Mother 3 é uma anomalia para o modus operandi da Nintendo: sua tonalidade multifacetada, seu levantamento de temas *sérios* e sua mensagem anti-capitalista e profundamente simpatética da natureza humana são os tipos de problemas cujo quais a empresa gostaria de se afastar - irônico e profético por parte da obra de Shigesato Itoi.

De cara, já se nota que o tempo, tecnologia e maturidade fizeram muito bem à série: Mother 3 é maior e melhor que Earthbound em todos os aspectos, e carrega uma gravidade muito mais intensa ao redor de tudo que tem pra falar - é impressionante como que uma história que em quase todos os momentos está trilhando (isso implicaria cautela, está mais para sambando) uma linha tênue entre o nonsense engraçado e um desespero crescente e infreável consegue rapidamente se organizar em momentos de verdadeira intensidade dramática. Infelizmente, muitas vezes não consegui pegar o ritmo desse vai-e-volta tão bem quanto o jogo tenta te guiar, e acabei achando que algumas vezes estava não me importando muito com o que o jogo julgava importante comunicar porque não fui efetivamente fisgado. Muita gente fala dos personagens, e de como eles são um grupo que fica no seu coração mesmo não sendo muito comunicativos, e infelizmente não senti isso. Lucas não pareceu muito diferente de Ness para mim, e a parte que de longe mais me engajou em relação aos personagens foi o começo fantástico com apenas Flint e Boney (que chamei de Charlie, em homenagem ao meu cachorro visualmente bem similar e tão capaz de violência quanto seu sósia digital). A urgência narrativa e a aura de mistério e agonia que permeia o primeiro capítulo, misturadas pela dinâmica - cliché, porém interessante - de um pai de família e seu fiel cachorro, culminando na tragédia final, foi um baque de qualidade de narrativa e apresentação que não estava preparado ao vir de Earthbound. Em geral, diria que gostei mais dos capítulos que brincam com a dinâmica do grupo, misturando perspectivas e personagens diferentes, e sinto que faltou mais disso no fim do jogo - embora entendo que alguma hora queriam o grupo todo junto para a aventura mais “clássica” de buscar as Sete Agulhas.

Como não estava muito investido no grupo, não esperava que o final seria para mim o estrondo que foi para a maioria das pessoas que falam dele. Estava parcialmente certo, porém admito que a situação vai apelando tanto pra situações desastrosas que pegam qualquer um com um coração (tragédia; tragédia envolvendo criança; drama familiar; exaustão; desespero diante da impotência) que acabei me emocionando bem mais que eu esperava - acho que se a relação entre os irmãos tivesse sido melhor explorada no começo (e.g. se tivessem um capítulo dos dois juntos tão bom quanto o de Flint e Boney) eu teria caído em prantos no final.

No fim, não fui fisgado emocionalmente como muita gente foi, e isso me entristece um pouco. Ainda assim, consigo apreciar suas qualidades, e vejo aqui uma obra de calibre grosso, que sabe como pouquíssimos jogos ser engraçada (quiçá o jogo que mais me provocou risinhos), triste, cheia de coração e originalidade, sem precisar esconder os dentes diante de uma mensagem política que pouquíssimos jogos tem coragem de contar, muito menos com tanto tato. É tragicamente lindo que este seja o último jogo de Itoi.

Eu não consegui um combo maior do que 6, mas é culpa do emulador, eu juro.

Reviewed on Oct 17, 2021


3 Comments


2 years ago

Dauntless and insurmountable feat would it be to fill in Earthbound's ridiculously sized shoes, but nonetheless not only does Mother 3 achieve such task, it charts its own course through one of the most unique and thoughful experiences the medium has ever seen.

2 years ago

Concordo!

2 years ago

toma-le pai é genio