Tem spoilers, de momentos, músicas, chefes, mecânicas. Não necessariamente de história.

Já que isso foi minha primeira run, vou considerar como “primeiras impressões” e por ser um action game, provável que eu mude de opinião (não necessariamente sobre a qualidade) ao longo que vou dissecando melhor o jogo e suas mecânicas (não esperava acompanhar tech labbing de um jogo novo tão cedo pós-Bayonetta 3 lol)

Queria primeiro agradecer ao John Johanas (diretor do jogo) por descrever o cerne do jogo como “acessibilidade para todo mundo se sentir bem jogando”, pois muito do que as pessoas discutem na internet sobre acessibilidade envolve Hidetaka Miyazaki, Souls e “a visão artística ao integrar o desafio como substância de seus jogos (ou qualquer merda que soe inteligente)” e, analisando bem, não invalido totalmente essas ideias ao mesmo tempo que não veria problema em oferecer mais opções pro player. É mais sobre qualidade de vida do que qualquer outra coisa. Trouxe esse exemplo porque é engraçado pensar de que, em contrapartida, exista um jogo, recente, com um budget não tão alto, sendo lançado de forma shadow drop e colaborando com o ecossistema do Xbox cujo o maior objetivo artístico é… ser acessível? E ser acessível pra que? Pra fazer qualquer tipo de jogador se sentir bem jogando.

E o que significa se sentir bem jogando? Game feel, em inglês. A sensação palpável de interagir com a virtualidade do videogame. Não é se sentir necessariamente bem, mas se sentir. Bom, no fim das contas, o “se sentir bem” acaba resultando da introspecção do próprio jogador, e assim, há jogos com controles propositalmente truncados pra passar o exato oposto do que é se sentir bem, mas, no caso de Hi-Fi Rush, a positividade do som, do ritmo, da música, tudo através da interação, é o que define esse jogo.

Ter tantas opções de acessibilidade, dificuldade, parâmetros adaptáveis e tudo sendo instruído da forma mais diegética e divertida possível, é o que provavelmente John Johanas tava falando sobre ao descrever esse jogo. A mecânica principal é “bater no ritmo”, mas na prática é “apertar” no ritmo, e, apesar de ter isso como seu maior diferencial no combate, o ritmo da música SEMPRE vai acompanhar os inputs do player, mesmo que ele erre o timing das coisas. É surreal como até em termos de proximidade entre as duas linguagens (música e game design) esse jogo é bem construído pra todo mundo jogar. Ninguém se sente diferente, de fora, menosprezado pelo jogo, é um game que consegue produzir dopamina a um nível em que a autoestima exploda de tão alta.

E mesmo com tantas preferências e controle sobre o jogo a ponto de automatizá-lo, ele é tão, tão bem construído que consegue manter o desafio em dia, rechear o design de inimigos com propriedades únicas, diferentes, criativas, a ponto de que praticamente o toolkit inteiro de Chai é viável pra maioria das situações. Faz o jogador compreender e querer aquilo, se sentir encorajado a testar várias ideias, setups, desafios autoimpostos, coisas do tipo. Me lembra até Devil May Cry 3 nesse sentido que, ironicamente, é o maior divisor de águas do gênero e compara-lo com um lançamento surpresa de 2023 é um elogio e tanto. Pra resumir, DMC1 era suco de resident evil, abordava algo mais básico com algumas nuances bem exponenciais, enquanto DMC2 era desbalanceado a ponto da pistola ter dano maior que a espada, DMC3 reformulou completamente o sistema de combate da franquia, adicionando estilos, um style meter refinado, inimigos mais reativos, etc. Com isso, DMC3 mecaniza a abordagem “estilosa” da série e acaba estimulando a expressão do jogador dentro dos parâmetros do jogo, o que também encoraja a criação e consequentemente aumenta a autoestima. Você se sentir parte daquele sistema através de combos, estratégias ou qualquer outro tipo de unidade na expressão do combate, elevou o gênero (hack and slash e posteriormente character action por hippies como eu) e cá estamos em Hi-Fi Rush se expressando não só através do lado mecânico da coisa mas também de forma musical e rítmica, e, pela comparação que eu fiz, Hi-Fi Rush é tão bom em ensinar o player a ritmar suas ações quanto DMC3 é em ensinar o player a criar e variar combos. Expressão -> Criação -> Autoestima.

E caralho, o jogo imprime essa ideia de “ritmo” de uma forma tão alastradora que até os OBJETOS NÃO-DESTRUÍVEIS DO MAPA DANÇAM CONFORME O RITMO DA MÚSICA QUE TÁ TOCANDO. Os passos do Chai também, o beat ao redor da 808, os inimigos, tudo. Repetindo um comentário que li do SetnaroX, esse jogo é um vídeo de combo jogável: tudo sincronizando com a música em prol do estilo e do… ritmo.

Dito isso, não sei até que ponto esse jogo é legal pra se jogar com essa mentalidade. Numa próxima run vou tentar me aprofundar melhor no jogo, mas gosto que os INPUTS são o que entram em sincronia com a batida das músicas, e não a animação do move em si. Isso cria uma dinâmica interessante, já que a maioria dos golpes podem ser cancelados com o dash (em qualquer frame) e pulo (não dá pra cancelar no frame ativo).

Talvez os youtubers criem uma nova vertente? HI-FI RUSH COMBO MAD: OFF BEAT. Também li a ideia de moddarem o jogo pros players inserirem QUALQUER música no jogo. Seria praticamente um Beat Saber character action. O tempo dirá, uma run não é o suficiente pra apontar “do que esse jogo é capaz” e “do que ele não é”. Ao menos não em sua totalidade, mas já posso citar alguns nitpicks que tenho com o combate:

-> Limite de 1 dash no ar por vez. Tu só pode dar dash denovo ao tocar no solo. Isso me incomodou mais do que eu gostaria de admitir
-> Dash extra caso tu acerte o timing no ritmo da música, tendo como máximo, 2 dashes por vez. Isso é bem legal, mas essa regra não funciona no meio do ar e acho que um pulo extra seria legal também nesse caso. Assim como o Dante só consegue dar triple jump com o Devil Trigger ativado, o Chai só poderia fazer isso se pegasse o timing da música.
-> Limites no próprio sistema de ritmo: o ímã e o parry não são considerados e o batidão só pode ser executado com ataques e ataques sincronizados. Oportunidade perdida pra colocar até o botão de PAUSE como input de ritmo. É exagero meu, mas o lance do batidão é uma reclamação verdadeira, já que o jogo considera que tu errou o beat se usar o dash no lugar do ataque, o que é realmente uma oportunidade perdida.

De qualidade eu acho que já falei bastante. O combate desse jogo é catártico pra caralho, no sentido mecânico e musical, e fico feliz de poder escrever esse tipo de coisa de forma séria. Gosto que pegaram um “sistema de prioridades” parecido com Ninja Gaiden aqui: pela falta de direcionais e pela câmera ser super intuitiva, decidiram não colocar lock-on no jogo. Não tem nem com o analógico, nem o “soft lock-on” (que é só alterar a postura do personagem). O Chai bate de acordo com suas prioridades, sendo a principal delas: distância. Ele sempre vai atacar o inimigo mais próximo dele, mesmo se ele tiver de costas. As outras prioridades se baseiam em mecânicas do jogo: o ímã vai sempre focar nos inimigos que estiverem no ar, a Peppermint vai sempre atirar nos inimigos com o escudo circular azul, e por aí vai. Não cheguei a testar se tipo de inimigo/vida são determinantes, mas é isso por enquanto.

Curto muito como os inimigos se comportam nesse jogo e deve ser um dos jogos com o melhor uso de “inimigos com escudo/que bloqueiam/que dão parry” que eu já vi. Cada tipo de inimigo tem certo recurso defensivo diferente que pode ser contornado de acordo com tal companion. Inimigos que pegam fogo e ficam imunes, só podem ser rebatidos pela Korsica, por exemplo.

Deixá-los vulneráveis e meter a porrada é satisfatório porque a física do jogo também tá de acordo com o ritmo da música, fora que ele pega uma regra parecida com a de Bayonetta 1: se o inimigo perde o escudo, ele tá completamente vulnerável pra virar uma bolinha de ping pong. Os juggles com os batidões são extremamente satisfatórios e o relaunch é praticamente infinito caso tu saiba utilizar bem os ataques sincronizados dos companions. Utilizar todas essas mecânicas que o jogo te oferece pra brincar com diferentes situações e ainda sim manter o ritmo da música… é o tipo de sonho que eu tinha antes desse game lançar. Até onde meu conhecimento permite, sim, o jogo tem suas restrições na criação de combos, mas a forma em que os encontros fluem é tão divertida – e desafiadora, ao mesmo tempo – que tu sente que cada move do Chai tem sua relevância: dar dano, quebrar escudo, aparar ataques, fugir e se aproximar de inimigos com o ímã e utilizar as diferentes propriedades de cada companheiro ali é o que faz de Hi-Fi Rush ser surpreendentemente profundo em termos de mecânica.

O sistema de ranking é outra coisa que gostei muito do game. Nos encontros, ele não penaliza morte e itens usados (até porque nem tem item ativo no jogo), e a punição pelo dano que tu toma só é considerada no medidor de estilo, ou seja, tu não precisa se cuidar ao máximo pra não tomar dano nos encontros porque a nota S ainda é possível. Ele estimula o diferente uso de moves, combos, ataques especiais e sincronizados diferentes e ao mesmo tempo, a gimmick principal do jogo que é atacar conforme a música: tu causa mais dano (logo, o problema com o tempo de resolução diminui), teu multiplicador de estilo aumenta e ainda é considerado em porcentagem o quão bem você foi no timing naquele encontro. É legal que o jogo não demanda muito perfeccionismo (ao menos na dificuldade normal) e que tu não precisa de 100% de timing, tempo perfeito e estilo alto pra pegar um rank S. No final de cada track (capítulo), o jogo faz uma média de timing, dano recebido, mortes e todos os seus rankings, o que acaba formalizando algo bem menos frustrante pela falta de necessidade de ficar atualizando toda hora a tua nota em todos os encontros (tipo Bayonetta)

Apesar de ter elogiado muito os inimigos do jogo, os chefes são a atração principal aqui: é METAL GEAR RISING CARTUNIZADO e isso me deixa muito feliz. Todos eles são figuras importantes do jogo (exceto o primeiro) e integram muito bem as mecânicas do jogo na luta. Basicamente, o que um chefe deve fazer? Varia muito conforme as circunstâncias, o jogo, os objetivos, as ideias, as preferências, mas os chefes de Hi-Fi Rush sintetizam tudo o que tu aprendeu entre eles (de um chefe pro outro) nos levels de uma forma muito divertida. Talvez nem tudo seja sintetizado, mas vou falar de um por um:

QA-1MIL -> Primeiro boss do jogo, testa o timing do player, os reflexos com o dash, o posicionamento e o batidão. Basicamente o começo do jogo né
Rekka -> Primeira luta com o uso de um companion, faz bom uso de tudo o que teve na primeira bossfight + os ataques sincronizados da Peppermint
Korsica -> PARRY. PARRY. PARRY. Como tudo nesse jogo, o parry tá em sincronia com a música e certos inimigos (mini-bosses e bosses mesmo) atacam como uma forma de minigame em que você precisa aparar tudo no ritmo da batida. A luta inteira da Korsica é basicamente só esse minigame.
Mimosa e Roquefort -> Agora com parry e 3 companions, esses chefes (a Mimosa, principalmente) demandam o toolkit inteiro do Chai
Kale -> Boss final do jogo, a primeira fase é parry only, a segunda ele é completamente invulnerável até tu tirar o escudo com algum companion e a terceira é mano a mano. O final é clichê, mas é basicamente um minigame de ritmo em que todo o teu grupo de companions ajuda pra dar o final blow no chefe.

Todas as lutas são extremamente divertidas de jogar e também oferecem um espetáculo absurdo, tanto visual, quanto sonoro. O visual é autoexplicativo porque a equipe de direção visual e character design caprichou TANTO que nem preciso comentar muito, mas um destaque aí pra Mimosa que é provavelmente meu chefe favorito do jogo. E a parte sonora… bem, eu queria algo mais puxado pra Metal Gear Rising, onde o vocal da música estoura em determinado momento da batalha. Isso acontece na primeira bossfight do jogo, mas nas outras é menos perceptível. E apesar de ter ficado MUITO feliz com a música que escolheram pro boss final, a voz do Trent Reznor ter menos volume do que a dos personagens do jogo é sacanagem demais mané.

Combate a parte, muito do que fluiu os levels do jogo pra mim foi o quão divertido é atravessar as coisas. Pular, dar dash, usar o ímã, e a exploração num geral: aqueles momentos de “hm, qual será a sala certa pra progredir que eu quero deixar pra depois?” são resolvidos pelo quão intuitivo é a exploração desse jogo, e também o quão gostoso é a travessia. Mas acho que pra um mapa tão bem construído, cada canto investigado te recompensar só com loot é um pouco decepcionante, achei que teria encounters secretos/secundários por aí. E talvez tenha, mas só no pós-game, que eu não joguei ainda.

Questão de história, narrativa, personagens, estética visual e apresentação do jogo, pode-se dizer que o jogo atingiu todas as minhas expectativas e mais um pouco. Essa merda é um desenho da Cartoon Network jogável, cheio de referências a cultura pop, cutscenes estilizadas, brincando com as animações, imitando spider-verse, personagens contando piadas que eu já devo ter visto pior em algum desenho por aí e os vilões mais caricatos (e carismáticos!) da história. TEM UM VILÃO QUE FAZ JOJO POSE, CARA. O jogo é clichê, adolescente, o design do protagonista é genéricasso e a personalidade dele pode ser o negócio mais irritante do mundo pra alguns, mas são passos dados na direção certa, na medida certa, porque o game não tenta esconder em momento algum o que ele quer ser. Os momentos sérios são melodrama, e o bom humor do jogo é tonalizado de uma forma legal o suficiente pra entrar em harmonia com o resto – até mesmo na parte mecânica.


Eu diria que essas 5 estrelas que eu tô dando pra Hi-Fi Rush é porque nenhum outro jogo toca The Perfect Drug na porra do chefe final.


Provável que eu vá rejogar diversas vezes e volte aqui com um texto 5x maior!!! (ou não)





Reviewed on Jan 28, 2023


10 Comments


1 year ago

desculpa SPAMMAR a questão de DMC3 e a autoestima é que eu me senti purificado jogando essa merda


espero que compreendam

1 year ago

De novo: belo texto! Quanto à questão da acessibilidade, parte do meu problema advém da ressignificação que paira sobre toda a discussão, visto que a posição dos indivíduos que realmente sofrem em razão da falta de acessibilidade nunca é levada em conta na discussão. Com efeito, todo o debate relativo ao modo easy (que por algum caralho se tornou a panaceia para resolver um problema estrutural) apenas existe porque as pessoas com deficiência estão em uma posição periférica, o que possibilita a normalização de discursos sem qualquer preocupação quanto à vivência do referido grupo. Diante disso, vejo este vídeo como uma última fagulha de esperança: https://www.youtube.com/watch?v=asomYUAhxu4

1 year ago

Reclamação à parte, gosto de como sua abordagem mais analítica — vejo-a muito como uma dissecação mecânica, tlgd? — mescla-se com trechos mais intimistas e partes mais alheias (diretamente, pelo menos) ao cerne do texto, tais como a passagem que se conclui — maravilhosamente, por sinal — com "Beat Saber character action".

1 year ago

@Soho de fato, as pessoas com deficiências deveriam ser grupo de prioridade quando essa questão é levantada. Acho que nem me aprofundei tanto sobre isso no texto. Hi-Fi Rush inclui uma opção para pessoas com daltonismo, por exemplo, e apesar de ser básico, a maioria do que eu joguei não tem isso kkkkkkkkkkk acho que preciso jogar mais jogos recentes, não sei...

Essa é a única configuração mais "específica", mas o resto também pode ajudar bastante: diversas opções de legenda e dublagem, modo streamer, opções de dicas, tamanho de fonte, desativar o chromatic aberration, modo de gameplay automática e seleção de dificuldades que ESPECIFÍCA o que muda no jogo. São configurações que mesmo básicas, ajudam muito e a muito dos AAA de hj em dia fazem esse descaso com a acessibilidade.

O de dificuldades é algo bom até pra mim que pretende jogar no hard porque o jogo tá sendo transparente com os parâmetros de desafio de acordo com cada modo

1 year ago

@Soho valeu, amigo. Sempre tento manter a linha fina entre o "será que tô parecendo pretensioso demais?" e "ninguém vai me levar a sério utilizando palavras tão básicas, vai parecer um texto automatizado isso aqui", mas overall me sinto satisfeito com minha escrita, apesar de certos vícios (muitos vícios)

1 year ago

Pô, peço desculpa se percebeu o rant como uma fala desnecessariamente inquisitiva (ou agressiva) a você, porque foi apenas um desabafo mesmo. De qualquer maneira, muito obrigado pelas informações acerca dos recursos de acessibilidade. No mais, no que se refere à sua escrita, gosto do quão genuína e cristalina ela aparenta ser, o que a torna adorável mesmo se levar à mesa os deslizes quanto à forma.

1 year ago

@Soho nah, interpretei de boa mesmo, só quis adicionar um comentário

Obrigado pelos elogios!!!

1 year ago

Sobre acessibilidade, vou só largar isto aqui e sair correndo. 👀

1 year ago

(no mais, ótimo texto, mandou bem!)

1 year ago

Otima review, expressa bastante oq eu senti ao jogar esse game!