3 reviews liked by Kaybleiber


Mega Man X6 representa a imagética do apocalipse de forma plena. É um jogo repleto dos obstáculos mais velhos de Mega Man: buracos e espinhos. A construção das fases dialoga meticulosamente com os temas do jogo, o nosso salvador está morto e os reploids que sobraram estão se matando de pouco em pouco; a sociedade foi danificada de forma irreparável, o arrebatamento aconteceu, os poucos sortudos subiram e só sobra repetir o ciclo da luta entre o bem e o mal.

Me parece extremamente apropriado que as fases do Mega Man X que "não precisava existir" -considerando que X5 era pra ser o final definitivo-, sejam todas abstrações de conceitos bem definidos. Florestas, museus, lixões, laboratórios; conforme os robôs ficaram mais humanos, mais a verossimilhança com o nosso mundo foi se reduzindo ao ponto de retornar à ludicidade dos Mega Man de Nintendinho.

MMX é uma série que gosta muito de brincar com a dualidade do personagem do Zero; ele frequentemente tem sua moralidade questionada, é uma existência que vive na contradição de ser o grande herói mesmo sendo um assassino. São jogos que falam muito sobre a visão distorcida que se pode ter de um herói quando esse é inserido no contexto da guerra. MMX4 dá consciência pro Zero e transforma ele num herói trágico com algum tipo de remorso, mas incapacidade de impedir o ciclo por causa do senso de dever, e MMX5 joga os pecados do mundo nas costas dele pra fabricar a existência de um sacrifício messiânico.

MMX6 inverte os papeis de suas figuras centrais. Como o Niel disse na review dele (vou deixar linkado nos comentários) "nesse jogo você precisa reviver o diabo pra te ajudar num apocalipse ludológico". É cômico que o Zero seja realmente o diabo desse mundo, no sentido mais literal possível de ser quem vem pra roubar, matar, e destruir. No X3 foi apontado que enquanto o Zero estivesse vivo, não haveria paz. Em X6, ele morto, continua -mesmo que indiretamente- causando caos. Gate, por outro lado, é um cientista; um cientista que criou diversos robôs e nenhum deles conseguiu sobreviver no status quo que o Zero lutou a vida toda pra proteger.

Em resumo: sua missão é assumir o papel do diabo pra ceifar a vida dos servos revividos do "criador", deus de uma nova era. Andar no laboratório cibernético do Gates enquanto passa por incontáveis estátuas de anjos e demônios te faz pensar que realmente é um jogo sobre forças contraditórias numa batalha eterna lutando pra decifrar o sentido "correto" da vida como robô. O Sigma (e por consequência o Gates) acredita que os reploids precisam aceitar os sentimentos perversos da humanidade, é o caminho da evolução. X luta uma guerra infindável pra descobrir como batalhar contra as piores partes da consciência, e vê a paz como motivador principal.

Não sou eu quem vai querer julgar as morais de X6 (apesar de ter feito isso com o X5 por particularmente odiar o jeito com o qual eles lidam com a política do mundo naquele jogo), mas talvez o Sigma ser "poeticamente fácil" -citando de novo o Niel- nos diga alguma coisa sobre quem o mundo dos deuses escolhe vomitar ao invés de engolir.

Não ironicamente, talvez já tenha o meu GOTY aqui. e eu ficarei MUITO triste se não for indicado a GOTY. Isso é o pináculo do que é botar o amor sem limites numa obra, fazer ela feliz, fazer ela divertida e leve, e fazer ela sem medo dos julgamentos, pq é a simplicidade e ainda sim, a técnica impecável usada nele, que faz toda a diferença, nossa senhora eu to apaixonado nesse jogo.

Uma surpresa. Joguinho bom, se a nota fosse apenas baseada na história, seria um 10 fácil. Gostei muito dos twists e seus personagens são muito cativantes, a apresentação também é muito boa.

Não dou 8 pelo fato do overworld não ser tão impressionante quanto as outras partes do jogo, mas ainda é um jogo que vale seu tempo.