Após seu anúncio na E3 de 2015, Cuphead se tornou um dos indies mais aguardados no mercado, graças à sua incrível apresentação nunca vista antes, com um estilo artístico baseado em antigos desenhos de 1930. Dois anos depois, esse estilo artístico é o que separa o jogo da StudioMDHR dos tantos indies que saíram esse ano. Mas o que torna a arte do game tão especial não é só a sua criatividade, nem a dedicação admirável dos produtores de desenhar cada frame à mão, mas também como todos os aspectos do jogo se aproveitam desse estilo ao máximo. O design de level e dos inimigos, a música, a história, os efeitos sonoros, tudo isso incorpora o tema cartunesco e destacam ainda mais o estilo do jogo, resultando em uma experiência realmente nostálgica para quem assistiu cartuns antigos, e uma experiência nova e criativa para aqueles que não. No entanto, foi uma boa decisão da parte dos produtores de dar aos jogadores a opção de tirar certos efeitos. Eu particularmente não tenho problemas com eles, mas eu entendo porque alguém iria querer remover o color bleed do jogo. Eu também gostei das outras paletas de cores que você pode desbloquear à medida que faz certas coisas no jogo, que retratam o estilo de desenhos de outras épocas. O fato de elas serem bloqueadas também faz sentido, pois muita coisa no jogo é telegrafada a partir de cores, principalmente os ataques rosas que indicam que são vulneráveis a parry, e esses estilos acabam disfarçando muitos desses ataques. As paletas extras, então, não só servem como cores extras para o jogo inteiro, mas também uma maneira de ligeiramente aumentar a dificuldade. Depois de zerar o jogo pela primeira vez na dificuldade Regular, eu zerei novamente no Expert usando uma paleta diferente, e as duas experiências não poderiam ser mais diferentes.

Trata-se inicialmente de um jogo de plataforma onde você atira em seus inimigos, mas o seu foco em batalhas contra bosses faz com que ele pegue muitos elementos de um shoot-em-up, especialmente bullet hells. Nesse tipo de jogo, o alcance de seus tiros geralmente ocupa a tela inteira, assim o jogador pode se concentrar em desviar dos muitos projéteis que os inimigos atiram, ao invés de mirar e atirar neles. A maioria dos bosses em Cuphead são seres gigantes que não costumam se mover muito, logo o seu objetivo muda de atirar nele para desviar de seus projéteis. Em outras palavras, você está mais sobrevivendo aos ataques do boss do que lutando contra ele. Os bosses, assim como a maioria dos elementos do jogo aproveitam ao máximo o estilo cartunesco feito à mão pela MDHR. Seus ataques costumam fugir um pouco de seu tema principal e, no meio da batalha, eles podem se transformar em algo completamente inesperado. Esse tipo de coisa em um outro estilo artístico levantaria algumas sobrancelhas, mas o estilo cartunesco aumenta a suspension of disbelief. Assim como em um cartum antigo, ninguém vai questionar um pássaro cuco transformando sua cabeça em uma luva gigante para atirar balas de seus dedos.

Ao ver o trailer do jogo pela primeira vez, achei que o jogo fosse um twin stick shooter, devido à natureza da câmera e a movimentação constante de alguns bosses. Para minha surpresa, os controles do jogo são bem mais simples, simulando os de plataforma com a adição de um botão de atirar e um de mira, que te prende no lugar e te dá 8 ângulos diferentes para atirar seus projéteis. Embora eu reconheça que esse controle tem seu próprio skill cap, e que desse jeito mirar e atirar simultaneamente é mais difícil (O que força o jogador a fazer decisões rápidas), imagino que o mesmo pode ser dito de um controle utilizando os dois analógicos. Alguém poderia dizer até que esses controles teriam um skill cap mais alto: Um jogador casual poderia parar para atirar como no controle atual, mas jogador experiente teria mais opções para simultâneamente andar e atirar no boss, deixando o jogo mais fluido e melhor recompensando a habilidade desse jogador. Do jeito que está, essa configuração de controle atual não dá tanto espaço para o jogador bom mostrar sua habilidade quanto a de um twin stick shooter. Apesar disso, o jogo aproveita do máximo que tem em seus controles, resultando em um combate fluido onde toda falha é claramente sua culpa e nunca dos controles. Apesar disso, o jogo brilha em execução tanto dentro quanto fora das batalhas. A história simples, quase ˜episódica˜ aprimora a natureza cartunesca do jogo, o próprio roteiro em si encaixa perfeitamente em um episódio dos velhos cartuns de 30. Por sua vez, os overworlds do jogo são mais do que mapas que abrigam bosses, mas contem seus segredos e NPCs para conversar que, embora poucos, ajudam a tornar no mundo de Cuphead mais carismático. Espalhados nos mundos são lojas que te permite comprar itens e outros tiros que dão uma profundidade extra no combate do jogo, cada tiro se aplica a uma situação diferente, e eventualmente descobrindo a combinação certa pode fazer aquele boss chato bem mais fácil de lidar.

Quando foi lançado, muita gente reclamou da dificuldade do jogo, mas achei que a StudioMDHR achou um ótimo meio-termo entre a maioria dos indies de hoje com os run-and-guns mais difíceis de antigamente como Metal Slug, ou até bullet hells como Touhou. Claro que dificuldade é um conceito extremamente subjetivo e que eu talvez possa ter tido menos problemas devido à minha experiência com os jogos citados, mas é possível dizer que objetivamente os produtores fizeram um trabalho melhor do que muita gente dá crédito, apesar de alguns difficulty spikes esquisitos. Além do tutorial, os primeiros inimigos te ensinam os movimentos mais básicos do jogo um de cada vez, The Root Pack tem padrões que te ensinem a otimizar seu pulo, Goopy Le Grande te ensina o timing do seu dash, Ribby and Croak te ensinam a microgerenciar seus padrões e prestar atenção à suas variações, etc. Quando você chega em chefes mais complicados como o Phantom Express ou o Robô de Dr. Kahl, o jogo está confiante de que você sabe executar todos os movimentos necessários para derrotá-los. Eu particularmente gosto de como o parry foi implementado, ligá-lo com o botão de pulo faz com que o jogador tome mais riscos para conseguir o número de parries necessário para a nota máxima em um nível, literalmente pulando no perigo e interagindo com projéteis que de outra forma passariam longe e despercebidos. O acesso ao parry também muda o jogo: A falta de um botão dedicado à ele e a necessidade estar no ar para acessá-lo implica seu uso planejado pelos devs não foi feito com o reflexo do jogador em mente, mas com sua habilidade de reconhecer os padrões do inimigo e saber a hora certa de usar, principalmente na segunda metade do jogo. Pode ser por isso que na maioria dos bosses, eles começam suas primeiras matrizes com um parry primeiro, que pega o jogador de surpresa; quando a matriz é repetida, ele agora sabe do projétil rosa e consegue executar o parry com precisão, confiante na sua habilidade de reconhecer o padrão.

Cuphead também apresenta um simples sistema de grading que mede entre tempo, dano recebido, supers usados e parries executados. Meu problema com essa maneira de classificar sua performance é que ela força repetição e grinding de um chefe específico. Por exemplo, suponhamos que você esteja lutando contra um chefe pela primeira vez, você está em sua primeira fase a consegue dois parries, você para de atirar para conseguir o terceiro ou atira e cruza os dedos para uma próxima fase ter uma bala parriável? Ao pedir um número específico de parries, o jogador deve fazer essa escolha toda vez que eles matam um boss pela primeira vez, o que os força a repetir a batalha para conseguir o rank perfeito. Alguém poderia dizer, em contrapartida, que isso é intencional e reforça a ideia de memorizar os padrões de um boss, mas na minha opinião eles conseguiram isso de um jeito barato mal executado. Se eu preciso fazer uma batalha de ˜teste˜ para conhecer o boss antes de lutar contra ele de verdade para conseguir o rank máximo, isso é game design falho. O jeito que os supers são executados, no entanto, deixa um pouco a desejar a partir do momento em que você pega um upgrade das casas mal assombradas. Normalmente, você pode guardar até 5 supers para usar quando quiser, no entanto esse upgrade transforma cinco cartas armazenadas em um super especial, onde seu personagem executa uma longa animação que pode atrapalhar seu posicionamento. Além disso, a você não pode mais executar um super tradicional quando tem 5 supers armazenados. Eu entendo que estou reclamando de meras inconveniências, mas quando se trata de um jogo como esse, onde você vai repetir a mesma fase muitas e muitas vezes, essas inconveniências crescem cada vez mais, ainda mais quando elas podem ser resolvidas com simples soluções.

Cuphead é, não só visualmente, uma carta de amor aos antigos cartuns e uma prova do empenho e trabalho de uma produtora que quer fazer seu passion project; resultando em um jogo que, embora algumas imperfeições, sucede no que faz com excelência. Com um gameplay diverso e um estilo artístico que deixa até empresas AAA de boca aberta, é fácil dizer que Cuphead é um jogo que fez seu nome no mercado indie. Recomendo à ambos aqueles que gostam de um jogo desafiador e aos fãs de desenhos animados que querem reviver um pouco da infância com algo novo.

Reviewed on Nov 03, 2020


Comments