Apelar para Tetris foi um ato de desespero: era um momento em que minha cabeça precisava de foco, mais do que tudo, e estava em um daqueles períodos em que as ideias estão em um turbilhão entrópico, a tarefa de organizá-las e pô-las em ordem parecendo tão plausível quanto catar folhas num tornado. Ouvi falar do tetris effect, e toda a aura mitológica e zen ao redor do jogo me convenceu de que ele era exatamente o que eu precisava para induzir clareza mental emergencial.

Não esperava que Tetris simularia tão bem o que eu sentia que precisava: receber em ritmo crescentemente frenético uma carga de problemas e encontrar as formas mais delicadas e eficientes de guardá-los e prepará-los para a execução (na maioria dos casos, efetivada pelo mais poderoso soldado do reino dos céus, um anjo na forma de um “I”). Ao transformar a tarefa paralizante de pôr em ordem a caixola em uma versão gamificada e linda do mesmo problema, encontrei um bote salva-vidas. Chegando às noites após dias frustrantes e cansativos, era em Tetris que eu encontrava a síntese que mantia meu estado mental coeso e inteiro, os tetriminos em fluxo torrencial remendando meus neurônios, me trazendo cada vez mais próximo de uma paz interior que não reconhecia faz tempos.

Eu nunca havia jogado Tetris de verdade antes de Tetris Effect, e comecei no modo “Normal” falhando o primeiro estágio. Após algumas semanas de jogo, fui ficando melhor, consegui completar o jogo, e eventualmente começar a fazer estágios inteiros sem mal sujar a minha matriz. O estado de fluxo é algo que cobiço em tudo que faço, sendo o mais próximo que considero de uma experiência religiosa - amo futebol por como ele me faz esquecer quem sou, como me faz dissolver em uma poça primordial onde preocupações terrâneas parecem uma noção ridícula, tão insignificantes diante do que é estar no momento. Portanto, não é com leveza que afirmo que Tetris Effect hoje em dia para mim representa um botão imediato de fluxo, um porto seguro sempre disponível nas tempestades mais escabrosas que acabam aparecendo no meu ecossistema. Nada disso seria possível se Tetris Effect fosse apenas Tetris: a magia por trás dessa iteração é de como pegaram o ritmo natural que o jogo já tem e o implementaram em uma orquestra cinestésica impecável, transmutando-o em uma experiência que dança junto de você - às vezes a música e o jogo aceleram, te apertam, empurram até o ponto em que não dá mais, e logo após a tensão dissolve em catarse absoluta; a velocidade diminui, e apenas por um milésimo (não há tempo para ego no Tetris) você vislumbra o quão incrível é estar dentro disso tudo, antes de escorrer de volta para a poça primordial.