Vampyr, o terceiro título da Don’t Nod, produtora de grandes obras como Life is Strange e Tell me Why. A obra apresenta a temática de “escolhas importam” tão característico da desenvolvedora que aborda essa ideia em quase todos seus jogos, como novidade a empresa acaba por trazer uma proposta de combate Action, o que surpreende pela saída da zona de conforto usual da Don’t Nod.

A obra propõe uma aventura protagonizada por Jonathan Reid, um famoso cirurgião britânico que acaba de retornar da guerra após servir seu país como médico de guerra durante a primeira guerra mundial em 1918, após seu retorno ele é transformado em vampiro e acorda em um vala comum, já que Londres passa por uma epidemia, a partir daí começa todo desenrolar da história, com o entender e aceitar de sua nova condição, tentar descobrir quem o deixou dessa forma, e por fim buscar vingança. Além do gênero de aventura é proposto um combate action junto a elementos de RPG, e ainda aparecendo o elemento das decisões que é característico da desenvolvedora.

A temática clássica de vampiros é apresentada em Vampyr com as devidas adaptações para servir diretamente a proposta do enredo. A cria vampírica é substituída pelos Skals, a forma como os humanos se transformam em vampiros é apresentada como incerta, e todo os poderes de vampiros são reduzidos a 3 grupos, poderes físicos, de sangue e sombra, além da ideia de controle mental. As adaptações são entendidas até por conta da temática vampírica ser uma ficção e não haver regras de funcionamento ou cânones, porém é claramente reduzido todo o complexo dos poderes vampíricos que estão presentes em diferentes obras literárias, cinematográficas e diversos games. É entendível essa não abrangência de diversos poderes, até porque o foco da história está mais para o storytelling do que o combate.

O storytelling da obra é interessante, este é bem cadenciado e nenhum acontecimento é forçado, a progressão é suave e sem cortes abruptos. O plot twist é bem construído, tanto que é quase impossível a sua antecipação, não há muitos vestígios do que viria a acontecer. A história principal é direta e não depende da progressão das histórias secundárias e de todo o composto de conhecer e interagir com os diversos npcs dos 4 diferentes locais da cidade. As histórias secundárias são até certo ponto interessantes e recompensam diretamente o jogador, não importando o tipo de caminho que o jogador escolheu, seja o assassino ou o pacifista.

Um ponto importante em toda história de vampiro é a relação do descobrimento e aceitação da nova condição do neófito, descobrir sobre a sede insaciável que agora o assola, a necessidade incontrolável de se alimentar, as fraquezas que agora são demasiadas, lidar com a imortalidade e aceitar a besta que vive dentro de cada vampiro. A obra tem problemas ao trabalhar essa parte da condição vampírica, Reid está mais preocupado com tudo que o cerca, os problemas, e não se foca em quase nenhum momento em descobrir e aceitar mais sobre si mesmo, e ainda, isto não é expressado de nenhuma forma na jogabilidade.

As relações com os personagens secundários são diversas e interessantes, é divertido toda a conversa e procura de pistas para entender mais sobre as peculiaridades de cada um desses. Essa interação acaba por gerar proximidade com esses npcs tornando mais difícil a decisão de hipnotizar e abraçar determinadas pessoas ou não, acaba por ser um elemento importante até na construção da atmosfera de um vampiro recém transformado que tem que lutar contra seus instintos.

Em histórias de vampiros a idade é um ponto crucial em questão do nível de poder dos imortais. Os mais antigos estão em linhagens mais antigas com sangues mais “fortes” pois estão hierarquicamente mais próximo ao primeiro vampiro de todos, ainda tem o fator da idade como experiência em entender e ter proficiência nos poderes vampíricos. Logo a obra de alguma forma tem que resolver o problema da fraqueza inicial do neófito, é preciso ficar mais forte e se aproximar da força dos antigos para lutar contra esses, para isso o sistema de RPG se encaixa perfeitamente, toda a ideia de experiência ao realizar missões, conhecimento e combate servem para dar sentido a esse aspecto.

O maior problema do jogo é o favorecimento demasiado ao jogador que como vampiro cede aos seus desejos e abraça os npcs dos diferentes territórios, é claramente posto que caso o jogador sinta dificuldade o caminho simples é consumir o sangue dos personagens secundários, o ponto positivo é que dessa forma é apresentado uma luta contra o instinto matador do vampiro, o que é interessante, o ponto negativo é que esse artifício se torna quase obrigatório ao longo da obra, pois há um problema de game design onde ao realizar as missões principais e avançar na história os inimigos do mundo aberto ficam cada vez mais fortes chegando em determinados pontos onde os inimigos estão 9 níveis na frente do jogador caso esse escolha ser uma pacifista e não “recorrer ao caminho mais fácil”, para diminuir essa diferença o artifício de abraçar os npcs se faz quase obrigatoriamente necessário, a obra acaba por influenciar certas escolhas de matar ou não matar que vão inclusive influenciar no desfecho final da história.

Sobre a construção da personagem principal e da história, é impressionante como são bem trabalhados para criar um contexto onde todos os pontos apresentados façam sentido e um corrobore o outro. Reid, um cirurgião especializado em hematologia que vira um vampiro, um veterano de guerra que sabe como lutar e agora tem os poderes vampíricos para potencializar suas capacidades físicas ainda mais, e que deve tratar de uma epidemia em Londres que supostamente tem ligações com a onda de vampirismo crescente. E em ligação com a jogabilidade tem a necessidade de produção de remédios e medicação dos diferentes npcs que ficam doentes das mais diferentes doenças, e aí entra todo o aspecto de manter a cidade saudável e manter vivos os habitantes.

A ideia de que “decisões importam” é muito pontual e tem poucos efeitos práticos, apesar de serem impactantes. Não há quase nenhuma diferença em deixar vivo ou morto o pilar de cada um dos territórios, até porque ao longo da história o jogador obrigatoriamente terá que decidir o destino de cada um dos 4. As decisões que importam estão mais ligadas em matar ou não matar os outros npcs, já que o jogo apresenta 4 finais, um para o jogador que não mata ninguém, um para o que mata alguns, outro para o que mata bastante e colapsa pelo menos 1 território e o último para o que mata demasiadamente. É possível acreditar ao longo do jogo que as pequenas decisões do jogador fariam diferença no final, mas este é um engano, são bastante pontuais as decisões que realmente importam para a história como um todo.

Um ponto negativo que não pode ser deixado de ser citado é um certa forçação exagerada de uma relação entre a lady Ashburry e Reid, a construção de amizade transforma-se em um aspecto amoroso do nada, um ponto destoante e até certo ponto estranho considerando todo o decorrer da obra.

A ambientação é uma das melhores partes da obra, a cidade de Londres com suas chuvas quase infinitas, os ambientes são bem diferenciados e apresentam características únicas. O bloqueio de determinadas regiões com portões não é a ideal, é preferível um mapa aberto que apresente outras barreiras para o jogador, retirar a liberdade de decisão do jogador é uma decisão ruim.

Em relação ao combate ele é bem simplificado, tendo armas de mãos primárias e secundárias, 5 habilidades na barra de ação e 2 slots para poções, nada de extravagante e inovador, a restrição ao básico é clara. A movimentação é ruim, travada, desviar de certas habilidades é complicado e o travar/destravar da câmera poderia ser melhor trabalhado.

Esteticamente a obra apresenta um realismo um tanto ruim, os personagens quando estáticos são bem feitos e detalhados mas a movimentação estraga todo o complexo desses, é algo feio e mal feito. Um trabalho mais dedicado nesse ponto não seria pedir demais.

Concluindo, Vampyr apresenta a temática de vampiro junto com todo o drama que essa carrega naturalmente, para aumentar esse sentimento a Don’t Nod adiciona sua expertise em construção de um bom storytelling recheado de drama, trazendo uma história principal e seus meandros de forma excepcional. O problema é que a obra se propõe a mais que isso, a exploração da temática de vampiro traz uma necessidade de lidar consigo mesmo e a sua nova condição, resolver o problema de Londres toma excessivamente espaço do problema pessoal, era necessário moderação nesse ponto. E ainda pior, são todos esses aspectos citados ligados a uma jogabilidade estéril que se contenta com pouco e é muito primitiva, apresentando quase nada de um verdadeiro vampiro. O que se pode dizer por fim é que os pontos positivos se destacam muito positivamente e os negativos se destacam muito negativamente, quase como um cabo de guerra que por fim deixa a obra na mediocridade.

Reviewed on Oct 14, 2023


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