Com literalmente um apertar de botão, Monotonia: First Contact é um prólogo que principia conceitos e mecânicas que estão por vir no definitivo Monotonia.

Utilizando da metanarrativa e da metaficção, o jogo carrega temas como crítica ao sistema fordista de produção, práxis do ambiente mónotono de trabalho e a supervisão predatória das ações humanas no corporativo, temas esses transcritos dentro de uma única ação.

O prólogo deixou com um gosto de quero mais, ainda que eu tenha que terminar de desvendar tudo que ele tem a oferecer, é um jogo que se destaca por sua metanarrativa intrincada e única e que desafia as convenções de narrativa de jogos e que com certeza você tem que ficar de olho. Para amantes de Pony Island e Inscryption, isso aqui é um prato cheio! Além de que é mais uma pedrada em âmbito nacional.

Direto ao ponto. Um defeito e ao mesmo tempo uma qualidade.

A franquia Granblue Fantasy não é tão popular no ocidente mas extremamente absurda na Ásia, e nesse anseio de atrair novos públicos, tanto com suas adaptações de mangá, anime e spin-offs, a Cygames aqui com Relink transformou seu gacha de sucesso em um triplo A bem completinho, divertido, dinâmico e de extrema qualidade, evidenciando a competência em reimaginar seus personagens e sistemas em um gênero completamente diferente e fora da zona de conforto.

Porém o jogo é bem direto ao ponto, isso porque, ao contrário da premissa de expandir a franquia, Relink não é uma porta de entrada para a série e tampouco uma recapitulação ou versão definitiva daquilo que o Granblue Fantasy original apresentou em sua versão de celular no Japão. A nova entrada, na verdade, é uma continuação direta de uma história que o Ocidente inteiro desconhece e que ignora qualquer jogador que está aqui conhecendo a série. Sendo assim, não espere que o jogo te apresente o Mundo dos Ceús e as ilhas flutuantes presentes naquele universo, e um pouco mais suavizado acontece com os personagens da tripulação, sendo esses pelo menos possuindo algumas missões de introdução, mas nada de mais também. É tudo muito genérico, com monstros gigantes e donzelas em perigo. Nesse tipo de situação, não é raro se perguntar se realmente vale a pena investir tempo em um RPG assim. Mas ai que tá, o jogo é curto e linear.

E por ser curto e direto ao ponto, com suas 15 à 20 horas de campanha, a história é logo deixada de escanteio e Relink volta o foco naquilo que faz de melhor: combate, mecânicas, buildcrafting e endgame. Enquanto a campanha parece querer afastar o jogador a todo momento, a jogabilidade frenética e a diversidade é o que faz com que a persistência valha a pena. Não há enrolações, não há quests de entregador, é você a todo momento em ação.

O jogo traz um elenco grande e bem variado de bonecos selecionáveis, sendo a maior parte deve ser recrutada com o uso de Cartões de Tripulação, que são obtidos conforme o avanço na campanha ou nas missões, é um gacha sem a parte ruim. Todos são bastante divertidos de controlar com suas próprias mecânicas, como se fossem as armas de Monster Hunter, e no multiplayer é ainda mais gratificante montar composições que aproveitem suas proficiências. Isso significa que o endgame envolve desafiar as missões de maior dificuldade para coletar materiais, fabricar armas cada vez melhores e evoluir as maestrias dos personagens. O paralelo com Monster Hunter não acaba aí, pois aqui também há um balcão de missões que concedem tarefas designadas com suas respectivas dificuldades e para deixar tudo mais conveniente, também é possível marcar os materiais que você precisa para forjar armas ou melhorar selos em uma lista de desejos.

O combate, por sua vez, somado ao conjunto audiovisual, é extremamente envolvente e diversificado que entrega sequências que com certeza ranqueiam entre os melhores do gênero, lembrando muitas vezes raids de MMO. Outro aspecto interessante do combate é como ele é colaborativo. Existem benefícios para usar ataques especiais em cadeia e para ativar as habilidades supremas dos personagens ao mesmo tempo, o que amarra bastante a temática de equipe do jogo ao gameplay. É tudo muito bonito e satisfatório de se ver.

No decorrer do tempo, é possível que algumas tarefas se tornem repetitivas, porém a estrutura do jogo apresenta grandes possibilidades de atualização e conteúdos futuros. A empresa Cygames já deixou claro seu interesse em lançar novidades constantes, incluindo personagens e batalhas. A versão atual já proporciona uma experiência satisfatória e envolvente, portanto a perspectiva de receber missões inéditas de forma contínua e, quem sabe, desenvolver novas narrativas, me deixa bem empolgado.

2022

NORCO usa do surrealismo futurista e do expansionismo industrial para entregar uma história interativa que realça uma das mais importantes e básicas verdades da existência humana.

As coisas mais bonitas nesse mundo decaído ainda são as coisas efêmeras. E é através desse jogo de 6 horas de duração que estamos diante de uma das melhores metanarrativas já feitas.

NORCO é quase autobibliográfico ao ser baseado e se passar na própria cidade de NORCO, em Louisiana. Cidade dominada por uma companhias petrolíferas em que seu próprio nome é um acrônimo para New Orleands Refining COmpany. Da mesma forma da cidade do jogo, a agressiva expansão industrial respinga não só na vida dos moradores para como também diversas patologias à ambientação local, como inundações, poluição, erosão massiva etc. O fato da região do jogo ser, a um só tempo, real e ficcional, torna ainda mais tênue a linha entre o jogo e a realidade do jogador.

Nossa protagonista Kay foge dessa vida sufocante para adotar uma vida viajando nessa versão deteriorada e mega futurista distópica dos Estados Unidos. Eventualmente, Kay precisa voltar para casa ao descobrir que sua mãe que antes fora abandonada em casa agora está morta devido um câncer terminal. Kay se vê diante não apenas de uma bagunça familiar, mas laços foram cortados diante memórias confusas embaralhadas no tempo. Não demora muito para NORCO nos jogar em um mistério sobre as investigações clandestinas da sua mãe realizadas antes da sua morte na medida que lida da relação de Kay com as pessoas e com essa tóxica comunidade (nos mais diversos sentidos) que deixou para trás.

Norco combina vários gêneros para contar sua história, incluindo cyberpunk, mistério e Southern Gothic. Este último permeia todo o jogo, tanto no sentido visual quanto textual, com sua valorização da paisagem. A área está sendo invadida e envenenada por tecnologias: algumas do nosso mundo, como refinarias de petróleo e smartphones, e outras que não são exatamente do nosso mundo, como a nuvem corrompida e lucrativa na qual os personagens carregam suas memórias. O enquadramento de Norco como um mistério permite que você entenda como essas tecnologias destruíram sua cidade natal.

Uma das maiores forças de NORCO é que ele é totalmente destemido ao entregar o absurdo. Não um absurdo aleatório ou chocante, mas sim com total contexto dentro da narrativa que ele propõe em elaborar. É um jogo que sabe instigar o jogador para o emaranhado, dando as ferramentas não só em termos de mecânica mas como artisticamente para ele desenrolar o que acabou de presenciar. É uma verdadeira incursão para o mais profundo detalhismo que a escrita de um videogame possa ter em nível poético. O jogo fala de estrelas, céus e muitos olhos, desenterrando aquela ansiedade de observação e vigilância. Ele transforma pântanos em cérebros. Mistura redes neurais, religiões, corporações e cultos com impulsos humanos básicos de se correlacionarem. Pode começar com os problemas locais de uma crise ambiental global, mas logo se expande muito além disso, para inteligência artificial e dados, para privacidade, pobreza, desilusão, a maneira como a internet moderna pode pegar qualquer pessoa separada de uma comunidade em sua rede e radicalizá-los em uma nova rede. E o desespero e a futilidade das pessoas que veem as falhas da sociedade e querem fugir dela e escapar para sempre.

É um título que de cara é modesto mas demonstra que uma experiência rica em narrativa, feita por um desenvolvedor indie de primeira viagem, nem sempre precisa ser ofuscada por exibições ostensivas de lançamentos maiores. Norco pode se referir a si mesmo como uma espécie de pixel efêmero, uma aventura que é um vasto conto cósmico que será lembrado com carinho com certeza, pelo menos por mim, décadas depois.

Narrativa lenta, linear e direcionada. Mas mesmo assim, incrível.

Odeio jogos que te empurram direções. Eu sei seguir a marca azul do objetivo, pode deixar eu me viro, faço o que quiser e como quiser até decidir ir direto ao ponto, mesmo que andando em círculos quando o jogo não me da mais nada a fazer. Final Fantasy VII Remake falta pegar na sua mão e chamar o jogador de burro ao sempre limitar e guiar caminhos através de corredores, muitas vezes escondendo a falta de interação ou outros defeitos que o jogo possa vir a ter. Mas, felizmente, o jogo faz tão bem todo o resto que, mesmo esse aspecto que me incomoda tanto nos videogames, ele fez aqui parecer insignificante.

O time da primeira divisão de desenvolvimento da Square Enix teve uma missão ambiciosa ao trazer de volta um aclamado clássico, um dos jogos mais importantes da indústria de videogames, para aprofundar, aprimorar, modernizar e expandir a experência e a trama original. Os Vingadores do jogo de 1997 estão de volta: Tetsuya Nomura (artista/diretor/escritor), Yoshinori Kitase (produtor), Kazushige Nojima (escritor) e Nobuo Uematsu (compositor). Não tinha como dar errado. Final Fantasy VII Remake não só cumpre seu objetivo mas determina um novo patamar de como um Remake deve ser.

Final Fantasy VII Remake se passa na cidade de Midgar, governada pela poderosa companhia Shinra, que, além de desenvolver tecnologia militar, fornece energia e segurança à cidade sob altos custos para os habitantes e o meio ambiente, representando o mais extremo de uma política privacionista, onde se enfraquece tanto o poder público – e, ao mesmo tempo, se fortifica tanto as corporações privadas. No meio desse contexto temos o nosso elenco principal: o mercenário e ex-SOLDIER da Shinra, Cloud Strife, a ninja Yuffie Kisaragi (somente no DLC), que se infiltra na cidade; a florista com habilidades ocultas Aerith Gainsborough (infinitamente muito mais desenvolvida no remake); e alguns membros do grupo ecoterrorista Avalanche, como Tifa Lockhart e o líder do grupo, Barret Wallace, que acreditam que a exploração do meio ambiente por parte da Shinra está levando a um colapso do planeta.

Um dos maiores receios desde que foi confirmado que Final Fantasy 7 Remake era que este seria lançado em capítulos, e que este primeiro jogo seria apenas a parte inicial, a dúvida paraiva sobre resultado final parecesse algo incompleto, fragmentado. Felizmente, não é isso que acontece. Apesar de a trama do remake se limitar apenas ao pedaço narrativo relativo a Midgard – algo que, no original, é equivalente a mais ou menos as cinco horas iniciais de jogo, ou cerca de 1/10 da história como um todo – o resultado entregue é totalmente contido dentro de si mesmo, não deixando a desejar nem mesmo se a Square resolvesse matar o projeto e não lançar mais nenhum outro título do remake.

Aqui não só temos uma trama com início, meio e fim, mas que também subverte todas as expectativas daqueles que temiam pelo andamento da história, pois não apenas ela não parece incompleta, como faz com que fiquemos com a sensação de que na verdade é o jogo original que é incompleto, e que esta é a história que deveria ter sido contada desde o começo. O Remake não só reconta a história original como se despreende dela, a fim de criar sua própria, como o original fosse apenas um storyboard e o remake a versão final de um filme pronto para estrear nos cinemas.

Final Fantasy 7 Remake é a adaptação perfeita do combate turn-based ATB para os moldes atuais, é simplesmente fenomenal. Em resumo, o jogo segue o fluxo de um jogo de ação estilo hack-in-slash no qual você precisa administrar suas ações através das suas barras de ATB, bem como gerir as magias e habilidades que cada um tem para usar de maneira complementar em embates difíceis. Como não bastasse isso, cada personagem é único em combate, com movimentações e estillo de luta bem distintas, executando funções diferentes na luta. É um malabarismo frenético que não deixa de exigir estratégia por parte do jogador. A maior crítica em relação ao combate é não termos a possibilidade de definir melhor o comportamento da IA dos aliados que você não está controlando, seria o momento perfeito para trazer os Gambits (Final Fantasy XII) de volta à franquia.

Visualmente o jogo é um deslumbre. Existe uma riqueza muito caprichada nos detalhes dos cenários e que é extremamente bem-vinda, afinal a parte 1 do remake se passa toda em Midgar. É um tanto limitante fazer vários mapas com um tema geral de “metal e lixo”, mas conseguiram tornar tudo realmente bonito. Além de uma variedade excelente, foi feito um ótimo trabalho em dar “personalidade” para cada Setor. Os setores da cidade baixa são como pequenos vilarejos isolados e cada um tem o seu estilo, sua característica. Daria pra saber onde você está a qualquer momento, apesar de ser tudo na mesma cidade. O design dos monstros e inimigos também ficou muito interessante, mostrando um esforço em trazer novidades ao mesmo tempo em que são respeitadas as ideias que deram vida a eles no game clássico. Os efeitos do combate também são todos admiráveis. As faíscas, magias, animações, tudo feito com cuidado, passando uma sensação satisfatória de impacto, além do cuidado extra que o novo formato do jogo exige - afinal precisamos ver as animações dos inimigos para prever e desviar ou nos preparar contra certos ataques.

O conjunto sonoro também não fica para trás. As músicas, tanto novas como antigas repaginadas, oferecem uma excelente trilha sonora que já é consagrada na memória de muita gente, então é o trabalho técnico e efeitos sonoros que mais chamam a atenção. E claro que não podemos deixar de falar da dublagem, uma grande novidade em relação ao game original, um dos poucos jogos orientais que preferi jogar em inglês do que em japonês.

O port é um pouco problemático. As configurações são extremamente básicas. Não há suporte a DLSS ou outros mecanismos que melhorariam o desempenho do jogo em algumas máquinas, enquanto que as poucas opções gráficas são muito gerais e limitam-se a alternativas binárias, como de baixo/alto (Low/High) para textura e sombreamento, sendo esses padrões mais ou menos equivalentes às execuções do jogo no PS4 e no PS5, respectivamente. Há algumas quedas de fps mesmo em máquinas dentro das recomendações, especialmente quedas leves em cenas nas cidades e algumas mais graves em determinadas cutscenes.

Apesar do meu enorme problema com relação a linearidade, ele é inerente ao game original em termos de ritmo, mecânica ou história. Seria injusto com o trabalho dos desenvolvedores classificar este game como “não recomendado” depois do tanto que eu me diverti enfrentando seus chefes e conhecendo, de novo, essa história incrível. A expansão de um clássico que já era grande, escrevendo suas marcas na história dos videogames mais uma vez.

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