Quando eu comprava jogos de PlayStation 2 em alguma banquinha suspeita por aí e ficava folheando repetidas vezes aquelas capinhas de plástico mole dentro de uma caixa de acrílico - ao ponto de irritar o dono da banquinha -, frequentemente me deparava com a capa de Ico.
A capa europeia/japonesa é uma obra de arte, uma pintura digna de ser colocada em um quadro e pendurada na parede. Por sua vez, capa americana é COLOSSALmente feia. Não vi um 3D tão esquisito nem em filmes da Vídeo Brinquedo. É muito aquém do que o jogo é, do que o jogo entrega. Qualquer print in-game seria mil vezes melhor. Essa capa é considerada como uma das mais feias da história e condenou o jogo a ter vendas fraquíssimas nos lugares que vendiam com ela. Nunca tive a sorte de ver a capa europeia/japonesa e, assim como muitos outros, julguei o jogo pela capa e nunca passei perto de Ico na vida.
Nem me culpo por me afastar e nunca ter dado chance ao jogo e, ao invés disso, ter preferido os mesmos GTAs San Andreas Modificados, o mesmo Resident Evil 4 e os dois God of War de sempre. Acabou que a versão HD de ps3 tirou aquela aberração, não fazendo os olhos de quem vê pela primeira vez sangrar, e colocou essa capa linda que sempre deveria ter sido a definitiva.

Minha primeira impressão, logo de cara, foi "WOW, o quão cativante o jogo é!". O visual dele, a atmosfera desse ambiente gigantesco tanto dentro quanto fora do castelo, com muito espaço aberto, conseguindo explorar razoavelmente tudo, deixa um ar bastante agradável. E isso vai até o fim, é raro ver um mapa e cenário tão bem-feitos assim.
Com poucas linhas de diálogo, já é possível engajar na trama e começar a se fazer perguntas: "Quem são aqueles cavaleiros cobertos de roupa? Que lugar é este que trouxeram o menino? Por que trazem para cá crianças que nasceram com chifres? Como isso protegeria o vilarejo deles? Qual língua essa menina fala e de onde ela veio? Por que prenderam ela nesse lugar, se ela não tem chifres? Por que as sombras a perseguem e tentam tirá-la dali?" etc. Com menos de 10 minutos, sendo a primeira cutscene, a narrativa te acorrenta, te intriga genuinamente, te motivando a querer descobrir mais. Não é nem um pouco comum um jogo causar isso em tão pouco tempo, com a força e competência que foi.
Depois de umas 5 horas de jogo, no entanto, tudo o que eu acabei de falar sobre a narrativa DESAPARECE literalmente. Você conseguiria entender a história de ICO apenas ao ver as cutscenes iniciais e a parte final. Simplesmente mais nada é apresentado nesse meio-tempo, é apenas gameplay. Alguns podem gostar, eu achei uma pena, porque eu amo a forma como o jogo conta sua história, de forma sutil e lenta, deixando partes cruciais subentendidas e mistério maturando com calma.

Depois de cerca de duas horas de jogo, percebi alguns pontos que me desagradaram. Às vezes o jogo reutiliza mal os cenários e outras ele reutiliza genialmente. Em alguns momentos, eu não gosto como o jogo te força a ficar dando voltas pelo mesmo cenário como uma barata tonta, muitas das vezes não sendo particularmente claro - talvez pois eu não gosto tanto de plataforma. Você basicamente fica tentando até dar certo, puzzles assim não dependem da sua habilidade, do seu raciocínio, do seu esforço. É um jogo de advinha bobinho e sem sentido, chegando até a ser frustrante. Aumenta o tempo do jogo dum jeito estranho, desnecessário. Você zera o jogo em cerca de 6-7 horas na primeira vez e em menos de duas horas e meia na segunda. Não foi você que não prestou atenção no design, é só que você não adivinhou o que era pra fazer. Isso me fez largar o jogo com quinze minutos de jogatina muitas vezes, porque em alguns dias eu só queria me divertir um pouco e aparece um bagulho imenso e pouco intuitivo... Acaba que de cabeça cheia você não vai ter saco pra experienciar o que o jogo tem de melhor. Esse definitivamente não é um jogo pra você zerar em dias seguidos, pois em muitas das vezes ele não é divertido a ponto de tu continuar disposto a jogar. Existem as partes que ele engrena, e existem essas que descrevi. Até recomendo jogar ICO em paralelo com outro jogo mais descompromissado.
Olha, provavelmente você vai passar muita raiva jogando, em várias oportunidades. Respire fundo algumas vezes, feche os olhos e conte até 30, tome um chá ou uma água e repita pra si mesmo "o jogo é de 2001". Algumas coisas são datadas e você tem a chance de perder vários minutos se você não salvou ou não achou um save point. Eu mesmo já pensei em desistir várias vezes e ir jogar outra coisa e já deixei de jogar ICO durante alguns bons dias, chegando até a uma semana, mas algo sempre me fez voltar pro jogo para tentar novamente depois de esfriar a cabeça e estar mais calmo.
Não tenha vergonha de usar guias se ficar preso em alguma parte (spoiler: você ficará). Reitero, os puzzles desse jogo e brincar de Advinhe o Que Estou Pensando com seu priminho de 6 anos é a mesma coisa. Fiquei embasbacado com uma parte específica: há uma ponte que precisa ser baixada para Yorda poder passar. Explorando para resolver este puzzle, você encontra uma salinha cheia de bombas e uma fogueira próxima para acender essas bombas. Bem, assim como 2 + 2 = 4, você logo deduz que precisa acender a bomba perto da ponte para que ela caia com o impacto da explosão, e de fato você consegue fazer isso. Quando a bomba explode, no entanto, NADA acontece. Depois de uns 20 minutos tentando novamente isso e outras coisas, eu vi em um longplay que você precisa usar uma corda num cantinho para pular em cima da ponte e ela cair... Espera aí, quer dizer que a ponte desce com o PESO DUMA CRIANÇA DE 8 ANOS, MAS NÃO COM O IMPACTO DUMA BOMBA?????? Tudo bem, eu reconheço minha burrice ao não ter achado a corda que é fácil de ser vista, mas é sério que, mesmo tendo a chance de resolver o mesmo puzzlezinho de outra forma bastante lógica, simplesmente não dá?

Eu ouvi falar no quão influente ICO foi pra indústra em geral. De fato, você consegue reconhecer em ICO coisas que outros jogos também fazem. Por exemplo, uma característica que tanto ICO quanto Dark Souls tem em comum é o fato de você conseguir ver cenários e fases que você já passou, muito tempo depois de ter as passado. Além do fato de os cenários "se encaixarem" entre si dentro de um escopo muito grande: você passa da metade do jogo e libera um caminho para você voltar lááá no início do jogo. Isso enriquece a exploração ao passo que a incentiva. Explorar o castelo é bem satisfatório.
Ainda bem que a Yorda é fofinha e o modo como sua relação com o Ico é bem interessante, porque eu me senti jogando uma versão pesadelo extremo de Resident Evil 4 na qual o jogo inteiro é unica e exclusivamente você escoltando a Ashley e impedindo os ganados levarem ela embora. Definitivamente proteger a Yorda não é a melhor parte, mas pelo menos a dinâmica de ambos falarem línguas diferentes e mesmo assim um querer ajudar o outro - afinal, você precisa da Yorda pra passar de fase - faz valer a pena e você realmente sente a necessidade de protegê-la e dá um incômodo ver as sombras a levando embora enquanto você fica um tempo deitado no chão, por ter levado porrada.

Talvez eu tenha sido bem anacrônico em alguns momentos, talvez isso possa até ser um elogio ao jogo, ele é uma fonte da qual muitos jogos de hoje beberam. Então, julgar um jogo de 2001 comparando com jogos atuais e ainda sim ter uma visão positiva em geral e recomendar, é algo considerável.

Reviewed on Feb 11, 2024


4 Comments


2 months ago

é memo

2 months ago

O bom dessa época do ps2 é que dava pra enganar o vendedor e falar que o jogo não funcionou caso tu não gostasse, mas ainda sim era mais fácil jogar seguro pela capa.

2 months ago

@Felipse Tinha um vendedor aqui perto que tinha um filho, quando alguém tentava jogar esse papo de que o jogo não funcionou pra cima dele, ele mandava o filho testar no ps2 dele... Se não pegasse, ele deixava trocar. Mas se pegasse, você levava um xingão e se precisasse trocar mais tarde de verdade, você não ia ter mais credibilidade com ele kkkk

2 months ago

O shadow of the colossus não funcionava exclusivamente no meu ps2 por algum motivo, então nesse caso, eu teria tomado esporro