Bonito e bom… Mas cansativo e irritante…

Hades talvez seja um dos jogos mais difíceis de eu descrever meus sentimentos perante o mesmo. Ele tem muitos elementos que eu amo, e certamente são razões pelas quais eu gosto de jogos similares, mas também tem elementos intrínsecos ao seu gênero que me fazem evitar ao máximo jogar jogos similares.

Muito provavelmente, Hades está em alguma posição bem alta no meu top 10 pessoal de direção de arte da indústria dos video jogos. De verdade, cada centímetro desse jogo é Belíssimo (com “B” maiúsculo), a mistura da arte saturada e vibrante de quadrinhos com a arquitetura grega gera paisagens estonteantes dignas de serem emolduradas e expostas num museu. Graças a sua gemeplay desafiadora e frenética (e até um pouco poluída), isso, aliado à arte dos ambientes, gera uma sensação de deslumbre ao jogador e de opressão ao mesmo, subvertendo, literalmente, o sentimento assim que é criado, e isso é no mínimo brilhante. De verdade, é comum parar a gameplay pra tirar um simples print da tela.

A parte sonora é também muito bem aproveitada. Tanto as músicas quanto as vozes são extremamente bem mixadas, como também perfeitas para cada ocasião em que elas entram. Partindo para as músicas, eu achei brilhante a mistura feita aqui pela Supergiant Games. As músicas flertam super bem com o lírico/melódico tradicional da Grécia Antiga (que, dentro da lore, é orquestrada por Orfeu, músico oficial de Hades na mitologia), com a adição do metal pesado em outros trechos. É tipo misturar a Sandy (de Sandy e Júnior) com a banda Sepultura, no papel parece estranho, mas na execução é simplesmente genial. E a Supergiant Games conseguiu fazer uma mesclagem super bem com a gameplay, fugindo do óbvio de: o metal (ou música mais pesada) entrar na parte frenética e o melódico entrar no momento de calmaria. Por mais que isso acontece aqui também, em paralelo ocorrem oscilações no volume da trilha segundo a gameplay, onde, em momentos mais frenéticos, o metal toma conta de toda a arena e ofusca parte do som ambiente, dando mais foco ao jogador. Já na calmaria, o lírico torna mais evidente certos tons que fluem por entre a história, apresentando apenas pela melodia a melancolia de Orfeu (que se estende a Hades, Zagreu e Nix) e o cinismo e prepotência de outros personagens dentro do palácio real (como Hades, Tânatos e outros personagens que são spoilers). 
Entrando nas atuações de voz, desde Red Dead Redemption (2011) eu não via um elenco de voz tão perfeito. Cada um dos personagens tem vozes muito bem aplicadas ao tom e à arte do boneco do diálogo. Ao entrar em um diálogo com (literalmente) qualquer boneco, mesmo sem movimentação labial e apenas com a arte do mesmo no canto da tela, parece e muito que aquele boneco teria aquela exata voz se fosse real. É até difícil de descrever essa sensação, mas é exatamente isso. E, assim como as músicas, a mixagem dá um show nas vozes. O jogo é entupido de Deuses de todos os tipos, cores e sabores, e a mixagem aplicou efeitos conforme a magnitude do Deus com que Zagreu conversa. Ou seja, deuses “mais simples” e menos poderosos têm falas mais comuns, apenas empregando trejeitos relacionados às características dos mesmos. Deuses mais imponentes têm um eco suave em suas vozes e, em momentos de fúria, esse detalhe estoura e mostra que você não está interagindo com qualquer ser. Por fim, em diálogo com deuses mais poderosos que os anteriores, além do eco suave, eles trazem um tom voz meio sussurrante aliado a pequenos sussurros que trazem o ar manipulativo e poderoso daquela entidade, indicando que o poder deste é tão grande perante a um humano (ou ao Zagreu) que foge da compreensão do mesmo. Tudo isso aliado a atuações  I M P E C Á V E I S  tornam a parte sonora um primor quase que inigualável, sendo, na minha visão, um jogo obrigatório de se jogar com um bom fone (ou sistema de som).

Pra ser extremamente sincero, meus pontos negativos referente a esse jogo são muito mais inerentes ao gênero dele, e não exatamente as qualidades ou defeitos de Hades. 
Antes mesmo de ser um jogo deslumbrante com elementos de cair o queixo, Hades é um Rogue - E não, eu não vou entrar no mérito de ser um Roguelike ou Roguelite, isso eu deixo pro seu coração decidir - e assim, eu gosto da ideia do Rogue de ser um estilo mais difícil e que se você morrer perde a run toda, e a graça em si é fazer isso de novo até não querer mais, mas por mais que isso no papel isso parece muito legal, na hora do vamo ver eu só acho chato e cansativo. Na Play Store existem muitos jogos que se propõem a ser Rogues acessíveis (Mighty Doom inclusive é o meu favorito do gênero) e sempre que os jogo, e passo da décima ou décima primeira run eu já começo a sentir um desgaste, porque por mais que eu esteja avançando no mapa com builds totalmente diferentes da anterior, eu no final tô fazendo a exata mesma coisa de novo, só que com um RNG diferente, e isso pra mim é moroso, principalmente quando têm algum grau maior de dificuldade empregado, em que morrer nas mesmas partes é extremamente comum. E ok, eu estou comparando um jogo fechado com uma qualidade incrível com vários outros jogos feitos pra serem esquecíveis e te distrair na hora de ir ao banheiro, mas querendo ou não, eles seguem bem a fórmula base de Rogue, e é justamente essa fórmula que não me agrada nenhum um pouco.
Se você entrar na aba do Journal do meu perfil, eu comecei Hades no início de janeiro (de 2024 caso você esteja lendo em 2070) e terminei só agora no meio de fevereiro, e ao longo do tempo minhas jogatinas de Hades passaram das mais viciantes 2 horas de jogatina da minha vida quase todo dia, pra cansativos 30 minutos de jogadas a cada uma semana. E ok, com Hades eu tomei conta que Rogue talvez seja algo que não me agrada muito, mas na minha visão, a mescla de Rogue com Hack N’ Slash de Hades me causa preguiça, e não isso não é atrelado a gameplay, mas sim ao level design. Como eu disse, a gameplay é frenética ao extremo, mas a partir do terceiro mapa do jogo (os Campos Elísios), o jogo extrapola e não consegue equilibrar diversão com os desafios como nos dois mapas anteriores. Sim, tanto no Tártaros quanto em Asfódelos, áreas com muitas armadilhas e inimigos irritantes são relativamente comuns, mas sempre em um nível que não cansa, porém, ao chegar nos campos Elísios, isso aumenta exponencialmente, com armadilhas mais cruéis e recorrentes, com MUITO mais inimigos com armadura e com ataques que podem matar um desavisado rapidamente, mas principalmente, com recorrentes paredes invisíveis que limitam a sua movimentação… EM UM JOGO FOCADO EM MOVIMENTAÇÃO… Além dos Elísios ter a pior e mais injusta luta de boss desse jogo. Se não bastasse, esse é o penúltimo mapa, e antes de você enfrentar o Boss final do jogo (que eu não vou spoilar, mas é bem óbvio quem é) tem o último mapa (Templo de Styx) que só foi feito por alguém muito ruim com a vida, pois além de ter tudo isso que reclamei, tem áreas MUITO menores e inimigos que podem te envenenar… Se não ficou claro, eu odeio esse templo.
Pistoladas exageradas à parte, a minha maior frustração com esse jogo vem justamente da luta final (e um pouco do final em si). Além de não ser a luta mais difícil do jogo (principalmente com o escudo), o caminho até ele é cansativo e se você morre nessa luta final, você tem que jogar tudo de novo (inclusive as Boss Fights)... E assim, eu comentei que, passando da décima tentativa, eu (provavelmente) largaria o jogo pois repetição extrema e consecutiva não é minha praia, mas pra zerar Hades, eu precisei de massantes 33 tentativas… E mesmo assim, eu não zerei completamente! Sem tentar dar spoiler, Hades termina de uma forma que é bonita e conversa bem com a proposta do jogo, mas é totalmente inconclusiva. Eu não sei se pra ter o "verdadeiro final" precisa aumentar o coração com os personagens da história (sim, esse jogo tem um sistema de relacionamento além do resto), mas eu já estava tão desgastado com o jogo, que eu me senti por satisfeito só de vencer o boss final e chegar no objetivo do Zagreu…

Eu acho que a melhor forma de resumir esse último parágrafo inteiro de reclamações é: Hades tem muitas ideias de mistura interessantes para o gênero Rogue, mas não consegue equilibrar elas direito e no late game isso se torna uma bagunça gigantesca… E eu não sou o maior fã de Rogue 👍.

Hades (2018) é, assim como todo bom jogo, um jogo com problemas... Ao mesmo tempo que, ao colocar na ponta do lápis, os pontos positivos são tão altos e de uma qualidade inenarrável que ofuscam com primor o lado negativo (mesmo eu tendo gasto uma folha e meia falando mal do jogo). A gameplay é frenética, e por mais que simples, é digna de estar na prateleira com Devil May Cries e Bayonettas da vida, a parte sonora é quase que pornografia pura para qualquer audiófilo e seu design é simplesmente perfeito (tanto num geral quanto dentro da sua proposta) e digno de estar emoldurado e estudado em faculdades de design e arte. Talvez, se eu tivesse tempo e paciência pra "just get gud", esses “defeitos” ressaltariam menos aos meus olhos ou até sumiriam. No final, nada impede dessa ser uma boa introdução ao gênero Rogue, afinal suas mecânicas são simples e se auto explicam durante a jogatina (já que muitas só derivam de outros jogos populares de fora do gênero).

P.S. - Eu não comentei, mas a experiência é estável em PCs mais simples mas no Steam Deck, onde eu joguei na maior parte, além de ser cravada em deliciosos 60 FPS, pela portabilidade revigora e muito o cansaço que runs mais avançadas geram, sendo portátil (pra mim) a forma ideal de jogar esse jogo!

Reviewed on Feb 16, 2024


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