Ghost of Tsushima: Outdated by Dawn

Platinei. Fiz tudo disponível até na DLC, joguei por um mês e acumulei 110 horas- quem me conhece sabe que não sou desses. Mesmo tendo me prestado a dar tanta atenção ao jogo, dei 3 estrelas. Por que?

Ghost of Tsushima é um jogo de mundo aberto lançado em 2020, três anos após aquele jogo que redefiniu o gênero- seu desenvolvimento já estava pela metade antes do lançamento de The Legend of Zelda: Breath of the Wild. É ridiculamente claro como os desenvolvedores foram influenciados e tentaram incluir o máximo do que aprenderam em BOTW num jogo que já tinha todas as suas bases prontas e moldadas numa fórmula defasada.


O Mundo

O VENTO GUIA é um substituto genial para os mini-mapas e bússolas que aumenta a imersão e mantém nossos olhos no meio da tela, e os animais que te guiam a pontos de interesse são uma ótima ideia. Toda missão é indicada por fumaça de diferentes tipos e é possível identificá-las facilmente até de grandes distâncias. Os caminhos aos santuários são marcados por portões Tori, fontes termais tem uma grande árvore vermelha, arenas de duelos sempre tem longas bandeiras hasteadas e por aí vai: Cada atividade tem um indicador visual distinto e reconhecível de qualquer ponto alto, o que adiciona muito a exploração...

Mas pra quê, se a exploração não existe?

Esse é mais um caça-ícone, ping simulator ubisoft checklist. Todas as atividades são marcadas por um "?" no mapa, e não há nada nele entre esses pings, a não ser o caminho, e o design do mundo é contra intuitivo para com os indicadores visuais que citei, e nem há muitos pontos altos pra te fazer agir como exemplifiquei. Bases de inimigos obviamente estão presentes, e no lugar das torres que surpreendentemente não existem, liberam a visualização de certa área do mapa ao serem dominadas, fazendo as interrogações pipocarem na tela. Daí você pega o teu cavalo e vai atrás delas, segue o vento, a raposinha e o passarinho até locais que você já sabe que estão lá, e quando não sabe, a aparição desses animais garante encontrar tais coisas. A não ser por alguns colecionáveis, você nunca vai esbarrar com algo por sorte ou por recompensa da sua curiosidade.
A verticalidade é bem presente, mas a escalada é automática e sem graça e o Jin se recusa a descer de qualquer lugar naturalmente, o que atrapalha até o fim.
Se lembra daquele jogo que lançou dois anos antes que também foi um estrondo nos jogos de mundo aberto, onde passeávamos majoritariamente pela natureza em um período histórico e encontrávamos dezenas de situações "aleatórias" variadas e visitávamos cidades vivas com NPCs que tinham rotinas e vidas completas, apenas para que pudéssemos ir lá e contribuir ou acabar com tudo? Pois é, até as pequenas escolhas em meio aos diálogos de Red Dead Redemption 2 Ghost implementou de forma meia-boca, e aqui o máximo que encontramos de um ponto ao outro são mongóis patrulhando com uns reféns e uns porcos ou ursos que morrem com uma flechada. Nas cidades, os NPCs conversam bastante, mas não há nenhuma interação- não dá nem pra machucá-los, e suas rotinas são basicamente dormir e ficar num lugar só.

Acho que ficou bem claro que não gostei do mundo aberto desde jogo. Mas então por quê fiz tudo que ele oferecia?
Eu tenho um problema com caça-ícones. Eles me deixam compulsivo. Eu não paro até concluir TODO o conteúdo que o jogo tá me dizendo que tem, e como sempre, até liberar todo o mapa. Eu detesto isso em mim, e assim como em Horizon e Infamous Second Son, outro jogo do estúdio que passei pela mesma coisa, esse foi o motivo da minha platina: terminei o jogo faltando uns 2 troféus fáceis de se adquirir por já ter feito tudo antes de concluir a história. Esse tipo de coisa piora a minha experiência mas não consigo desapegar.


O Conto

Adoro histórias de personagens fictícios ambientadas em momentos históricos reais, e o tema de 80 samurais (que são um bicho maneirão) defendendo sua terra honrosamente de 80.000 mongóis é interessante demais. Existem MUITAS "licenças poéticas" e diferenças da realidade, mas a cultura e o confronto são representados de maneira excelente e brutal ao ponto de te deixar impactado por acontecimentos de 800 anos atrás ao mesmo tempo que ensina bastante, ainda mais com a inclusão dos artefatos que explicam objetos e costumes. Sabemos que nenhuma guerra é preta-e-branca, mas não espere nenhuma nuance- o ponto de vista é unicamente dos japoneses- nem mesmo vindo do protagonista.

Jin Sakai é um bom personagem de bom coração, simpatizei com ele e torci pelo seu sucesso, e encarnar um lorde samurai generoso e conflitado é uma das melhores coisas do jogo, mas não dá pra bloquear metade da gameplay até o meio do jogo- sua quebra do código samurai é feita de maneira muito acelerada por esse motivo, e o jogador não vai se sentir em conflito por isso, assim como o protagonista, que decide que esse é o único caminho. Claro que ele sofre consequências graves e a desavença criada com seu tio é de quase partir o coração, mas sua crença na própria razão nunca é abalada por tempo o suficiente pra criar um conflito interno profundo, o que vale pra história inteira.
Há um grande desperdício aqui: se a narrativa se inclinasse para o lado mais épico, as missões principais, os Contos de Sakai,teriam muito mais impacto. Ao invés disso, fica a sensação de que elas entregam "o suficiente", mantendo uma linha reta de empolgação sem muitos altos e baixos, apesar dos momentos realmente dignos de serem chamados de épicos que infelizmente são poucos, assim como o número de missões, o que me impressionou, e impossibilitou o aprofundamento de vários temas.
Existem três tipos de missões secundárias, os Contos de Tsushima: O primeiro são os padrões, que NPCs nos dão e geralmente se tratam de ajudar habitantes oprimidos pelo exército mongol ou bandidos, que variam entre ok e boas sem muito daquela encheção de linguiça de outros jogos de mundo aberto seja na relevância ou na quantidade.
Depois, temos os contos secundários com personagens da história principal. Aqui, Jin desenvolve relacionamentos com essas pessoas e os ajuda em seus problemas pessoais, revelando o passado e a psique desses indivíduos quebrados pela guerra, e provocando algumas reflexões sobre o fantasma de Jin. A história está na sua melhor forma nesses contos, e essa é a melhor parte do jogo.
O terceiro e mais diferente tipo são os Contos Míticos, nos quais um contador de histórias fala, acompanhado de uma bela animação, sobre uma técnica, tesouro ou equipamento lendário de algum guerreiro mítico já morto, e temos que investigar para conseguir sua herança. Aqui temos as melhores recompensas e as partes mais variadas do jogo- a liberdade que esse contexto oferece dá asas a criatividade dos desenvolvedores na narrativa e na gameplay.

O conflito ao final do terceiro ato e a resolução, independente da sua última escolha, são as melhores partes da narrativa principal onde realmente sentimos o peso das emoções nos personagens, mas de resto, é um baita desperdício de personagens e contexto histórico que resulta numa narrativa que não passa muito de um simples "legal". Há alguns personagens que não conseguem chegar ao final do jogo e sucumbem as forças inimigas, mas suas mortes parecem assumir que passamos mais tempo do que realmente tivemos com eles e a falta de interação com todos os elementos do mundo, inclusive os companheiros, faz com que esse problema seja ainda mais aparente. É como se eu quisesse sentir, tô disposto, mas o jogo nem me deu a oportunidade de interagir direito contigo.


A Guerra

Já vou tirar isso do caminho: a câmera durante o combate é uma MERDA. É tão ruim que troquei os botões de ataque pra R1 e R2, sendo que prefiro quadrado e triângulo, só pra poder controlá-la sem interrupções durante as lutas, e recomendo que todos façam o mesmo, é ruim ao ponto de eu não acreditar que foi aprovado e lançado assim mesmo.
A porradaria, ou melhor, espadaria, é de boa qualidade, porém mais uma vez ainda é uma sombra de Assassin's Creed com um parry satisfatório e mais peso. As diferentes posturas passam uma impressão falsa de profundidade, sendo que é inviável combiná-las pra derrotar os inimigos, já que são quase imunes a ataques não específicos para os seus tipos. As armas fantasmas, em meio aos seus confusos menus de seleção cumprem papéis semelhantes e não adicionam tanto quanto deveriam.
Acima da barra de vida, temos um elemento muito importante... Ou deveria ser?
A barra de determinação, que funciona de maneira quase idêntica a de Marvel's Spider-Man. A mesma barra serve para recuperar a vida ou utilizar ataques especiais, dando ao jogador a escolha de um ou outro no meio das batalhas. O problema é que aqui, até o fim do jogo, contando com a DLC, temos um total de... Dois ataques que usam determinação?? Pois é, parece que foi uma ideia de última hora que não foi bem pensada. Quase nunca você vai precisar sacrificar um pelo outro.

O Stealth é bem simples e cumpre seu papel, mas deixa a desejar pelo contexto. Ver os inimigos com medo é satisfatório das primeiras vezes, mas perceber que eles só tem umas duas reações possíveis é desanimador, e muito mais que isso, é perceber o quão pouco tô escrevendo sobre um dos pilares do jogo por que não se tem muito o que escrever.
E PASMEM: missões onde o personagem se ajoelha pra "investigar" uma "cena do crime" e depois seguir pegadas por um caminho quase reto ou acompanhar inimigos sem ser visto em um jogo de mundo aberto em 2020? PQP.

A progressão de Ghost of Tsushima é ESQUISITA. Temos várias "árvores" de habilidades, que tão mais pra galhos, mas não há XP: só coisas específicas aumentam seu "status de lenda", que serve como nível. Salvar um refém de mongóis vai te dar a mesma quantidade de lenda sendo perfeito ou quase morrendo, o que vale pra tudo, exceto uns objetivos opcionais nos campos mongóis. A quantidade é minúscula, o que não te incentiva a descer do cavalo, e você não ganha pontos de técnica ao upar de nível- ao invés disso, os pontos estão espalhados pelo meio da barra. A maior fonte de aumento da lenda são os contos, e as habilidades disponíveis pra desbloqueio nos galhos variam entre aumentar os status de habilidades que você já tem ou desbloquear alguns golpes novos, mas não espere nada de combos, ou seja, uma merda. As essenciais posturas de combate são estranhamente bloqueadas até que observe e derrote uma quantidade específica de líderes mongóis, o que eu quase esqueci que era uma coisa no jogo, e já vai dar pra entender o motivo.

A economia é totalmente quebrada. No começo, eu estava achando meio difícil de conseguir os suprimentos e materiais necessários para comprar os upgrades de armas e armaduras, mas antes da metade do jogo eu já tava com tanta coisa que o inventário tava cheio e eu já tinha todos os upgrades disponíveis. O único recurso que não ficou em abundância foram as flores, que servem apenas para cosméticos. E sim, mesmo antes de sequer chegar no último status de lenda, eu já tinha todas as habilidades, E SIM, SOBRARAM PONTOS DE HABILIDADE. O balanceamento desse aspecto do jogo é terrível, e quando não há mais o que evoluir, pra que explorar, fazer secundárias e derrotar os mongóis pelo mundo? É melhor passar direto. Sério, eu nunca tinha passado por isso em nenhum jogo (não consigo pensar em 5 em que eu completei toda a árvore de habilidades, quanto mais isso) e fico impressionado o quão ruim é, a sensação de estar no meio do jogo e não ter mais o que evoluir desmotiva a continuar jogando. Mas há um elemento que te mantém engajado: os amuletos e as armaduras.

Podendo equipar um set de amuletos diferente pra cada armadura, você pode se tornar uma força destrutiva pra cada ocasião se usar os certos combinando com as vantagens de cada armadura, o que é satisfatório e me fez estar sempre trabalhando em otimizar minhas "builds", com cada set muito bem definido pra cada ocasião. Ganhamos armaduras e amuletos novos até o final da jornada, talvez até demais, mas é um dos melhores elementos do jogo e pelo menos é algo que mantém a evolução interessante já que a própria progressão é incrivelmente horrenda.

Horrenda- pra quem só ouviu falar por cima desse jogo pode parecer uma palavra incompatível, e isso tem uma razão.


A Apresentação

Ghost of Tsushima teve downgrade. É um exclusivo da Sony, os trailers não são de antes do lançamento dos consoles, mas mesmo assim por algum motivo teve downgrade e já escrevi sobre jogos com gráficos muito melhores. Mas, mesmo assim uma coisa é inegável:

Ghost of Tsushima é um dos jogos mais lindos de todos os tempos.

Uma mecânica central na minha gameplay pode não existir pra você: o modo foto, que é muito bem feito mas não extrai todo o seu potencial, tomou horas da minha jogatina, e capturei mais de 600 telas.

A mistura da vegetação, monumentos e arquitetura japonesa com a beleza natural de Tsushima e sua gigantesca variedade de cenários compõem uma das melhores direções de arte que já presenciei. O constante vento guia faz com que tudo fique sempre em movimento num interminável show de partículas que eu nunca vi igual.
Mas sua direção de arte não contribui apenas pra que o jogo fique mais bonito. Ela melhora ele inteiro.
Todo o seu visual fica em harmonia, e a beleza e variedade de biomas surrealmente lindos ajudam a afastar a repetitividade que um ping simulator de mapa enorme costuma apresentar, pois você sempre tá sendo bombardeado com vistas coloridas de cair o queixo, enquanto veste uma armadura de design maravilhoso a caminho da luta contra inimigos fáceis de se distinguir entre si, e participa de duelos cinematográficos que dão um show técnico com uma trilha sonora épica e melancólica.

A apresentação costuma ser a primeira coisa a se comentar numa análise, e eu concordo com essa aproximação, mas em GOT ela tem um efeito diferente. Todas aquelas coisas ruins sobre o mundo aberto que comentei no início são mascaradas pelo visual absurdo e pelo brilho nos olhos de partir para um lugar novo.
Considero até esse momento dar meia estrela a mais só pela direção de arte, e não duvido que um dia eu volte aqui e ponha três estrelas e meia. Se não fosse por ela, a nota certamente seria menor, e a excelência desse jogo perante o público seria mais equivalente a realidade: uma meia-verdade- uma máscara composta pelo seu visual, valor de produção, exclusividade do lado azul e a atenção que a mídia e críticos dão a esse tipo de produção. 87 no Metacritic é uma piada.

Além da já bajulada direção de arte, não há nada de incrível aqui. Ghost of Tsushima é um jogo que nasceu ultrapassado e em sua reta final de desenvolvimento tentou tirar o atraso que já sabia que teria, ironicamente, por meio de meias-medidas, algo repudiado pelo protagonista, resultando num jogo genérico superior aos seus semelhantes, mas inferior a tudo que não segue a mesma linha, porém coberto com uma skin desses jogos para parecer que está do lado superior.


Conclusões Conclusivas

Como, então, justificar um mês inteiro nesse jogo, mesmo que tenha o conseguido de graça por meio de um bug na PSN e saber que o motivo de tanto o jogar ser um defeito meu?
A única resposta que encontrei foi perdendo ainda mais horas escrevendo uma análise imensa que pelo menos tenta expressar o que eu senti com essa grande decepção que fiquei ansioso pra jogar desde o anúncio.

Obrigado pela atenção.

Reviewed on May 16, 2022


4 Comments


Não ligo muito pra notas, mas a média 87 me deixou muito surpreso. Isso aqui é um 70 no máximo.

2 years ago

...por que você não escreve mais análises detalhadas e minuciosas? ._. Gostei tanto de ler esta... ❤
CDX, não sei se vai receber notificação disso daqui, mas muito obrigado, isso me deixa muito feliz!
Eu confesso que sou melhor em criticar coisas ruins do que boas, formar elogios sobre jogos é muito difícil pra mim, apesar de conseguir fazer isso com filmes. Outro motivo é que demorei 4 horas pra escrever isso daqui, quase virei o dia, e é raro eu me hiperfixar em escrever! Mas obrigado pelo elogio de qualquer maneira :)

2 years ago

Sei como é, hahaha, eu também demoro horrores pra escrever. XD