Enquanto um jogo do gênero rouguelite Curse of the Dead Gods apresenta uma unidade sutil dos elementos que compõem a obra, porém com uma conclusão que serve demasiadamente à jogabilidade, e quase nada ao enredo.

O enredo de Curse of the Dead Gods discursa sobre um aventureiro chamado Caradog McCallister explorando o templo do deus da morte, dentro desse ambiente há três deuses aprisionados pelo deus da morte Xbeltz'aloc, os deuses são: T'amok’, o deus jaguar da guerra e do fogo terrestre, Yaatz a deusa águia do céu e da tempestade de fogo e Sich'al a deusa serpente da visão divina e da percepção. O objetivo do jogo é destruir o próprio deus e conquistar esse templo.

Este enredo não é explicitado logo de cara, são poucas informações e elas são dadas ao longo do jogo quando o jogador consegue desbloquear as páginas do bestiário. As páginas têm informações limitadas e são geralmente trechos de história perdidas e sem muitas conexões. Fica claro que a história está em segundo plano no jogo, ela não é cerne da obra, porém essa forma como ela é posta, sempre em fragmentos, e meio dispersas faz sentido com a proposta do jogo, o personagem é um explorador, as informações devem ser garimpadas e descobertas aos poucos e nada é claro e conciso. É uma sacada bem interessante que ao deixar de lado esse lado do enredo ainda compõem uma unidade com a proposta da obra.

Para entender o enredo há um certo esforço do jogador ao compor os pedaços de história soltos e isso gera a imersão com esse personagem explorador. O interessante é que esse personagem não possui falas, isso o torna distante do jogador, não é nada intimista. Talvez isso funcione com a ideia de o jogador, ao morrer, ressuscitar no começo do templo, a morte da personagem é banal pela distância que é criada entre ela e o jogador, que se inicia na falta de um nome para a personagem.

O Rouguelite enquanto gênero recebe diversas características do roguelike mas adiciona algumas ideias próprias, a proposta do hack slash, e a dos itens permanentes, apesar da clássica morte permanente. Curse of the Dead Gods apresentado esse gênero que a grosso modo se importa bem mais com as mecânicas e com os desafios do que com a história, obtém certo êxito nesse quesito menos importante, pois a obra utiliza a história para corroborar as mecânicas clássicas do gênero.

Pensando na mecânica de ressurreição, ela tem sua base no próprio deus da morte que brinca sadicamente ressuscitando o jogador infinitas vezes para que ele tente novamente completar o templo, logo essa mecânica da ressurreição, do repetimento constante do caminho para tentar superá-lo que é uma ideia básica do rouguelite é corroborada pela história do jogo.

Outro ponto que a mecânica tem ligação com a história é nos atributos: constituição, destreza e percepção, cada um ligado a uma cor e a um deus. A constituição ao deus jaguar e a cor vermelha, a destreza a deusa águia e a cor azul e a percepção a deusa serpente e a cor verde. Além disso as bênçãos também estão ligadas ao deuses seguindo as ideias de cores, as bênçãos vermelhas ao deus jaguar, as azuis a deusa águia e as verdes a deusa serpente. Como na história esses deuses estão aprisionados pelo deus da morte, faz sentido ele ajudar o jogador a superar os templos, matar o deus da morte e assim eles poderem ser libertos. Novamente a história, servindo a mecânica do jogo.

Não é somente a história que trabalha para as mecânicas do jogo fazerem sentido dentro do contexto da obra, a ambientação também faz parte disso. O templo, um lugar sombrio, repleto de monstros que já foi desafiado por vários outros aventureiros, esse ambiente por ser um templo e estar ligado ao divino, deverá ter relíquias com poderes sagrados e por ser explorado incontáveis vezes por diversos exploradores deverá ter diversas armas utilizadas que foram abandonadas pelo caminho durante a exploração, além disso como uma ambiente dominado pelo deus da morte, a iluminação é necessária como uma antagonista básica a personificação da ideia da morte: escura, fria e traiçoeira, diferente do fogo que é luz, quente e confortável. Com essas ideias é introduzido diferentes mecânicas que fazem parte do jogo, o próprio ambiente dá sentido às mecânicas disponibilizadas.

As mecânicas são a base de todo roguelite, são elas que são o ponto chave, o cerne, o verdadeiro protagonista da obra. Dito isso, ao analisá-las ela propõem um conjunto grande de influências em cima do gameplay base do hack slash, do desvio, e do bloqueio, utilizando iluminação, armas, atributos, corrupção, bênçãos, favores divinos e relíquias. Essas influências advém de diferentes lugares, como já citado antes. As diferentes mecânicas que compõem o jogo em um primeiro momento parecem extremamente complexas e vão se tornando de fácil entendimento ao longo do tempo, porém esses afloramentos que influenciam na gameplay base, mascaram um problema crônico do jogo, a simplicidade dessa mesma gameplay base. Essa simplicidade é um fator que pode destruir a experiência ao jogar um roguelite.

O roguelite enquanto jogo, tem como pontos essenciais os desafios e a superação, quando se trata da experiência do jogador, isso que o torna emocionante, a sensação de superação, de conquista, e quanto mais difícil é o jogo mais gratificante é essa sensação. Claro, os desenvolvedores têm que ter em mente os limites de dificuldade que eles mesmos propõem para não desestimular os jogadores com fracassos constantes. A linha é tênue porém ela precisa ser precisa, esse é o ponto chave de uma obra desse estilo.

Os inimigos apresentados são simples mecanicamente, tantos os mobs normais quanto alguns bosses, sempre com ataque simples e muito fácil de se desviar, até alguns monstros para o final do jogo, como o dark avatar da serpente, o boss chega a ser ridículo de tão simples que é enfrentá-lo, até mesmo o boss final não é um grande desafio.

Além desse problema apresentado, tem um problema diretamente ligado à conclusão do jogo, ao enfrentar o campeão do deus da morte, o último boss do game, e zerar o jogo, pelo menos teoricamente, a cinematic para conclusão serve diretamente a mecânica, ao se matar ao invés de aceitar ser dominado pela máscara e assumir o posto do novo campeão o jogador volta ao começo ao começo do tempo. Isso serve diretamente a ideia mecânica de o jogador poder continuar fazendo as expedições e não simplesmente assumir a posição do novo campeão do deus da morte, porém, ao pensar nisso a solução para o impasse da história não existe, por que os deus continuarão ajudando o explorador se não há somente duas soluções e nenhuma salva eles? e ainda a falta da possibilidade de escolha no final gera uma sensação de obrigação ao permanecer nesse loop para sempre, há uma sensação de derrota, mesmo após a vitória, o problema é que essa derrota é imposta.

Esteticamente o jogo é bonito, o cartoon para lidar com temas sombrios permite uma surrealidade natural que é comum nos cartoons em geral, logo a escolha é assertiva. As linhas mais grossas dos desenhos torna tudo mais definido, e serve bem ao propósito mecânico da delimitação de espaço dos objetos, tornando mais fácil desviar dos ataques, skills e armadilhas do jogo.

Um detalhe legal é as próprios itens permanentes, a ideia da caveira de cristal, faz uma referência ao clássico indiana jones e casa com a ideia do explorador, e o anel de jade se liga a parte mística mais oriental e a cultura do jade como detentor de poderes místicos. Essas duas referências fazem bem a ideia da obra como um todo.

Concluindo, Curse of the Dead Gods, consegue ter uma unidade enquanto um obra com todos seus elementos funcionando em conjunto, apresentando esses elementos como um forte suporte para seu carro chefe, porém a obra se perde no cerne de sua proposta e empurra goela abaixo um final desgostoso que trabalha unicamente para a mecânica do jogo e não para a conclusão de uma obra.

Reviewed on Jun 17, 2023


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