Primeiramente, sim, Disco Elysium é tudo isso que falam por aí e merece todo o hype. Inegavelmente irá se tornar um clássico moderno e uma evolução de algo que começou lá com o primeiro Fallout.

Aqui você controla um detetive que perdeu a memória em meio a um caso que ocorreu em uma cidade envolta em uma complexa e densa trama política. Se o detetive não acordar logo para a vida, resolver suas merdas pessoais, e solucionar o caso a tempo, uma guerra civil poderá acontecer.

Normalmente quando se fala de jogo de RPG, as primeiras coisas que vem em nossa cabeça são: lutar contra inimigos, ganhar níveis e fortalecer o personagem através de habilidades e equipamentos. Se parar para pensar, Disco Elysium tem tudo isso, menos a parte de derrotar os inimigos fisicamente, o jogo não tem sistema de batalha. Esse é um 'RPG de Detetive', e a experiência para adquirir níveis vem através de descoberta de pistas, ao retirar uma informação de uma testemunha, explorar os mistérios desse mundo, e ajudar as pessoas pelo caminhos.

O jogo é todo focado em diálogo e exploração, e a forma como isso é feito é a chave do sucesso que destaca esse jogo de todos os RPGs do mercado. Você tem um sistema bem complexo de apoio para os diálogos (volição, autoridade, retórica, empatia, etc.) e exploração de cenários (instrumentos físicos, agilidade, resistência, reflexo, etc.), e a forma como o jogo trata isso é como se cada uma dessas pequenas habilidades desses dois grupos fossem vozes na sua cabeça que te aconselham e te auxiliam dando uma maior porcentagem para passar de checagens para que você possa cumprir com os seus objetivos. É como se dentro do personagem existissem diversas vozes que ficam mais aguçadas a medida que são evoluídas com os pontos de habilidade ao subir de nível; essas vozes conversam com você, entram em conflito com as outras vozes, e guiam o jogador de acordo com o tipo de personagem que ele está criando. Outra coisa que eu acho fantástica, é que existem checagens que quando falhamos, progredimos com a história mesmo assim, agora com um evento ou caminho alternativo, o que incentiva o jogador a seguir em frente mesmo conforme vai fazendo cagadas pelo caminho. As possibilidades são quase infinitas.

O mundo de Disco Elysium, como citado anteriormente, é complexo e denso, a cidade de Revachol passou por muitas mudanças rápido demais, um modo de produção semifeudal foi substituído pelo socialismo, e logo após houve uma coalizão que destruiu esse sistema para implantar o capitalismo. Não só essa pessimista e pobre cidade é um caldeirão de pessoas com ideologias diferentes e conflitantes, mas agora o detetive que veio para solucionar esse caso tão complexo é o detetive mais lamentável, beberrão, causador de problemas, e que ainda por cima agora está com amnésia!!!

Diferente de outros RPGs como o próprio Fallout, aqui em Disco Elysium temos um personagem com uma história, personalidade e aparência pré definida, no entanto, agora que ele está com amnésia, o jogador é quem define o tipo de detetive que ele quer ser: um cara mais cerebral, mais sensitivo, porradeiro, honesto, corrupto, doidinho, pé no chão, estrelinha, arrependido, bonzinho, babaca, bêbado, e até mesmo a sua ideologia. O jogo leva em conta tudo isso, então escolha suas falas com cuidado e evite esgotar diálogos caso eles não correspondam com o seu tipo de personagem já que isso pode te foder. Em busca de sua própria identidade, você pode abraçar quem você era antigamente ou então abraçar uma nova identidade. Normalmente, jogos como Fallout que possuem um protagonista 'página em branco' sofrem por limitar a história desse personagem para atender ao desejo de interpretação de papel do jogador. Disco Elysium faz um contorno desse problema colocando na mesa um clichê, personagem com amnésia, só que esse é um grande exemplo de um clichê sendo usado para o bem já que o detetive da história é um personagem muito interessante e fica ainda mais interessante com a interação do jogador.

Em minha experiência, eu quis fazer um personagem que pudesse superar os problemas do passado e recomeçar a vida de cabeça erguida ficando livre da bebida, das drogas, e sempre em busca de ajudar as pessoas ao meu redor. Dessa forma eu pude ver desenrolar do jogo de um jeito muito pessoal. Não só eu tentei ser o mais justo possível, mas joguei o jogo de forma a sempre seguir em frente mesmo percebendo que escolhi opções erradas de diálogo e mesmo falhando algumas checagens. Nesse cenário pessimista, todo mundo vai fazer o possível para te passar a perna e te colocar para baixo, muitas vezes de uma forma bem cruel, e a forma como o jogo traduz isso é diminuindo seus pontos de vida e pontos de moral. É como se não só você jogador sentisse na pele a consequência de suas cagadas, mas também o personagem no jogo.

O jogo então acaba carregando muito dessa coisa de que o mundo é cruel, muitas vezes sem sentido, injusto pra caralho, mas que mesmo assim o mais adequado é sempre seguir em frente para melhorar a nós mesmo e se esforçando para criar um mundo melhor ao invés de só se lamentar. Se você insistir em continuar em frente acreditando no que é correto para você, o jogo (e a vida), pode te surpreender.

Eu não consegui nem arranhar a superfície com esse texto que já está ficando enorme. Disco Elysium tem uma profundidade muito grande em seus personagens, diálogos, a forma como ele trata as diferentes ideologias, pequenos detalhes de jogabilidade que provavelmente me esqueci agora, a história riquíssima, e etc. Eu nem cheguei a comentar sobre o Kim, que é um personagem essencial e o maior camarada que alguém poderia ter. Eu também nem comentei sobre a reta final do jogo que é alucinante e muito densa, podendo até mesmo virar um textão só sobre essa parte do jogo. Isso mostra o poder que esse jogo tem, e o tanto que existe para ser comentado sobre ele, tudo é muito primoroso e é representado com muita sensibilidade. Uma experiência que eu nunca vou esquecer e vou lembrar com muito carinho.

Acredito que muito do que foi tratado aqui será levado para a sua vida pessoal e te fazer pensar em discussões muito importantes sobre a vida, política e até mesmo sobre a mídia videogame em si. Se você gosta de ler 'mucho texto', Disco Elysium é essencial.

Reviewed on Jan 22, 2023


6 Comments


1 year ago

Levou quantas horas pra zerar a 1ª partida "às cegas"?

1 year ago

@CDX
Fechei em 26 horas sem o uso de guia.

1 year ago

Porra, o @lpslucasps me falou que dava mais de 70h. XD

1 year ago

@CDX
Eita! Pior que eu joguei na moralzinha, mesmo. Sem rushar nem nada.
Será que eu que fiz alguma cagada? kkkkk

1 year ago

Cê inflou um pouco essas horas, hein, CDX? Eu levei 50 horas na minha primeira partida, mas em parte deve ter sido porque meu char era totalmente desequilibrado (investi tudo em Encyclopedia, a skill mais inútil do game) então tinha que retentar vários white checks.

(Mas o CDX levaria umas 200 horas na primeira vez jogando porque lê lento pra caralho)

1 year ago

Não fui claro. Ele tinha dito que EU demoraria mais de 70h, justo pela minha lerdeza de leitura. XD

E também pela minha mania platinadora