdade bem variado, não há nenhum personagem que se parece com o outro, e não há nenhum que eu considero “forte demais” comparado aos outros e com certeza não há nenhum "clone", o jogo é bem balanceado nesse aspecto. Há suporte para batalhas offline para jogar com amigos e um modo online que utiliza IPs que não é perfeito mas funciona bem, o problema é fazer funcionar.

Há outros dois grandes fatores que melhoram e inovam o gameplay de Hisoutensoku, o card system e o weather system, ambos extremamente importantes durante a luta. O sistema de cartas é o meu favorito, cada personagem pode escolher entre centenas de cartas com funções diferentes e criar um deck com 20 delas. Há três tipos de cartas, system cards, skill cards e spell cards. System cards são cartas disponíveis para todos os vinte personagens e são basicamente cartas de suporte, variam entre curar um pouco do seu HP, regenerar seu spirit mais rápido, ou destruir uma carta do seu oponente. Uma das minhas favoritas aumenta permanentemente seu ataque enquanto diminui sua defesa, é uma faca de dois gumes que pode facilmente virar o jogo ao seu favor, mas pode muito bem lhe custar a partida. Skill cards são exclusivas de cada personagem. Como já mencionado antes, cada personagem possui golpes especiais que podem ser usados com certos inputs no controle, como o clássico Hadouken (Baixo-diagonal-lado). Cartas de skill, além de ativar esses golpes, aumenta o nível de poder dele, sendo 4 o nível máximo. Não só isso, mas você tem a opção de escolher entre três cards diferentes para cada skill, similar aos golpes customizáveis no Smash. Mas diferente daquele game, aqui os golpes são bastante diferentes um do outro, ao invés de simples variações do mesmo golpe. Por exemplo, há um golpe que, dependendo da carta, pode ser um projétil devagar para atacar no chão, um ataque rápido anti-aéreo, ou uma arremetida corpo-a-corpo com pouco alcance.
Há várias maneiras de utilizar essas cartas, eu pessoalmente gosto de escolher apenas uma variação por deck, pois assim posso deixar meus golpes mais fortes, mas eu tenho um amigo que utiliza todas as variações de um só golpe para me pegar desprevinido, o que ele quase sempre consegue. Essas cartas podem mudar o estilo dos personagens para adaptar mais ao seu estilo, ao invés de você ter que se adaptar ao estilo deles, e acrescenta variedade, versatilidade e surpresa ao roster. Isso pode ser dito para todos os tipos de carta, mas são nas cartas de skill que essa ideia é aplicada à todo vapor. Spell Cards são as cartas principais aqui, são seus “especiais” e, assim como as skill cards, são exclusivas pra cada personagens. Cada personagem possui entre 10 a 15 ataques especiais, variando de custo, poder e algum outro efeito secundário. Não é recomendado ter todos os spells no mesmo deck, pois além de não dar espaço para as outras cartas funcionarem, cada carta de spell possui um custo de cartas a serem descartadas, sendo o mínimo de 1 carta (só ela), e no máximo de 5 cartas. Cabe ao jogador decidir a quantia e o tipo dos spell cards que ele vai usar, e aproveitá-lo ao máximo durante a batalha. O sistema de cartas dá um twist interessante no jogo juntando dois gêneros que aparentemente não tem nada a ver um com o outro, além de deixar as partidas muito mais variadas, pois um personagem pode ser jogado de maneiras completamente diferentes por duas pessoas. Também é algo que adiciona uma camada de micromanagement - você não só deve tomar cuidado com seu oponente, mas também no deck dele. A ordem das cartas é completamente aleatória, o que pode ser bom ou ruim dependendo do ponto de vista. Algumas pessoas podem argumentar que adicionar propositalmente um elemento de RNG na mistura pode não agradar certos jogadores mais sérios, pois uma compra boa ou ruim pode mudar a partida por completo. Eu pessoalmente gosto de terem implementado isso; além de impedir um certo deck de se tornar monótono depois de usá-lo varias vezes, também barra certos combos de cartas que facilmente quebrariam o jogo aconteçam. Eu também achei o número de cartas ideal para o ritmo e a duração das lutas, levando em conta de que as cartas são aleatórias. Uma quantidade menor que vinte não daria muito espaço para você trabalhar com cartas de custo alto e provavelmente esgotaria muito rápido, te deixando “indefeso” pelo resto da partida, enquanto mais de vinte significa um deck muito grande, o que resultaria em dois grandes problemas: O deck seria grande demais para ser usado por completo em uma partida, lhe impedindo de aproveitar seu deck 100% - extender a duração das partidas para cobrir esse problema deixaria as lutas muito longas e cansativas. O outro problema seria que mais cartas no deck significaria mais cartas a serem aleatórias, o que aumentaria o problema do RNG. Mudar a quantidade do deck traria todos esses problemas e ao mesmo tempo não adicionar nada de novo e não realiza nada que um deck de vinte cartas não realiza.

Outro sistema presente no jogo é o sistema de clima. O clima da arena pode mudar a qualquer momento da luta, mudando de chuva, sol neve, tempestade, etc, e isso afeta o gameplay de muitas maneiras. Cada clima propõe um twist na luta, aumentando ou diminuindo o poder de certos golpes ou reduzindo o custo de spell cards. Durante a batalha há um timer mostrando o clima atual, um timer e uma rápida explicação do que ele faz. Assim que o timer acabar (geralmente começa em 100), o clima atual e seus efeitos desaparece, e um contador - dessa vez crescente - aparece com a indicação do próximo clima. Durante esse tempo - e apenas nesse tempo, ambos os jogadores podem interferir na previsão, aumentando a velocidade do timer ou mudando o próximo clima por completo. Quando o contador chega em 100, o próximo clima é ativado, e o ciclo recomeça. Vale ressaltar que o timer dos dois momentos são bem diferentes em velocidade, o do clima sendo bem mais devagar do que o da previsão. Pessoalmente, eu não gosto desse sistema tanto quanto o card system, mas eu acho uma adição divertida que acaba não possuindo tanto “peso” como o outro sistema, e produz uns momentos bem engraçados durante o combate. O que eu quero dizer com “não ter tanto peso” é que, embora existam mais de vinte climas, apenas uns dois ou três fazem algo bizarro e interessante, os outros mudam coisas pequenas e que às vezes alguém que não leva o jogo tão à sério nem nota. Muitas vezes os jogadores estão tão ocupados lutando que nem percebem a mudança do clima, quanto mais seus efeitos. Do outro lado da moeda, esses climas podem quebrar o clima da batalha e podem ser bem chatos de se lidar. Um dos climas, o Typhoon, te dá uma super armor permanente enquanto lhe tira seu escudo, o que sempre resulta nos jogadores se aproximarem e esmagarem o botão de melee, óbviamente um grande contraste com a luta a alguns segundos atrás onde os dois estavam tomando cuidado para desviar dos ataques do outro e pensar em um jeito de passar por sua barreira de projéteis. Ou o Mountain Vapor que tira um dos fatores mais divertidos do jogo escondendo e embaralhando as cartas na mão dos jogadores, o que força o jogador a esperar o clima acabar ou tentar a sorte com alguma carta. É muito frustrante quando você está guardando a sua mão para gastá-la com um spell card de custo alto e acaba usando a carta errada. Uma opção de desativar certos climas iria acabar com esses problemas, mas não está presente no jogo, nem mesmo uma para desligar esse sistema como um todo.
Entretanto, gosto de dar crédito onde crédito é merecido. O sistema de weather balança, intencionalmente ou não, alguns padrões de fighters que nenhum jogo pensou em mudar, um bom exemplo disso é o ato de dar tech quando derrubado. Pra quem não conhece o conceito, um tech é usado quando você é derrubado por qualquer tipo de golpe em games de luta, apertando um botão ou direção específica você “cancela” o período onde o seu personagem fica caído no chão, o que no geral te deixa menos vulnerável à combos. Por sua facilidade de executar e sem nenhum “custo”, é padrão em jogos de luta que os jogadores sempre usam o tech quando necessário, especialmente em um nível de habilidade mais alto. Isso é diferente em Hisoutensoku, pois toda vez que você não dá tech, o clima muda. Combinando isso com o fato de que a ordem dos climas não é aleatória, isso faz com que não dar tech seja uma estratégia viável, pois pode resultar na mudança de um clima indesejado ou para ativar o clima que você quer. Outra ação que influencia o clima são as spellcards, toda vez que são usados antes de um clima ser ativado, ele muda para o próximo clima, o que também dá mais uma camada de profundidade e micromanagement na hora de usar um especial, e também une as duas maiores mecânicas do game de um jeito satisfatório.

Por trás do estilo anime de arte e resolução baixa esconde um fighter extremamente incomum com mecânicas surpreendentemente profundas e, o mais importante, me garantiu horas de diversão com meus amigos. Se você consegue olhar por cima desses defeitos citados, e tiver um ou dois amigos que animam jogar com você e um controle sobrando, eu recomendo que pelo menos tente o jogo.

Reviewed on Nov 03, 2020


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