Silver Case esteve comigo por três meses, sendo a minha canção de ninar na maioria das noites. Com seus ambientes vazios e o barulhinho de máquina de escrever que o texto faz, revelou-se promissor produtor de melatonina, apesar dos raios claros do Steam Deck fritando meus olhos na madrugada.

A primeira impressão é a que importa e a que fica: duvido que jogarei tão cedo alguma VN que consiga desafiar esta em sua apresentação. Menus dinâmicos, janelas voando, trocando de forma, o fundo em fluxo constante - é o sonho estético de todo mundo que tenta representar uma ‘websfera’ dos anos 2000. Ainda que superficial, vejo este fator como extremamente importante no meu aproveitamento da obra, já que é uma execução fantástica como essa que romantiza e confere personalidade a um ato que não é muito diferente do de passar slides - só o barulhinho modular do texto conforme você apertar um botão ou outro já é uma coisa que deixa tão mais gostoso de se ler.

Não que eu queira reduzir Silver Case à uma VN tradicional: uma enorme parcela do jogo envolve um dungeon crawl - livre de estados de falha e cheia de momentos de tédio e banalidade - por masmorras do cotidiano presas em estase, como shoppings, apartamentos, escritórios e indústrias, espaços liminares desprovidos de qualquer alma viva.

Silver Case é sobre transitar nestes espaços, tatear as paredes de Tokyo-24, habitar essas zonas solitárias. Sobre processo, bater em centenas de portas, investigar cada porta e gaveta e email a troco de nada. Sobre rotina, acordar na mesma cama centenas de vezes, ir e voltar pra casa, ir ao bar de vez em quando ou bater um papo com sua tartaruga. E claro, sobre conversar com gente esquisita que fala engraçado e me faz sentir constantemente apequenado diante do turbilhão nonsense - não precisa fazer sentido.

Foi confuso e muitas vezes entediante ao ponto do sono. Estou vendido. Silver Case tem a soberba, a panache e o espírito irreverente que fica gravado na memória muito mais do que uma historinha bem amarrada. Daqui uns anos, eu posso não lembrar o nome de ninguém do jogo, mas pode saber que vou lembrar como era transitar as ruas e condomínios da cidade, e daquela vez que tive que tocar na porta de 20 apartamentos mais de uma vez na mesma missão, ou da forma deliciosamente bizonha que todo mundo conversa, da sonoplastia icônica e saborosa que cada transição de cena tem, ou da foto da lua com palavras malucas que sempre aparece no final de cada capitulo… Caralho… Que trilha sonora foda, irmão… Today’s WORD phrase is…

"BELIEVE IN THE NET"

Reviewed on Jun 21, 2023


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