Intrigante. Em alguns aspectos me faz lembrar de "Um Homem Com Uma Câmera", clássico do cinema de Dziga Vertov.

Vertov era um raro tipo de gênio que só surge uma vez em cada geração: um cara extremamente pretensioso que tinha talento o suficiente para transformar suas pretensões em realidade. Através do cinema ele pretendia elaborar o conceito do "Kino-Glaz", que pode ser traduzido como "cine-olho" ou "kino-olho". Mais do que um instrumento de captura da realidade, a câmera funcionaria como o terceiro olho do homem, permitindo, através da recriação de imagens em movimento interligadas, ver coisas que nossos olhos naturais não seriam capazes de ver. Mas a manifestação desse "kino-olho" através do cinema só seria possível se esse meio artístico fosse destilado e purificado. Apenas quando o cinema deixa-se de se escorar em outras formas de comunicação mais tradicionais como teatro ou literatura e criasse uma linguagem própria é que ele nos permitiria vislumbrar essa realidade alterada. O aviso que precede "Um Homem Com Uma Câmera" deixam claros os intentos de Vertov: "Esse filme é um experimento em comunicação cinemática de eventos reais. Sem a ajuda de intertítulos. Sem a ajuda de uma história. Sem a ajuda de teatro. Esse trabalho experimental almeja criar uma verdadeira linguagem internacional do cinema baseado em sua absoluta separação da linguagem do teatro e literatura." A conclusão a que Vertov chegou e que sua magnum opus demonstra com eloquência é que o cinema, em sua forma mais pura, é a seleção, manipulação e mistura de imagens em movimento. Diálogos, atuação, trilha sonora, enredo... Todas essas outras coisas são absolutamente desnecessárias para se fazer um filme.

Passados 93 anos, a pergunta que muitas artistas se fazem não é mais "qual a linguagem própria do cinema?", e sim "qual a linguagem própria dos videogames?" - pergunta em partes motivada pelo curioso fato de que, assim como o cinema de outrora parecia se escorar bastante nas artes cênicas, os jogos eletrônicos de hoje em dia pegam bastante emprestado do próprio cinema, com muitos sendo literalmente vendidos como "cinematográficos". A resposta a que Brendon Chung chegou parece ser "controle": games em sua forma mais pura são espaços audiovisuais em que o jogador tem o controle de ir e vir. É usando ao máximo esse elemento que Thirthy Flights of Loving tenta contar sua narrativa, dispensando inteiramente diálogos e logs em texto ou áudio e fazendo uso negligenciável de cutscenes ou seções em que o jogador não tem controle algum.

Brendon Chung não é nenhum Dziga Vertov dos games, então apesar de suas intenções louváveis, o impacto e qualidade de sua obra são limitados. Mas, por outro lado, é injustiça culpar alguém por não ser tão talentoso quanto Dziga Vertov. Apesar de suas limitações, Thirty Flights of Loving ainda é uma obra intrigante e que merece atenção.

Reviewed on Jan 22, 2022


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