A ideia de autorismo no videogame pertencer apenas ao Kojima é balela. Basta ter um pouquinho mais de critério pra ver que o autorismo pode ser apresentado em um jogo como Flappy Bird - e nisso ambos se encontram. O jogo para celulares do vietnamita Dong Nguyen se assemelha ao PT - Silent Hills do japonês. Ambos foram excluídos de suas plataformas por motivos diferentes mas ambos também foram reformulados a partir de suas criações por outros criadores de modo bastante caricato. Se qualquer um pode criar um Flappy Bird idem a um PT (na composição primária), é simples relacionar que a ideia primária de autorismo vai se dissolvendo na medida que mais referências e moldes são reformulados. André Bazin já mostrou sua rebeldia ao colocar sobre a política dos autores de que a obra é maior que seu autor. Coisa que é bastante comum se pensar que na época do cara, nascido na França, as pessoas olhavam pras grandes construções e já indicavam seus criadores em notas de rodapé, grifadas em placas de ferro. Mas olhar para cima é muito menos favorável do que olhar para baixo. Por isso a bola da vez era de que no cinema dava-se mais atenção pros autores do que para as obras. Bazin indica que a possibilidade de um autor medíocre concluir uma obra prima é gigantesca e sustentar o autorismo somente pelo nome do autor, ou seja, pelo artista unicamente, é arriscado. O autorismo é (e precisa ser) encontrado unicamente na obra pois é ali que se encontra a linguagem e não no campo das ideias - se me permitem uma ideia platônica sobre a mimese e também um pouquinho de Sontag. A construção é uma construção pq vemos ela e não a imaginamos, sendo assim o autorismo de um diretor está apresentada na obra, em primeiro lugar. Nesse sentido, a obra é maior que seu autor. Óbvio que isso pode ser questionado ao passo que Kojima é reconhecido muito mais por seu nome do que pelas obras. O anúncio de Death Stranding na E3 é um sintoma exemplar disso. Pouco interessava exatamente sobre o que era o jogo ou se ali apresentava qualquer ideia mais concreta uma vez que o Kojima estava de volta após PT - Silent Hills e nesse caso acho que Dong Nguyen não teve tempo pra ter o mesmo luxo de ser lembrado na mesma intensidade. Existe a ideia de que autorismo se estabelece apenas em casos mais específicos de jogos de grande orçamento. Mas eu acredito que autorismo está presente em todos videogames. O brinquedo ganhou novas formas de interpretações e ao decorrer das décadas o videogame igualmente conquistou aspectos de uma máquina artística. Death Stranding está nesse caminho espinhoso do qual a pretensão de autorismo se encarrega principalmente numa subversão. Kojima consolidou suas ideias como um desenvolvedor que utilizou da narrativa dos games como um portal para novos estímulos e possibilidades. Sempre do jeitinho dele, o cara conseguiu manter, de modo coeso, um estilo próprio. Uma unidade sobre o que é um jogo de Hideo Kojima. Partindo dessa ideia, obviamente existe un autorismo como igualmente considero que exista um autor por trás do jogo do passarinho pulando entre os tubos do Mario. A única diferença é que Kojima optou e foi privilegiado com a chance de construir um universo muito maior e com uma equipe maior (a Kojima Productions). Mas aí encontramos um ponto essencial para Death Stranding: o gameplay. Essencialmente ativo, o jogador durante as horas de campanha e missões paralelas tem um boneco e um mundo a ser explorado. Porém a forma que exploramos esse mundo que é a cereja do bolo. Por mais simbolismos que Kojima ama fazer e de suas referências ilimitadas, DS é um jogo fundamentalmente de gameplay. Cria um exercício de gameplay e interação online que até pode ser bastante experimental mas que não se manteve nas intenções. Talvez seja um dos jogos do desenvolvedor mais conscientes no sentido de gameplay. A solidão não se mostra por estímulos simbólicos, mas práticos. Você anda "sozinho" pelo mapa, se equilibrando: tudo pela maneira que você interage com o controle. Verdadeiramente não é uma inovação, mas certamente existe uma proposta muito bem definida. Pois é realmente interessante que Kojima opta por várias vezes criar do gameplay até mesmo uma experiência de plataforma. Mesmo tendo suas esquisitices, DS é sóbrio em suas mecânicas conseguindo, inclusive, criar um sentido de união muito dramática. O autorismo se encontra em como Kojima decide resolver suas ideias pela linguagem eletrônica que ele decide resolver, pois a ideia de "mise-en-scene" tirada do cinema para os videogames se encontra no level design. E nisso dou um exemplo: no último festival Ecrã teve um jogo chamado Bagata, de Heron P. Nogueira. Em primeira pessoa, você percorria com o teclado e mouse por construções de uma espécie de museu e era somente isso. O interessante da linguagem proposta por Nogueira se encontrava em como decidiu montar esses cenários e a sua interação com eles. Esse é um pensamento interessante se buscamos pensar sobre o autorismo nos videogames. Os fundamentos precisam ser essencialmente práticos e não apenas simbólicos, pois a simbologia se encontra no arquétipo do autor e nada além disso.

Fugir de uma EP em DS, satisfatoriamente, não está muito distante do pássaro dando de cara em um tubo de ferro.

> Texto escrito por Rafael Gomes