Impossível gostar de algo quando ele demonstra tanta casualidade em desumanizar pessoas em situações vulneráveis. Entendo que, em jogos, normalizamos isso com violência: não temos o menor problema em triturar recursos humanos quando se trata de jogos de ação, mas fazer isso com o corpo e a autonomia de mulheres parece tão mais nefasto, e pessoal. Quando Big Boss sequestra soldados pra Mother Base, o tom do ato é de resgate, redenção, arrebatação - em Dohna Dohna é de exploração, nua e crua. O tom comédico que muitas vezes o jogo tenta instaurar nestas situações é intragável quando se trata de um ato como este. E embora a resenha aqui no site, que me convenceu a jogar o jogo, argumente que ele é como é para nos colocar na mentalidade de um monstro como esses, um Drakengard de prostíbulo, por se dizer, tenho opiniões bastante contrárias. Fora da bolha de usuários mais interessados em subtexto, vejo muito mais que a clientela trata com humor e até tesão esta instrumentalização do corpo da mulher; e enquanto procurava mais discussão sobre o jogo, me deparei com diversos comentários do leitor médio de VN reclamando mais de que foi outro cara que comeu a sua waifu do que o fato de que foi um estupro ordenado.

Por que vejo em Karryn’s Prison uma qualidade que aqui não consigo? Talvez porque Karryn faz tudo de sua própria vontade, visão deturpada dos desejos de uma personagem feito para o masculino que seja. Talvez porque nele a violência é minimizada, e tudo ao redor se leve nessa atmosfera hipersexual que faz alguns absurdos parecerem divertidos. Em Dohna Dohna não consegui entrar nessa mentalidade: para mim, o tom foi de horror. Sem comentários também para a presença maldita de conteúdo loli no jogo, que é uma verdadeira vergonha - ainda que majoritariamente opcional, considero indefensável.

Ainda que o gênero eroge pareça estar muito mais avançado do que o tabu que o permeia, é uma pena que jogos tão bem produzidos sejam usados apenas para atingir uma demográfica específica de homens com sérias deficiências em como enxergam relações sexuais. Não acho que uma arte bem desenhada acompanhada de algumas linhas duras sobre resistência e medo configuram bom discurso em relação ao tema de abuso - podem ser chocantes e eficientes no melhor caso, e no pior só servem de material fetichista. Após terminar o jogo, o comentário dos desenvolvedores me deixou claro que não há o menor interesse em diálogo: “desenhei com o pau na mão” - diz o ilustrador.

E levando por essa ótica, o que pensar de Dohna Dohna, o jogo? Não se trata de uma VN, e sim de um turn-based JRPG/management minigame com bastante conteúdo safe for work. O pesadelo de atrelar esse jogo à minha conta é o suficiente para que eu solte o resto dessa entrada sem tentar casar um ponto ao outro, o mais importante já tendo sido dito.

> Alguma coisa me manteve, e não acho que foi a expectativa de dois quadrinhos de hentai mediano a cada 1h de jogo. Seu loop, abstraído o grotesco, impele o jogador a continuar, ainda que num grind nada especial. Provavelmente quem me fez jogar até o final foi uma mistura da apresentação que está honestamente muito além de seu gênero, rivalizando mais um Persona em sua qualidade do que o próximo eroge de RPGMaker humilde: animações desenhadas à mão fazem seu sistema de combate voar: mecanicamente simples e elegante, em certas partes, mal pensado em outras; porém sempre atingindo todos os mandamentos do game juice bem produzido. Um loop de baixa fricção em um jogo bem produzido que consigo jogar cagando é a receita do sucesso para minha retenção.

> Em sua história e narrativa, é muito mais estilo e posturagem do que substância. Um elenco composto por personalidades enlatadas que acaba sendo mais icônico como elenco do que como um conjunto de individuais. Tenta criar um diálogo sobre os horrores de abuso enquanto ao mesmo tempo glorifica e dedica quantidade considerável de recursos pra criar cenas de abuso que só existem porque devem. O próprio argumento de porque a exploração sexual ocorre no jogo não vem de um lugar mais profundo do que: este jogo é um eroge e é isso que nós gostamos de ver.

Acho que com isso encerrei meu horny game arc com um gosto ruim na boca.

FIN?

Reviewed on Oct 14, 2023


3 Comments


6 months ago

Não sei que horny game arc. Arco de dois jogos só, porra. =P

6 months ago

É por isso que eroges me dão mais medo do que games de terror

6 months ago

Rapaz.ratinho