Durante meses fiquei pensando em como criar uma análise para esse jogo, pois apesar de não ser o meu favorito da franquia, Syberia é um clássico valioso, e sendo sincera, ainda acho que essa análise não chega ao que deveria ser, principalmente pela minha dificuldade em transmitir sentimentos pelas palavras, mas tudo começa com certa dificuldade não é mesmo?

Comecei minha aventura em jogos digitais ainda bem jovem e por isso sempre preferi jogos que tivessem possibilidades de controle direto como FPS, RPG e MMORPG, por algum motivo que não consigo recordar eu acreditei por vários anos que jogos point and click eram o fundo do poço para qualquer um, pois qual era a graça de ficar procurando pistas e outras coisas enquanto me apresentam só uma história? Na verdade, poderia resumir minha opinião com uma das discussões recentes na internet: “Como gameplay consegue sustentar um enredo ruim, mas um enredo bom não consegue sustentar uma gameplay?”

Pode parecer besteira para os mais antigos, contudo muitos acreditavam e ainda acreditam nisso. Hoje consigo perceber que isso é inocência e burrice, pois no fim das contas o que vale é a consideração de cada um, mas gostaria de ter feito algum comentário na internet durante o auge desses meus pensamentos em relação a isso, pois em minha opinião é muito importante reconhecer erros e observar mudanças ao longo do tempo, mesmo sendo algo bem recente.

Conheci Syberia através da DEMO de The World Before e decidi comprar e esperar o lançamento mesmo sem ter jogado qualquer coisa da franquia. Encarei isso como um desafio para zerar todos os jogos antes do lançamento de TWB e confesso que por vários momentos pensei em desistir, mas sempre fui bastante competitiva então continuei e ainda bem que não desisti.

Benoît Sokal foi um gênio e espero que ele tenha sentido muito orgulho do que construiu, podemos dizer que ele marcou e revolucionou muitas coisas, uma pena não existir reconhecimento suficiente. Mas assim como Mendel, existem pessoas que só se tornam valiosas após a morte e ainda acredito que algum dia desse nosso instável universo, as obras desse homem ainda serão consideradas um clássico revolucionário. Pensar sobre a morte de Sokal ainda me deixa triste, pois gostaria de ter conhecido mais do trabalho dele em vida, mas o mundo não é fácil e por isso espero de coração que ele tenha muita paz no descanso eterno.

A ideia inicial da franquia vem da possibilidade de um mundo influenciado por uma família bastante proeminente na indústria, que ao invés de criar máquinas optou por criar automatons e isso mudou grande parte da história. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, esse mercado passou a olhar para essas invenções como desperdício e antiguidade, o que culminou na falência da empresa Voralberg.

É aqui que nossa protagonista Kate Walker entra em destaque, formada em advocacia ela tem como objetivo finalizar a venda da empresa para uma fábrica de brinquedos e teoricamente, tudo seria bem rápido. A obrigação da Kate era só mandar a antiga dona assinar a documentação e voltar para casa onde um noivo, mãe e amiga a esperavam. Porém, como sabemos, nem tudo é como desejamos e rapidamente ela se encontra em uma gigante teia com tempo determinado para colapsar.

O principal motivo desse colapso tem relação com a antiga dona, Anna Voralberg que faleceu poucos dias antes da chegada da Walker, e que por algum motivo, tinha um irmão mais novo morto que agora estava supostamente vivo. Com isso, Kate tinha um novo objetivo: achar Hans Voralberg e finalizar a venda da empresa.

Quando falamos em protagonista feminina de impacto, muitos pensam em personagens heroínas, aquelas que lutam contra tudo e todos, mas Kate Walker é diferente de todas que eu já vi (e olha que grande parte dos meus jogos são protagonistas mulheres). Não jogue Syberia acreditando estar com uma heroína, vilã, donzela em perigo ou qualquer coisa desse tipo, pois Kate é apenas uma pessoa entrando em um mundo absurdamente desconhecido, e diferente dos clichês, não existe um motivo cósmico ou especial que a fez ir atrás disso, na realidade tudo o que temos é uma trabalhadora que necessita sobreviver, assim como você e eu. Kate não foi ao lugar errado na hora errada, ela só fez o que o chefe pediu e, talvez, essa escolha de caracterização tenha feito a personagem ser tão icônica para quem já jogou.

A exploração e puzzles podem ser bem confusos no início, principalmente com a influência da falta de desenvolvimento para sistemas mais recentes. Contudo, a forma como Sokal introduziu toda a franquia foi tão meticulosamente cuidadosa e impressionante que vale a pena quebrar um pouco a cabeça e aguentar a resolução horrível.

Como já era de se esperar, sua ambientação e soundtrack se casam muito bem, passando a sensação de realmente estar em locais antigos e ricos em história. É incrível como conseguiram passar a idade, cultura e o tempo de cada ambiente, o que chega a ser absurdo quando paramos para pensar em quantos locais a família Voralberg se infiltrou e estabeleceu um mundo promissor.

Os personagens ao redor também não deixam a desejar, principalmente Oscar, o automaton amigo da Kate. É incrível como esse personagem me cativou, toda vez que lembro dele é como lembrar de um melhor amigo, alguém que eu gostaria de realmente ter ao lado em momentos felizes e tristes.

A relação da Kate com o Oscar é como o de duas crianças se conhecendo, a inocência e pureza de Oscar em relação as coisas humanas e a falta de compreendimento da Kate em relação ao mundo industrial criam um clima tão agradável que chega a ser triste pensar que esses dois não existem. Um outro ponto essencial na relação vem da devoção que ambos têm um pelo outro, não estou dizendo isso de forma romântica (e nunca vou querer) mas da amizade e dependência, pois durante toda a aventura a única certeza que ambos possuem é que eles estão juntos nisso tudo.

Na minha visão, Oscar e os puzzles representam o mundo desconhecido de Syberia, eles são a ponte de ligação entre nosso mundo e algo perdido, já Kate é uma representação nossa, nós somos Kate Walker durante os momentos de dúvidas, pesquisa e demonstração.

Uma coisa que amei em relação a tudo isso foi observar como a protagonista tem uma ligação fervorosa entre os “dois mundos”, o primeiro com Oscar e toda a tecnologia antiga e o segundo com sua mãe, amiga e noivo. É muito interessante como pouco a pouco a Kate vai percebendo que existem problemas no nosso mundo, e em como as vezes tudo o que precisamos é de um pouco de coragem para sair das repetições e alcançar o início de uma aventura.

Para mim, Syberia representa a nossa infância e como gostaríamos de ter coisas absurdas para presenciar, é como olhar para os meus sonhos e pensar em como gostaria de voltar para aquela época, mas ao mesmo tempo também representa o lado adulto da vida e em como temos várias coisas incríveis ao nosso redor que ignoramos por falta de interesse.

Falar dessa franquia nunca vai deixar de me emocionar, principalmente por ter me observado por vários momentos na protagonista. Algumas vezes a sensação foi tão forte que eu tive que parar e pensar nas decisões da minha vida, pois queria ser corajosa e louca igual a Walker, mas o medo da instabilidade ainda me rodeia e, por isso, espero algum dia conseguir tomar coragem necessária e quebrar essas amarras, espero conseguir olhar para o meu passado e encontrar um pouco do meu futuro.

Reviewed on Nov 13, 2022


3 Comments


1 year ago

"Acho que essa análise não chega ao que deveria ser" disse você no início da melhor análise sua que já li aqui no Backloggd. Com folga.

1 year ago

@CDX Pra mim essa franquia entra no grupo de coisas que a gente ama, mas não consegue descrever sabe? São tantas coisas para falar, mas tão pouco espaço.
Sem falar que mudar a opinião de alguém ou aceitar que estávamos errados não é fácil, mas me orgulho bastante de dizer que errei em relação aos jogos point and click

1 year ago

Tou ligado, eu sou assim com meus jogos favoritos também. =P