Durante essa análise irei debater sobre assuntos comparativos sobre Breath of The Wild e Tears of The Kingdom e descrever alguns problemas e possíveis soluções para esse novo formato que a série está tomando. Cuidado com os eventuais spoilers!

Em uma época com tantos lançamentos grandiosos na indústria dos videogames, Breath of the Wild foi o que mais cativou minha atenção nessa nova safra. Sua ênfase na liberdade deliberada em um mundo gigantesco reformulou nossa visão de mundos abertos em jogos. No entanto, muitos conceitos primordiais da franquia The Legend of Zelda foram sacrificados para tornar essa experiência possível. As Divine Beasts são relativamente fracas, os shrines têm uma variedade limitada, e o grupo de inimigos deixa a desejar. Valeu a pena? Com certeza, e não há problema algum em fazer certas escolhas para tornar um projeto com um escopo tão ambicioso uma realidade.

Quando foi anunciado que The Legend of Zelda: Breath of the Wild ganharia uma sequência, muitos fãs esperavam que os desenvolvedores conseguissem moldar essa nova fórmula para incorporar conceitos tradicionais da franquia, como dungeons mais elaboradas e uma narrativa mais densa. Em Tears of the Kingdom, esse objetivo foi em parte alcançado, não de forma direta, mas sim por meio da recontextualização de diversas mecânicas preexistentes.

A fragilidade dos equipamentos foi um dos tópicos mais debatidos entre os jogadores por um longo período, pois no início da aventura, ela permite um combate dinâmico, com trocas frequentes de arsenal tanto por parte do Link quanto dos inimigos, uma vez que esses equipamentos são descartáveis. Contudo, à medida que o jogador se aproxima do desfecho da jornada, o enfrentamento de inimigos poderosos acaba por implicar um desperdício de pelo menos duas armas valiosas, uma vez que os itens deixados para trás carecem de relevância nessa fase avançada da história.
Como os desenvolvedores solucionaram esse dilema? Em vez de meramente prolongar a durabilidade dos equipamentos, a equipe por trás deste título decidiu ir além, demonstrando sua criatividade.

Em Tears of the Kingdom, é introduzida a habilidade "Fuse", permitindo a Link mesclar objetos do ambiente em seus equipamentos para desencadear uma variedade de novas funções. Entre as várias possibilidades, destacam-se: a fusão de armas para expandir sua área de ataque, a combinação de itens elementares para conferir propriedades especiais às armas, e o uso de objetos robustos para aumentar a durabilidade. Além de resolver de forma criativa um dos problemas mais recorrentes de seu antecessor, "Fuse" permite quase infinitas possibilidades do jogador engajar em combates e ao mesmo tempo cria motivos para ir atrás de inimigos mais poderosos que são os portadores dos melhores materiais de fusão. Entre todas as melhorias implementadas, essa certamente se destaca como uma das mais impressionantes em minha opinião.

Sem dúvida alguma, a engenhosa física interativa programada é o aspecto mais impressionante desses dois títulos tornando incrivelmente gratificante explorá-la para resolver desafios em Hyrule. Muito foi comentado pelos desenvolvedores o quão difícil foi fazer essa física funcionar em todas as partes de Breath of the Wild, pois a mais pequena mudança quebrava áreas já feitas dentro do game. Dito isso, o momento que esse sistema é melhor apresentado são nos pequenos desafios impostos em shrines para testar os conhecimentos que o jogador tem das regras e mecânicas estabelecidas no mundo. Embora isso funcione perfeitamente quando as mecânicas estão em seu auge, a realidade é que menos de 50% dos shrines exigem verdadeiramente um pensamento crítico e atenção do jogador.

Para expandir esse processo criativo foi criada a "Ultra Hand", uma habilidade que permite uma interação com o cenário e a física de uma forma jamais vista, encorajando uma maior liberdade para a criação de engenhocas, engajamento em combates, deslocamento e resoluções de quebra-cabeças. Consequentemente, sua inclusão teve um impacto extremamente positivo nas shrines, que agora apresentam desafios muito mais interessantes, demandando um entendimento das novas habilidades do personagem e recompensando a criatividade do jogador. Aqui segue alguns exemplos de boas shrines: Deep Force; todas as Proving Grounds; Fire and Ice; Foward Force; Level Power; Built for Ralis. Não me interprete mal, Tears of the Kingdom possui shrines ruins e bastante repetitivas, mas é evidente um grande avanço na qualidade desses desafios quando comparados com seu antecessor. No entanto, há um problema relevante a ser abordado: a combinação das habilidades Ultrahand com Recall e Ascend acaba por comprometer esse processo criativo. Isso é um ponto discutível, mas acredito que boa parte das shrines sejam possíveis serem resolvidas fundindo um foguete no escudo.

"Quebrar" o jogo faz parte da experiência com esses títulos, algo afirmado pelo próprio Eiji Aonuma. No entanto, as pessoas frequentemente esquecem que o verdadeiro significado dessa interpretação é que os desenvolvedores almejam criar desafios nos quais os jogadores possam encontrar várias maneiras surpreendentes de resolvê-los. Não acredito que utilizar foguetes e abusar das habilidades em quase todo quebra-cabeça encaixe nesse quesito, mas sim que isso representa uma falha no balanceamento de Tears of the Kingdom. Esse conceito será muito mais abordado daqui para frente, uma vez que ele causa um detrimento em várias áreas dessa aventura.

Dessa vez, também temos uma narrativa significantemente melhorada, com antagonista melhor e um arco de desenvolvimento bem elaborado para a Zelda, o que confere uma maior significância ao confronto com Ganondorf. Embora este último não tenha uma profundidade excepcional, apresentar um vilão de forma convincente já faz um bom trabalho nesse meio. A cena em que a Master Sword é retirada da cabeça de um dragão enquanto Zelda discursa é, sem dúvida, a mais impressionante de toda a franquia.

Por outro lado, não sou muito fã da mecânica que permite ao jogador pegar as memórias em qualquer ordem. Em uma narrativa mais coesa como essa, isso acaba por diminuir o impacto das cenas e prejudica a continuidade da história. Em Breath of the Wild, a ordem desconexa das memórias não era tão problemática, uma vez que o conteúdo delas tinha apenas relações superficiais entre os personagens e a narrativa era menos estruturada.

O combate e as várias formas de atravessar o mundo em Hyrule são impressionantes quando atingem seu ápice. Tomemos como exemplo os Gleeoks, dragões que exigem precisão no uso do arco, habilidade de movimentação para desviar de ataques, preparo adequado de equipamentos e até mesmo o uso de poções, se necessário. Esses monstros destacam-se como uma excelente maneira de elevar os embates em Tears of the Kingdom, com potencial para serem tão memoráveis quanto os Guardians. No entanto, mais uma vez, dois problemas fundamentais surgem: o poder excessivo do bullet time e a liberdade de cura a qualquer momento. É compreensível que o uso de várias estratégias para abordar os inimigos seja parte essencial da estrutura do jogo. Contudo, é evidente que essas duas "mecânicas" estão desequilibradas, pois acabam por minar a capacidade de desfrutar de todas as nuances mencionadas anteriormente.

Se você chegou até aqui, é perceptível que quanto mais exploramos as mecânicas e as ideias desse novo formato, mais evidente se torna o problema que afeta esse sistema: a liberdade deliberada. Defendo firmemente que essa liberdade seja a essência artística desses dois jogos; no entanto, seria muito bem-vindo se os desenvolvedores impusessem algumas restrições a essas "quebras" na jogabilidade. Não estou sugerindo que, em uma atualização, removam a hover bike, o bullet time ou a capacidade de usar a ultrahand com recall. Quero expressar que ao estabelecer novas limitações de forma ponderada os jogadores seriam motivados a explorar a diversidade e a criatividade dos diferentes aspectos do mundo, refletindo exatamente a visão de Eiji Aonuma e Hidemaro Fujibayashi.

Outro aspecto preocupante é a crescente quantidade de objetivos que se apresentam no mundo do jogo. Desta vez, nos deparamos com 15 torres, 81 placas do Hudson, 120 lightroots, 139 side quests, 147 gemas de bubbul, 152 shrines, 194 cavernas e, obviamente, 1.000 koroks. Esse excesso de metas superficiais pode levar o jogador a investir dezenas de horas em atividades que não contribuem significativamente para a progressão da história, oferecendo uma sensação de recompensa ilusória - uma falha comum em muitos outros jogos de mundo aberto. Embora Tears of the Kingdom tenha conseguido integrar esses objetivos de forma mais coesa ao mundo do jogo em comparação com seus concorrentes, a obra certamente se beneficiaria ao reduzir esses números para priorizar a qualidade sobre a quantidade. Às vezes, menos é mais.

Por fim, The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom representa a visão idealizada de Breath of the Wild pelos desenvolvedores ao longo desses dez longos anos de desenvolvimento. Com total certeza, é um dos melhores videogames desta geração, inovando em vários aspectos e elevando o padrão do gênero. Fico bastante ansioso desde que Eiji Aonuma mencionou que este é o formato que a série adotará daqui para frente, pois acredito que ainda há muito a ser aprimorado para alcançarmos a visão idealizada do que seria um The Legend of Zelda nesse formato. Espero sinceramente que continuem aprimorando e não retrocedam!






Reviewed on Apr 16, 2024


2 Comments


23 days ago

Acha que o próximo Zelda 3D será outro BOTW, algo diferente ou até mesmo mais tradicional?

De todos os Zeldas eu acho que o BOTW e o TOTK são os mais interessantes.

23 days ago

@Geno123 Acredito que será uma verdadeira evolução do formato que temos no BOTW com alguns aspectos de Zelda tradicional. O próprio Eiji Aonuma comentou que a franquia vai usar Breath of the Wild como base daqui para frente, igual foi feito anos atrás com A Link to the Past/Ocarina of Time. Também penso que o formato tradicional será usado apenas para remakes ou spinoffs.

Com um novo console e uma nova engine seria magnífico ver um mundo de Hyrule vivo, já que BOTW e TOTK se passam em um universo pós apocalíptico. Apenas um outro BOTW desagradaria muitos.

Também sou bastante fã desse novo formato que a série tomou.