Pathologic 2 não é um jogo.

É um dos casos raros em que uma mídia transcende sua definição. Pathologic 2 veste a máscara pra oferecer uma experiência que vai muito mais além do que contar uma história, possuir uma ótima trilha ou um gameplay divertido. É uma obra sobre o ser humano, sobre a vida, sobre cultura e humanidade, e é simplesmente genial como ele faz isso sem se ater às amarras de um conceito.

Tudo começa já no final. 12 dias se passaram. A peste venceu. Você é Artemy Burakh, cirurgião da cidade grande, e que agora vê a cidade interiorana em que você nasceu caindo em caos e sangue. Pessoas correndo, desesperadas, gritando de dor, morrendo. Soldados evacuando, atirando, queimando corpos remanescentes. Você falhou, novamente. Até que perante você aparece uma figura misteriosa, o condutor da peça, que te oferece uma nova chance de você conseguir ser um bom ator e conseguir desempenhar bem o seu papel. Voltamos para 12 dias atrás, quando recebes uma carta de seu pai que nos alerta que uma grande provação está por vir.

A Ice Pick Lodge conseguiu em Pathologic 2 montar uma estrutura focada em maximizar a imersão do jogador. Para tal, vou dividir e focar minha análise nesses pilares que juntos criam um efeito que envolve ativamente o jogador em uma rotação de experiências magníficas.

A quebra da quarta parede.
Pathologic usa da teatralidade como uma forma de conversar diretamente com o jogador, figuras misteriosas que apenas você pode ver explicam e fornecem comentários sobre as mecânicas e o que está acontecendo, um tutorial sem ter que se titular de tutorial, um artifício narrativo sem ser elemento direto da história. Como dito, sua participação aqui é a de um ator no palco e os eventos que acontecem são refletidos em como o teatro e a peça está sendo conduzida. E não demora para você perceber que os outros fatores imersivos também estão fazendo isso.

A jogabilidade e a ''dificuldade''.
Tudo gira em quão bom Artemy Burakh você será. Mas você é apenas um humano, limitado, preso ao tempo. Como médico, você é ótimo em criar antídotos e soros assim como realizar cirurgias, mas você não tem recursos, você é lento, péssimo em combate e que precisará não só salvar pessoas, mas como a si mesmo. A vida é difícil e Pathologic quer te forçar a entender isso, como lidar com um dilema moral e salvar as pessoas enquanto sua barra de fome vai ficando vermelha, você está perdendo vida por infecção e ainda está morto de sede? Você é um médico, mas não tem controle sob o tempo e muito menos sob a morte.

A escrita e as suas escolhas.
Pathologic apresenta uma trama complexa que aborda diversos temas e uma das magias é você ir descobrindo. Enquanto você não tiver sobrevivendo, você está conversando com os habitantes na cidade, e cada personagem aqui é único com personalidade e background próprio. Cada linha de texto é escrito com próposito de ser e não está lá a toa. Como dito, o tempo é limitado, então nem todos os personagens você terá muito tempo de interação e muito menos você conseguirá resolver todas as quests ou presenciar todos os eventos. Muita coisa ficará pra trás, muitas coisas acontecem da noite pro dia sem você nem perceber, o mundo está vivo e está acontencendo você queira ou não, afinal você que tem que girar de acordo com esse universo e não ao contrário.

Os videogames simplesmente não são capazes, pelo menos ainda, de criar experiências totalmente mescladas com a realidade. É comum aparecer muitos jogos que te oferecem escolhas mas que muitas delas não importam de fato ou que apenas alternam entre finais ou cenas diferentes, mas aqui você é posto a prova inúmeras vezes ao longo da história com situações difíceis que é preciso fazer uma escolha, e ao tentar ser contrário à maioria, aqui você não escolhe entre opções pré-determinadas, mas sim você pensa, cria e decide dentro de conflitos internos como ser humano e é de uma forma tão natural que seja a ser quase imperceptível. Afinal, devo atuar conforme a peça ou fazer o que eu acho correto? Essas escolhas definem quem eu sou ou define o Artemy Burakh?

A cidade.
É incrível como uma equipe pequena mas extremamente talentosa conseguiu fazer Pathologic 2. Além da escrita, é um grau de qualidade sonora e artística absurda e rara de se ver até em triple A. Tudo pra construir uma cidade extremamente crível e realista, que se transforma ao longos do dias perante a infeção.

Conclusão.
Após ler até aqui, Pathologic 2 está com 69 no Metacritic. Você como leitor e um possível comprador, deve ser estranho ler isso, em uma análise que só falei bem do jogo e se me conhece sabe que não costumo passar pano na hora de escrever. A grande real é que Pathologic vai de contra tudo aquilo que torna um jogo bom: não é divertido, é frustante, não tem gráficos maravilhosos e muito menos uma gameplay deliciosa. Ao longo do meu texto aqui, não me refiro ao Pathologic como um jogo em momento algum, porque ele é algo que incomoda, te tira da zona de conforto e é abominável para a maioria das pessoas, imagino que seja difícil para elas encarar a vida como realmente é e que jogos podem ser sim muito além do que escape da realidade, elas podem ser a própria. Eu poderia me adentrar muito mais a fundo nessa discussão, mas não é o caso. Resumindo: Não se deixem levar por notas ou por mainstream, vocês acabam deixando muita coisa extremamente legal passar por aí. Pathologic 2 não é um jogo, é uma peça teatral, e nem todos estão prontos para ela.

Reviewed on Feb 18, 2024


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