DLCs: The Hidden Ones e Curse of the Pharaohs
Mods: x2 damage (ambos lados), 4x guard senses, 2x EXP, no resources

Isso foi o que resumi, para o Instagram:

Muito do que odeio que é caracterizado pelo corporativismo moderno em jogos está aqui: sistemas de progressão baratos e incongruentes; dissonância entre jogo e narrativa; misturas profanas de sistemas que só estão presentes porque deram certo em pesquisas de mercado. Ainda assim, o que tirei desta experiência não foi toda essa bagagem desnecessária, mas sim o carinho e esplendor com que a equipe tratou a renderização do Egito antigo - sem dúvidas a mais impressionante e custosa até hoje. O mundo respira; inspira vislumbre e devaneios sobre um passado impressionante, e como tudo isso (e tudo nosso) foi (e será) eventualmente reduzido à ruínas. Uma pena que mesmo com uma representação tão maravilhosa deste período, o estúdio ainda viu a necessidade (comercial) de engajar o jogador em todo momento, preferindo enfiar toneladas de conteúdo barato e repetitivo ao invés de deixá-lo sentir, meditar e respirar o ambiente que criaram.

Também me impressionou o quanto que o jogo acerta tematicamente, com a morte (em todos seus passos) sendo um foco principal tanto na história principal quanto no conteúdo opcional, reflexão clara da fascinação egípcia com o assunto. O protagonista foi facilmente o mais carismático de todos os jogos que joguei na série, e guardarei sua memória com muito carinho, embora ele sofra bastante pelo senso fraco de ritmo que a narrativa tem: mais uma vez o foco nos grandes momentos e em ação bombástica os reduzem ao tédio, e esquecem que o forte da caracterização (tanto de Bayek quanto do Egito) vem dos pequenos momentos. Amei, porém, o tanto que usaram do surrealismo para representar a mitologia egípcia, coisa que acho bastante corajosa em um jogo que tem que agradar tantos executivos.

Entendo que fazer um jogo desses é extremamente caro, e que para conseguir reproduzir um Egito tão lindo, é necessário ceder à algumas demandas de quem libera a verba. Ainda assim, é triste ver que existem tantas pequenas diferenças, que, somadas, fariam um jogo tão mais interessante e consistente, merecedor do Egito fantástico que recriaram.

Tendo isso dito, quero aqui ir um pouco mais fundo, já que Origins me fez pensar tanto, principalmente quando se trata de game design e história.

O primeiro defeito óbvio que vi em AC Origins foi o sistema de loot numerado, similar ao de Diablo e outros ARPGs. Esse sistema casa bem com a ideia de conteúdo repetitivo e level scaling, porém, argumento que este é um sistema que não tem lugar algum em uma série como essa. O foco em loot randomizado e procedural, combinado com level scaling, faz com que a verossimilitude do mundo seja jogada totalmente fora - a noção de um guarda romana aguentar 3 espadadas e um mesmo guarda em outro lugar aguentar 20, além de esquisita, gera dificuldade artificial e gatekeeping de conteúdo de forma arbitrária e mal definida. Além disso, loot único perde todo seu valor - a espada de Ramses II, nível 12, é exponencialmente pior do que a espada regular de um soldado nível 25. Essa invasão de sistemas variados e quantitativos está em toda parte do jogo (você precisa de x y z de cada material para evoluir cada nível da sua lâmina, ou do seu peitoral, e existem diversos níveis para cada um desses equipamentos, todos acessados através de um menu). Não existem escolhas mecânicas interessantes aqui, quase todos os animais importantes são imediatamente violentos, quase toda missão envolve matar ou invadir um lugar que, mecanicamente, funciona como quase todos outros do jogo. O conteúdo é imenso em sua largura, mas possui profundidade irrisória. Até os assassinatos principais, que deveriam ser algo muito mais especial, acabam ocorrendo sem impacto algum, nos mesmos mapas e situações que você repete o jogo inteiro. Entendo que é difícil acoplar um mundo realístico com game design, mas os primeiros jogos da série fizeram isso muito bem, e só vi devolução deles para cá.
O Egito, lindíssimo em sua renderização, comporta-se como um mundo vivo apenas quando ausente de Bayek - quando ele aparece em cena, a única forma em que você como jogador pode interagir com ele é através de violência, seja com os humanos ou com os animais. Todo o trabalho de ambientação é feito apenas como uma farsa, uma camada de maquiagem aplicada em um playground removido de sua reverência. Passear por esse Egito me provocou, me abalou profundamente ver as pirâmides, dois mil anos atrás, sendo consideradas ruínas de três mil anos, passear por Alexandria e ver as lindíssimas decorações e ritos nas ruas, pensando que tudo isto aconteceu, mais ou menos como estão aqui em minha tela. Ainda assim, por mais que Bayek falasse, minha única forma de interagir com este mundo era através da ponta da espada, e isso me decepcionou bastante. Além disso, a necessidade da Ubisoft de te colocar a 30s de qualquer conteúdo “engajante” - se você considera outposts engajantes - fez com que o lugar parecesse sempre socado, apertado - a história principal não chegar perto dos desertos mais “desertos” (haha) no Sul do mapa foi um desperdício, já que lá tinha potencial enorme para explorar a sensação de solidão que Bayek sentia.

A história tenta pesadamente ser um “greatest hits” - o cerco de Alexandria; Cleopatra; o assassinato de Julio César. Ela pula de ponto a ponto com pouca deliberação e meditação sobre a jornada de Bayek, salvo por alguns capítulos como o do Percevejo, que, não por coincidência, acabam por ser as melhores partes da história (ainda que não sejam boas). Bayek brilha através dos pequenos momentos, com seu jeito de paizão e seu amor pelo Egito, igualmente carismático e bruto, exalando intensidade. Ver esse lado dele ser visto apenas em detalhes e side quests enquanto na história principal ele é apenas carregado de lado a lado por outras pessoas, removido de sua agência, é uma tristeza. A história dele com Aya, que começa fantástica, também sofre muito pela necessidade da narrativa virar, rapidamente, a origem dos assassinos - não entendi e não senti impacto na decisão dos dois de se separarem, jogar fora seu amor e virarem assassinos. Gostei como isso foi lentamente sugerido no começo, mas a execução foi acelerada e porca.

Quanto ao combate, consigo ser mais positivo: gostei de quão dinâmico e bruto ele consegue ser, com o dano x2. Nunca foi difícil, mas toda lutinha se transformou em um espetáculo bem divertido. As animações são fortes, frenéticas, cheias de impacto. Infelizmente, o sistema de leveling por trás disso tudo enfraquece bastante a parte mecânica por trás, mas o level scaling automático ajudou em deixar sempre os inimigos no meu nível e não me preocupar com isso. Assassinatos instantâneos removeram boa parte da dificuldade de alguns assassinatos, porém imagino que não tê-los assim tornaria a experiência mais desagradável ainda - que a Ubisoft consiga dançar em volta da força da hidden blade através de level design e guardas que se adaptem, não porcamente através de números.

Gostei, também, de trocar a Eagle Vision pelo controle da Senu - ter um animal de estimação é sempre um positivo. Não gostei da dependência e capacidade dela, porém, já que quase toda busca e reconhecimento não é feito através da curiosidade do jogador, e sim das marcações de Senu (que, ridiculamente, vê através até de cavernas). O jogo não se adapta nem um pouco à sua estratégia dominante, focando sempre em aumentar os números artificialmente para tentar lidar com elas. Ir na rota de MGSV seria muito mais satisfatório e inteligente.

Quanto aos DLCs: eu achei que ambos foram divertidos, porém ofereceram conteúdo muito similar ao jogo principal. Hidden Ones faz sentido como o epílogo da história, e achei que ele teve as missões mais bem trabalhadas do jogo, dando ao menos um pouco mais de ênfase em level design. Já Curse of the Pharaohs fez basicamente o mesmo que o jogo principal, só que trocando os guardas por seres mitológicos (que se comportam da mesma forma) e adicionando áreas que, enquanto lindas, são apenas mais do mesmo.

Sei que essa parede de texto faz parecer que odiei o jogo, porém vejo minha decepção mais como um caso de potencial desperdiçado. Com uma visão mais focada e menos market-based, esse jogo facilmente seria um jogo estelar. Vamos esperar Valhalla para ver se caminham nesta direção (Odyssey caminhou na contrária, aparentemente, mas é feito por outro estúdio).

OST do be banging tho

Reviewed on Nov 03, 2020


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