Com um pé na fidelidade do survival horror dos anos 90 e outro na apresentação e gameplay que a a modernidade pode oferecer, Resident Evil 2 permanece firme como uma reimaginação muito interessante e refinada que oferece uma experiência incrível, em seus aspectos de frustração e de satisfação.

----------------------------------------------------------------

RE2 E A QUESTÃO DOS REMAKES:

Sendo um Remake, apesar de (infelizmente) não levar isso em seu título, RE2 é indissociável de seu material fonte de 1998. Tal relação nos leva a pensar, Resident Evil 2 (1998) realmente precisava de um remake? E remakes são feitos de acordo com a "necessidade" de modernizar a obra à padrões tecnológicos atuais, uma forma de te vender o mesmo jogo novamente, uma homenagem ao original ou uma tentativa cínica de substituição?

A resposta para as perguntas acima são: Depende

Remakes atualmente são uma demanda do mercado e podem significar falência criativa da indústria, remakes despertam nostalgia e saudosismo, remakes são estranhos como produto e também como obras de arte. Mas o mais importante, o que é um bom remake e RE2 é um deles?

Na minha opinião, um bom remake é aquele que apresenta uma experiência artística diferente da original, respeitando a sua obra base construindo algo novo e adicionando a partir dela. Compartilhando os mesmos temas e aspectos que vivem no núcleo da obra original, assim a reconhecendo artisticamente e não tentando substituí-la, mas sim à trazer de volta para o zeitgeist atual num processo que engrandece simultâneamente o remake e a obra base fazendo-os coexistirem.

A partir dessa visão, Resident Evil 2 consegue com êxito se equilibrar em uma posição de saudável e até mesmo de prestígio dentro do espectro de remakes e também como um jogo por si só que ao clássico de 98. Um esforço muito bem dirigido que entende seu papel e nos permite experimentar um dos expoentes mais sofisticados do Survival Horror.
-----------------------------------------------------------------

O HORROR, A SOBREVIVÊNCIA E A ANSIEDADE:

Os muitos encontros com zumbis e outras criaturas em corredores apertados são um boom de adrenalina, cada bala tem seu impacto satisfatório e cada monstro derrotado é uma pequena vitória. Mas é nos intervalos entre as lutas e os sustos que o verdadeiro horror de Resident Evil e esse horror é algo que RE2 acerta em cheio na sua implementação. O desespero ao ver que você não tem muita munição ou itens de cura, a ansiedade do racionamento de inventário e munições, a constante insegurança e o sentimento de "não sei se tenho recursos o bastante para conseguir me defender" são coisas que constantemente passavam pela minha cabeça durante minhas 19 horas em Racoon City.

Um fator que contribui imensamente para a manutenção desse horror é a incrível atmosfera do jogo. A apresentação de Resident Evil 2 é simplesmente sublime, desde seu senso estético até seu trabalho sonoro, cada corredor com arquitetura neogótica coberto de sangue e cada ruído esquisito que pode ser ouvido pelas paredes passam uma sensação constante de perigo, especialmente nas horas iniciais de jogo.

A câmera em terceira pessoa "over the shoulder" também apresenta cenários estéticos e de gameplay muito interessantes e únicos se comparada com os ângulos de câmera fixos de RE2(1998). Não são poucas as situações em que não saber exatamente aquilo que está acontecendo por trás de suas costas é simplesmente desesperador, especialmente nos momentos em algo (maldito MR. X) está te perseguindo. Além de que a câmera mais próxima do personagem permite setpieces um pouco mais impactantes, na minha opinião.
-------------------------------------------------------------------

SE TORNAR O PREDADOR OU MORRER TENTANDO:

A curva natural de qualquer survivor horror é começar fraco e indefeso, aprender e se adaptar, então se tornar o predador daquilo que antes te caçava. Em aspectos mecânicos e de balanceamento, RE2 atinge essa curva de maneira satisfatória, mas com alguns leves tropeços. Na primeira run, independente do personagem, o balanceamento é ao mesmo tempo justo e desafiador, seguindo de forma magistral a curva tradicional do gênero, onde você lentamente escala seu poder com conhecimento do mapa e aquisição de ferramentas de combate mais potentes.

Essa sensação de um equilíbrio perfeito entre desafio e satisfação parece se quebrar na segunda run, onde o aspecto de novidade das situações já não é mais tão efetivo e a aparição prematura do MR. X, um tanque de guerra indestrutível em forma de mutante de dois metros que te persegue incansavelmente, é muito mais um inconveniente chato do que realmente uma experiência aterrorizante. Além de um certo dumping de recursos no final do jogo que são praticamente inúteis no momento em que são disponibilizados para o jogador e só parece uma decisão de balanceamento sem muito planejamento.

É importante pontuar que, apesar de um fã de longa data da série e alguém que jogou algumas vezes o RE2 original, eu estou longe de ser alguém particularmente interessado em rejogar o jogo muitas vezes, otimizar e decorar as rotas e cenários. Esse jogo tem um teto de habilidade alto e formas de "dominar" ele que não são fatores nesse meu comentário.
-----------------------------------------------------------------

UMA LONGA NOITE, POR MUITAS PERSPECTIVAS:

A história e narrativa de Resident Evil 2 são aspectos interessantes da obra, mas que agem quase que de segundo plano à gameplay e atmosfera. Leon e Claire são personagens carismáticos, mas muito por suas jornadas para além desse jogo em específico, as reais estrelas do show neste jogo são os personagens principais e suas tramas paralelas. Ada Wong, Annette Birkin e chefe Irons são atuações que na minha opinião se sobressaem e entregam papéis com mais nuance e qualidade do que do jogo original.

RE2 é um jogo que não diz muito tematicamente, é um jogo muito sobre a capacidade humana de sobreviver a situações adversas com uma pitada de tempero de crítica à corrupção de instituições governamentais causada por intervenções e interesses de corporações, mas nada tão explorado assim. De forma geral, a história de Resident Evil 2 é satisfatória e se apresenta como a ponta de um iceberg muito maior, efetivamente cumprindo seu papel dentro da franquia.

Apesar da simplicidade INTENCIONAL da história, o charme dos diálogos de filme de terror de qualidade duvidosa e como cada peça de do quebra-cabeça vai se revelando é bem agradável. Existe dois momentos no jogo, ambos envolvendo crianças, que realmente são emocionalmente impactantes e até mesmo marcantes, ótimas surpresas.
-----------------------------------------------------------------

Resident Evil 2 é um sucesso como Remake, como jogo e como experiência. Sua apresentação é de cair o queixo, sua atmosfera é intrigante e opressiva e sua gameplay é de um nível técnico muito arrojado em seu gênero e até mesmo na indústria como um geral. Um projeto que entende o impacto e alma do jogo original e constrói encima disso, fugindo da sombra do seu material base e coexistindo perfeitamente com ele, RE2 é um clássico moderno do survival horror e título obrigatório para fãs do gênero ou da franquia.










Reviewed on Apr 03, 2024


Comments