This review contains spoilers

A família da jovem Edith Finch Jr. é amaldiçoada. A morte ronda sua linhagem, levando de forma trágica todos os Finch com exceção de um sobrevivente que consegue chegar à vida adulta e ter descendentes. Após a morte de sua mãe, Edith depara-se como a última sobrevivente de sua geração – e potencialmente a última Finch. Sozinha e procurando algum sentido em sua vida, Edith volta à casa ancestral de sua família pela primeira vez em sete anos. Lá ela pretende desvendar os mistérios que envolvem os Finches, aprender sobre suas mortes e, no processo, refletir sobre sua própria vida e futuro. É com essa premissa que What Remains of Edith Finch insere o jogador num mundo de realismo mágico em que a morte e os construtos sociais e subjetivos que fazemos dela são o tema central.

A mansão da família Finch talvez seja o aspecto mais absurdo da trama e aquele que a deixa no limite entre o realismo mágico e a pura fantasia. Sua arquitetura é bizarra no interior e exterior. Ao a avistarmos pela primeira vez, algo que fica bem evidente é a sua torre de anexo, que parece quase que acoplada de forma não muito segura à estrutura da casa, e dá ao conjunto arquitetônico uma silhueta um tanto surreal – silhueta que, diga-se de passagem, ilustra a capa do jogo.

O edifício tem função puramente simbólica, com sua utilidade como lugar de habitação ficando no segundo plano. A casa é a materialização da árvore genealógica da família Finch, com seu crescimento ascendente desordenado acompanhando a integração de novas gerações à família.

Se por fora a mansão é uma árvore genealógica, por dentro ela é um mausoléu. Cada quarto de um Finch é um pequeno túmulo, preservando artefatos, fotos, pinturas e outros apetrechos que resguardam sua memória e, especialmente, rememoram sua morte trágica. Novos membros da família não ocupam quartos antigos: eles ocupam novos cômodos, que são reapropriados ou construídos conforme a necessidade, até a sua inevitável (e normalmente trágica) morte tornar seu lugar de repouso diário em mais um lugar de repouso eterno.

Esse não é o único túmulo que os Finch ocupam. Além de seus quartos, cada Finch possui pelo menos mais duas sepulturas: uma mais tradicional no cemitério familiar, que se encontra dentro do terreno da mansão, em uma colina próxima; e outra mais abstrato na biblioteca da família.

O acesso de Edith a esses túmulos, não importa a forma que assumam, é limitado no início da narrativa. O cemitério é inacessível no começo do jogo; a biblioteca está trancada e sem uma forma aparente de como acessá-la; e os quartos foram todos selados por Dawn, mãe de Finch, antes de elas abandonarem a casa. De início, Finch pode apenas vislumbrar o interior dos quartos através de olhos mágicos que foram colocados nas portas: um acesso limitado e enviesado à vida de seus antepassados.

Para descobrir os segredos de sua família Edith precisa também descobrir os segredos de sua casa. Em mais um exemplo de seu projeto arquitetônico bizarro, a casa possui diversas passagens secretas que conectam os cômodos de forma inesperada. A chave que a protagonista recebeu de sua mãe como herança, em vez de abrir os portões principais da casa ou algum quarto, destrava uma das passagens secretas. É através dela que Edith inicia a exploração da casa e, por conseguinte, da história de sua família, a começar pelo quarto-túmulo de Molly Finch, sua falecida tia-avó.

Molly nasceu em 11 de dezembro de 1937 e morreu apenas dois dias após completar 10 anos de idade, em 13 de dezembro de 1947. Ela é a última Finch nascida na Noruega: todos os seus irmãos e o resto dos Finch nasceria em solo americano. Seu quarto-túmulo evidencia alguns elementos de sua personalidade enquanto viva. Em maior evidência fica o seu interesse pela natureza, com vários objetos decorativos representando animais e cenários naturais, além da presença de um aquário e uma pequena gaiola para roedores, onde outrora habitavam seu peixinho dourado e gerbilo de estimação.

O objeto de maior interesse para o jogador é o diário da antepassada. Nele temos os últimos escritos da criança na noite de sua morte. Ao manipularmos o objeto, o jogo muda a sua visão, com o jogador assumindo o papel de Molly naquela fatídica noite. Segue-se uma surreal narrativa de seus momentos finais.

Dois dias após seu aniversário, Molly acorda em sua cama sentindo muita fome. Por motivos não especificados ela foi enviada para seu quarto sem jantar naquela noite. Se o jogador tentar abrir a porta do quarto, a encontrará trancada e logo receberá uma bronca de sua mãe (Edith, bisavó da protagonista Edith), mandando-a voltar a dormir. Incapaz de ignorar sua fome, Molly procura em seu próprio quarto algo que a possa satisfazer. Após verificar que seus doces de Halloween acabaram, a garota come um pouco da comida de seu gerbilo. Ainda esfomeada, ela pondera se deve comer seu peixinho Christopher, mas se segura. No banheiro, ela ingere um tubo de pasta de dentes e algumas frutinhas vermelhas que serviam de decoração de natal nas janelas.

Incapaz de se satisfazer, Molly procura por mais alimento. É quando ela escuta chilro de uma pequena ave na janela de seu quarto. Ao tentar alcançá-lo, Molly repentinamente se transforma num gato. O choque da transformação não é o suficiente para diminuir sua fome. Após perseguir a pequena ave em sua forma felina e devorá-la, Molly passa por mais metamorfoses, cada uma delas refletindo sua crescente e insaciável fome: primeiro numa coruja, então num tubarão e finalmente num monstro marinho amorfo e cheio de tentáculos.

Após devorar um navio cheio de tripulantes, o monstro sente um cheiro irresistível. Seguindo-o através do mar até chegar num cano e, além dele, um banheiro, o monstro encontra-se nada menos do que de volta no quarto de Molly. Ele então se esconde debaixo da cama da criança, onde espera silenciosamente.

Molly então volta ao seu corpo, deitada em sua cama. A última coisa que ela escreve em seu diário é que sabe que o monstro está apenas esperando que ela vá dormir para devorá-la, e que ela sabe que será deliciosa. Na manhã seguinte, ela amanhece morta.

A interpretação da história de Molly não é muito difícil. Esfomeada, ela começou a digerir diversas coisas de seu quarto não apropriadas para humanos e potencialmente tóxicas, o que a levou a ter fortes alucinações antes de morrer. Em seus devaneios a garota transpassou os típicos e artificiais limites que colocamos entre seres humanos e o mundo natural; sua fome insaciável e insaciada a aproximou cada vez mais de um estado animalesco, consumindo sua mente até o momento de sua morte. Essa é, pelo menos, a explicação mais plausível. Interessantemente, ela não é elencada pela própria Edith Finch que, após ler o diário de sua antepassada, apenas comenta que não sabe se acredita naquilo tudo – mas afirma que sua bisavó Edith, a matriarca familiar a quem seu nome homenageia, com certeza acreditaria.

Para cada um dos antepassados de Edith Jr. temos uma experiência similar. Após explorar um pouco a casa através de passagens secretas chegamos a um novo quarto-túmulo, decorado de forma a relembrar quem habitava ali. No meio das decorações há algum objeto com o qual o jogador pode interagir e iniciar uma vinheta que reconta de forma dramática, poética e interativa os momentos finais daquele Finch. Mesmo após adentrar as alcovas a visão que Edith tem de seus antepassados continua tão limitada e enviesada quanto quando só podia observá-las através do olho mágico.

Nem todas as vinhetas são longas e variadas como a de Molly. Aquela que vemos imediatamente depois é uma das mais curtas, recontando a história de Odin Finch, trisavô da protagonista Edith Jr., pai da matriarca Edith e o responsável por trazer a família Finch da Noruega para os Estados Unidos.

Assim como a protagonista do jogo, Odin foi o último sobrevivente de sua geração. Tentando literalmente fugir da maldição que assolava sua família, ele emigrou para os Estados Unidos junto de sua filha, genro, neta – e casa, que de forma vagamente explicada no jogo foi transformada numa grande embarcação e levada para o outro lado do Oceano Atlântico. Mas a fuga foi em vão: nas margens de sua nova terra, Odin deparou-se com uma tempestade que afundou sua casa e o matou no processo. O restante de sua família sobreviveu e, na ilha em que atracaram, fundaram a nova casa dos Finch, literalmente sobre as sombras mórbidas da antiga casa, cujas ruínas podiam ser vistas semissubmersas a poucos metros de distância da costa.

Calvin, outro tio-avô de Edith Jr., parece ter herdado a teimosia inconsequente de Odin. Ele morreu aos 11 anos enquanto tentava realizar o sonho louco de muitas crianças e fazer o balanço de árvore em que brincava dar uma volta completa de 360º sobre o galho que estava preso. Apesar de bem-sucedido, como consequência ele foi lançado para fora do balanço em direção ao barranco na beira do mar e falecendo.

Quem reconta a história de Calvin, focando-se principalmente em sua teimosia e obstinação, é seu irmão gêmeo Sam. No quarto-túmulo de Calvin é que encontramos uma nota escrita pelo irmão sobrevivente, intitulada “Como Eu Quero Lembrar de Meu Irmão”.

Ou, sendo mais específico, na metade do quarto que se transformou no túmulo de Calvin. Sendo gêmeos, Calvin e Sam compartilhavam o mesmo cômodo. Mesmo após a morte de seu irmão Sam continuou a habitar o mesmo quarto até atingir a vida adulta. Como Edith Jr. bem elabora, “Meu avô Sam passou 7 anos compartilhando um quarto com seu irmão morto, Calvin.”

Antes de falarmos de Sam (que de diversas formas foi o “sobrevivente” de sua geração), faz-se necessário discorrer sobre seus outros dois irmãos, Barbara e Walter, cujas histórias estão intimamente ligadas.

Barbara foi uma estrela infantil cuja fama já havia acabado quando atingiu a adolescência. Sua juventude foi completamente ordinária, dedicando-se à high school, indo a festivais de música com amigas e realizando trabalhos de meio período para conseguir algum tipo de renda. Em meio a tudo isso ela ainda alimentava o desejo de retornar ao estrelato.

Em seu quarto-túmulo encontramos uma história em quadrinhos que reconta a noite de sua morte. Convidada para participar de um evento com fãs de seus filmes infantis, ela se vê frustrada quando seu pai sofre um acidente doméstico, obrigando-a a faltar ao evento e ficar em casa cuidando do irmão mais novo, Walter, enquanto sua mãe levava o pai ao hospital. Inicialmente acompanhada de seu namorado, depois de uma briga ficam apenas ela e seu irmão na casa. De madrugada, um homem mascarado invade a casa. Barbara luta contra ele e o joga da escada do segundo andar, mas ao descer não o encontra. É então que ela percebe que a casa foi invadida por vários monstros – vampiros, zumbis, lobisomens. Os monstros são na verdade seus fãs, que a devoram em seu “último papel”. Ao retornarem para casa, os pais de Barbara encontram apenas sua orelha esquartejada.

O quadrinho ficcionaliza e exagera grandemente a morte de Barbara, como de praxe nas vinhetas do jogo. De forma mais plausível, Barbara foi assassinada por um invasor humano, talvez o seu próprio namorado que retornou à casa depois da briga.

Não obstante os detalhes da morte de Barbara, Walter, seu irmão mais novo, testemunhou o evento. Durante o momento da invasão ele se escondeu debaixo da cama e viu pelo menos parte da luta de Barbara contra o invasor. Esse evento o traumatizou profundamente. Temendo ser atacado pelo mesmo “monstro” que matou sua irmã, Walter criou para si um bunker no subsolo da casa onde passou 30 anos de sua vida.

Se objetivamente Walter foi o membro de sua geração que viveu por mais tempo, vindo a falecer aos 52 anos em 31 de março de 2005, em termos pode-se dizer que sua vida, se não terminou, congelou no momento em que entrou no bunker. Durante os 30 anos em que ficou isolado no subsolo ele seguia uma mesma rotina repetitiva, em suas próprias palavras, literalmente vivendo o mesmo dia. Até que uma pequena mudança em seu itinerário causada por fatores exteriores – o trem que passava sempre no mesmo horário e lhe servia como um alarme para a hora de comer ficou defeituoso – o fez não aguentar mais o tédio. Após escrever uma carta de despedida, ele pegou uma marreta e destruiu uma das paredes do bunker, ganhando acesso a um túnel ferroviário. Antes que pudesse sair do túnel, ele foi atropelado pelo mesmo trem que durante todos aqueles anos serviu como âncora para sua rotina, consertado depois de uma semana inativo.

Sam, assim, pode não ter sido o membro de sua geração que viveu por mais tempo, mas é definitivamente o “sobrevivente” de sua geração e aquele que mais “viveu”. Sobrevivência, inclusive, é a grande obsessão do avô de Edith. Em vez de tentar fugir da morte, ele decidiu confrontá-la diretamente. Tão logo atingiu a vida adulta, entrou para o exército americano. Depois de sair da instituição, tomou como hobby a caça. Fui numa viagem de caça com sua filha Dawn (a mãe de Edith Jr.) que ele morreu, sendo jogado de um penhasco por um cervo que ele não verificou direito se estava morto.

Sam teve dois filhos além de Dawn, Gregory e Gus. Nenhum deles chegou à vida adulta. Gregory morreu quando ainda era um bebê, afogado numa banheira em que foi de forma negligente deixado enquanto sua mãe estava ao telefone brigando justamente com Sam – os dois estavam separados e em processo de divórcio. Já Gus morreu durante a festa de casamento de seu pai com sua nova esposa. Inconformado com o novo matrimônio do pai, ele ficou do lado de fora da festa soltando uma pipa e recusando-se a entrar ou abrigar-se mesmo com uma tempestade se formando. Durante o vendaval ele foi atingido por uma tenda.

Chegamos então à última geração dos Finches. Dawn, a última sobrevivente dos filhos de Sam e a única a chegar à vida adulta, casou-se com Sanjay Kumar enquanto fazia trabalhos voluntários na Índia. Com ele teve três filhos: Milton, Lewis e Edith Jr., a protagonista do jogo.

A geração de Edith Jr. era fortemente acometida com o que podemos chamar de uma crise de hiper-realidade: a incapacidade de distinguir a realidade da fantasia e, no limite, de perceber o mundo subjetivo como mais real do que o mundo objetivo. Se em toda a família Finch já era possível ver indícios dessa característica, é aqui que ela se demonstra de forma mais exacerbada. Milton e Lewis foram afetados de forma diferente por esse hiper-realismo: o primeiro, tornando sua morte completamente incerta; e no segundo, particularmente trágica.

Não há confirmação da morte de Milton. Aos 11 anos de idade, um ano após a morte de seu pai, o segundo filho de Dawn simplesmente desapareceu. Visitando o seu quarto e revendo suas memórias o destino do rapaz fica ainda mais ambíguo. Segundo a narrativa, certo dia o jovem simplesmente desenhou uma porta para outro mundo e a atravessou. Dawn nunca perdeu as esperanças de que um dia reencontraria o filho, publicando cartazes de “procura-se” até a sua morte e recusando-se a erguer um túmulo para ele no cemitério familiar. Apesar de seus esforços, ela nunca mais encontraria o seu filho.

Já no caso de Lewis, a finalidade de sua morte não poderia ter vindo de forma mais avassaladora para a sua família. O primogênito de Dawn enfrentou problemas com abuso de substâncias narcóticas durante a juventude e foi convencido por sua família a se tratar. A sobriedade trouxe à sua vida também monotonia. Trabalhando de forma mecânica e repetitiva numa fábrica de conservas, ele começou a se isolar do mundo. Para suportar o tédio, enquanto trabalhava criava em sua mente um mundo fantasioso em que ele era um rei aventureiro.

Para simular tanto o tédio quanto o escapismo de Lewis o jogo faz um excelente uso de suas mecânicas lúdicas. Com o mouse, fazendo movimentos repetitivos, o jogador deve pegar os peixes que chegam na linha de produção e decapitar suas cabeças numa navalha. Ao mesmo tempo, usando as teclas WASD do teclado, ele deve controlar um avatar no canto esquerdo da tela, que representa Lewis em seu mundo de fantasia. À medida que o tempo passa, esse mundo de fantasia que ocupa apenas um cantinho da tela começa a ocupar um espaço cada vez maior, ao passo que o jogador já não consegue mais ver os peixes vindo pela esteira – mas ele deve continuar fazendo os mesmos movimentos monótonos e repetitivos com o mouse, caso contrário a fantasia se desfará e ele voltará para o mundo real.

À medida que a fantasia de Lewis se expande ela também se torna cada vez mais imersiva e complexa. O avatar que a princípio era visto de cima para baixo vai ficando mais perto da tela, com a visão do jogo passando para a terceira pessoa sobre o ombro e depois primeira pessoa. Os sons da fantasia vão ficando cada vez mais altos, chegando ao ponto em que já não é mais possível escutar a cacofonia da fábrica de conservas. No ápice de sua fantasia, Lewis tem uma experiência extracorpórea. Como seu próprio avatar fantasioso, ele se vê na linha de produção da fábrica, mecanicamente empurrando os peixes que vêm da esteira para a guilhotina. Absorto completamente em sua fantasia, ele decidiu acabar com a vida de Lewis O Trabalhador da Fábrica de Conservas e viver apenas como Lewis Rei das Terras das Maravilhas. “Minha imaginação é tão real quanto meu corpo”6. Assim decidido, ele tragicamente se suicidou na fábrica em que trabalhava, decapitando-se na guilhotina do trabalho.

A morte de Lewis levou Dawn a tentar romper completamente seus laços com a família e, mais especificamente, com a casa. Ela estava convencida de que a maldição familiar é que havia lhe roubado os dois filhos e, mas especificamente, que o culto às histórias das mortes dos Finches ao qual Edith Sr. era tão dedicada havia sido uma influência determinante para que Lewis se perdesse em seu mundo fantasioso e eventualmente se matasse.

Edith Sr ocupava para toda a família o papel de grande matriarca. Além de ser a “sobrevivente” de sua geração e a Finch viva mais velha (morrendo aos 93 anos), foi ela, com seu marido Sven, quem construiu a casa dos Finches nos EUA após o óbito de Odin. Mas a casa que ela construiu foi dedicada aos mortos, não aos vivos. O primeiro local da nova morada da família a ser planejado e finalizado foi o cemitério, e foi dela a ideia de transformar os quartos de todos os Finches em quartos-túmulo. Além disso, ela se dedicava à decoração dos quartos, ao planejamento dos túmulos, à preservação das histórias trágicas dos Finches na biblioteca da família. Sua obsessão com e memória não apenas dos mortos, mas a memória da morte se estendia até para os animais da família, que tinham um lugar reservado no cemitério familiar. Edie Sr. não praticava um culto aos mortos, mas um culto à morte.

Já a relação de Dawn com a história de sua família e, especialmente, com a morte, era muito mais ambígua. Se por um lado ela via esse culto à morte praticado por sua avó como perigoso e estando na raiz da maldição familiar que levou muitos Finches, por outro ela tinha sua própria forma de comemorar seus antepassados. É interessante, por exemplo, como foi dela a ideia de dar ao gato da família o nome de Molly, e nomeou sua filha Edith em homenagem à matriarca. E a morte, do mesmo jeito que a afastou de Edith Sr. e a levou a sair da casa da família com sua única filha sobrevivente, foi o que inicialmente a aproximou da matriarca e a fez retornar à casa, quando do óbito de seu marido Sanjay.

Central na vida de Edith Sr. estava o culto aos mortos, e o culto à própria morte. Já na vida de Dawn estava o luto: pela morte de seus irmãos, então de seus pais, de seu marido e finalmente de seus filhos.

Edith Sr. morreu na noite em que Dawn e Edith Jr. saíra da casa ancestral da família. Num misto de desgosto, teimosia e insatisfação, ela misturou alguns de seus remédios com álcool e veio a óbito na manhã seguinte. Enquanto isso, Dawn morreu alguns anos depois, acometida por uma doença não identificada, acompanhada por sua filha. Em seu testamento deixou à Edith Jr. a chave que lhe daria acesso às passagens secretas da casa e seria o gatilho para seu retorno à mansão depois de sete anos.

Quando Edith Jr. visita a casa ancestral de sua família ela está grávida. Ela é a última Finch de sua geração, mas não a última Finch. Sua jornada de descoberta não tem o intuito apenas de processar o legado e o trauma familiar que ela carrega – um trauma tão grande que é visto como uma maldição de morte. Seu desejo é processar e entender a história de sua família para que possa comunicá-la ao seu futuro filho. E que, em posse dessa história, em vez de ele cultuar, fugir, confrontar, ignorar ou negar a morte, ele possa apreciar sua vida. “Eu quero que você se sinta maravilhado que qualquer um de nós já teve a chance de estar aqui.”

Ao final, Edith Jr. não é capaz de comunicar isso diretamente ao seu filho, Christopher. Ela vem a falecer durante o parto. Todas as suas considerações e o que ela descobriu da História e histórias de sua família estão em seu diário, que ela escreveu para seu filho. Christopher é o que restou de Edith Finch.

Reviewed on Dec 21, 2022


8 Comments


1 year ago

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1 year ago

Quem é vivo sempre aparece, e com um texto absolutamente fantástico por via das dúvidas.

Que análise! Adorei como você fez um baita de um resumão da história, de modo conforme você ia contando, eu lembrava dos acontecimentos, parabéns mano!

1 year ago

Admito que eu não tinha pensado bem sobre algumas dessas interpretações das mortes dos Finch (ou pode ser que algumas partes do plot eu esqueci).

1 year ago

@Hunyoshi Valeu mano. Tô sumido por causa do fim de período da faculdade. Inclusive, esse textão aí foi meio ensaio final na disciplina de Necropolítica kkkkk

1 year ago

MITADAA

1 year ago

I’m not gonna read this review until I’ve played this game but I’m happy to see the return of the King to my backloggd timeline

1 year ago

Eu literalmente não esperava nada desse jogo e acabou sendo uma boa surpresa, amei a forma que decidiram contar a história <3

1 year ago

BTW! Meu professor acabou de lançar as notas e tirei 100% com esse ensaiozinho <3

1 year ago

Texto bonito, texto formoso, texto bem feito.