Anyone who claims The Beginner's Guide not to be a game has never played a game.

They may have watched a playthrough unfold before their eyes, one whose inputs coincidentally came from the same brain watching it. But they didn't play it. Because in order to understand The Beginner's Guide as something other than a game, one has to go through the same process as someone who can't see essays as literature: games are, for these people, either fun-generating machines or vessels for Narratives, which in turn have Messages, but never a language unto itself.

When The Beginner's Guide meditates on game design conventions, axioms and the interplay between intent, message, execution, apprehension and interpretation -- and does so through layers of that same interplay -- it generates meaning not because of what it says, but because of what it does. The fact that the experience is guided by a voice is orthogonal to the fact that you have to play it to get anything out of it -- that is, to use the many syntaxes the game establishes to navigate the world, the stories and the mechanics. Only then, The Beginner's Guide becomes a conversation, not a guided tour.

Every instruction is a negotiation when you're playing a game, even if you end up following it. The mediator of the negotiation is not Coda or the narrator, but your own curiosity about these characters and what they have built.

A maior descoberta dos últimos anos em videogames -- ou a maior inovação, se você é desses -- é como passar livremente pela membrana entre o arbitrário e o fortuito. As regras são absolutas! Mas também não importam, ou importam só até o ponto em que você as apreende. Quando você joga poker sozinho, não tem ninguém vendo você rabiscar as cartas -- mudando regras dentro da cabeça; desenhando cabelo longo em um valete para transformá-lo em rainha; descartando uma carta porque ela não faz parte da historinha que você está construindo. Mas, ainda assim, absolutamente jogando poker. Esse poder irrestrito sobre nada em particular é a chave para uma experiência de brincar profundamente contemplativa, profundamente intuitiva, profundamente racional. É uma prece para todo fim de tarde após a escola, quando a criança tinha que encontrar sozinha o que fazer e, a partir disso, criava mundos inteiros que se encerravam no jantar.

A epítome do game design Correto e, portanto, a morte da atividade lúdica

ZeroRanger vai fazer você se sentir exatamente que nem o cara que errou a pergunta de 1 milhão de reais do show do milhão. E vai ser a melhor coisa que vai te acontecer nele.

Quando os últimos pontos de vida do seu personagem mais forte chegam em zero, você já sabia o que ia acontecer. A morte era inevitável àquela altura e, em geral, você sabe o risco calculado que você tomou e deu errado. Mesmo que tenha perseverado, desperdiçado vários itens de cura e ressurreição, morrer tem um gosto de apagar das luzes.

Por isso mesmo, é uma situação você pode diagnosticar antes que aconteça. Carregar de um ponto anterior do jogo é um gesto de resignação não só frente ao momento em que você perdeu, mas a tudo que levou até ali. A morte é o fruto de uma árvore de decisões erradas, de modo que salvar e carregar se tornam uma meta-habilidade dentro de muitos jogos: você precisa aprender a salvar nas horas certas e, principalmente, no lugar certo, antes que seja tarde demais. Você com certeza já passou por isso — a pior morte possível dentro de um jogo é salvar no ponto sem retorno, em vez de carregar. Ficar preso em uma situação irreversível é a única morte real dentro de um jogo, porque é aí que você realmente precisa começar tudo de novo.¹


Vidas, olhando assim, são um acordo no qual você não pode decidir livremente de onde você vai voltar, mas, em troca, saberá que não existem situações irreversíveis. A partir daquele ponto, o jogo te garante que você pode só seguir que, com certeza, existe um jeito de transpor o obstáculo em que você parou da última vez. Seu progresso até ali garante isso.

Em jogos de navinha, a morte é levada mais na esportiva. Tomou tiro? Sua navinha explode, faz um estardalhaço, você toma alguma punição (tipo perder poder e sua sequência de pontuação) e vida que segue. Isto é — enquanto você tiver vidas. Se todas as suas vidas acabarem, a colher de chá acaba e o jogo pergunta se você quer continuar. Muito como salvar é uma meta-habilidade, continues são uma meta-vida. Você pode seguir jogando a partir daquele mesmo ponto, mas perde toda sua pontuação e tudo que marcou seu progresso até ali.

O jogo finge que te engana, porque recomeça de onde você parou e te permite que você chegue até o final; e você, versão zumbificada de si mesmo, finge que acredita. Se você terminar o jogo usando continues, os dois sabem que existe mais coisa que você poderia ter feito. Sua pontuação deixa claro que seu progresso é falso, uma concessão, e quando sua pontuação de fim de jogo é menor que a vez em que você só chegou na terceira fase, surge um sussurro que diz “melhor você tentar de novo”.


Isso faz com que jogos tenham um jeito de marcar sua história nele. Pontuações, troféus, o nível dos seus personagens, quantidade de dinheiro: sempre existe algo que identifica seu caminho.

ZeroRanger pede que você lute contra esse apego.

As meta-vidas são, em ZeroRanger, parte da história e são, em certa medida, a mecânica principal. Sua pontuação gera mais continues, dos quais você absolutamente vai precisar para terminar o jogo pela primeira vez. A falha é imprescindível porque é através dela que você obtém mais chances, para não falhar de novo. Dos seus escombros, surge um novo lutador, capaz de ir mais fases adiante com o mesmo número de continues e, por isso mesmo, pode ganhar mais pontuação em uma jogada. Com mais pontuação, você consegue mais continues. E acredite quando eu digo que, em vez de renegá-los em favor de um jogo “limpo”, você vai precisar deles se quiser terminar o jogo.

Nesse mecanismo, existem duas histórias: a da insistência e a da abnegação. A da insistência, porque tentar de novo é parte integral de vencer, mais do que vencer sem falhar nenhuma vez. A da abnegação, porque desistir também é parte de vencer — de maneiras muito sutis. Por exemplo: aceitar sua maior pontuação, mesmo que com um progresso mais fraco, pode ser mais importante do que usar um continue só para conseguir terminar a fase. Afinal, sua pontuação te dará mais meta-vidas.

Seu melhor esforço tem valor por si só e não pode ser comparado com qualquer outra iniciativa em que você ou outra pessoa “jogar melhor”. Rankings perdem sentido; a competição perde sentido; a facilidade ou dificuldade absoluta do jogo não são importantes. Só importa o modo como você está navegando pela história, pelos padrões de tiros dos inimigos² e o sentimento que te carrega até o próximo nível.

Eu digo sentimento porque existem narrativas emocionais muito palpáveis em ZeroRanger. São códigos construídos ao longo dos anos por jogos de navinha: quando um inimigo está desesperado, seus padrões se tornam caóticos e seus movimentos, mais erráticos. A inversão de padrões calculados (momentos nos quais o jogador tem que olhar mais de fora), para a ausência de padrões, (momentos em que o jogador tem que focar a atenção na área mais perto de si) geram um choque: mesmo que seja até mais fácil, o que está mais à frente desperta uma tensão muito maior.

Mas, em jogos normais, você precisa sobrescrever sua história com uma história melhor. Você precisa, então, se manter mais calmo em situações assim. Com isso, você não vai sucumbir ao desespero do inimigo — afinal, você já conhece a história, e só é novo o que você ainda não viu. ZeroRanger não é um jogo normal: você não precisa sobrescrever nada, só adicionar ao fracasso que você já teve antes. Tudo que você fizer é novo, mesmo que seja uma repetição. Não tem problema abraçar o caos da fase ou do chefão toda vez em que você voltar.

Laranjas são muito importantes para ZeroRanger. Toda vez que você toma um game over, você é recebido por uma telinha com uma frase sobre laranjas antes de o jogo recomeçar. As mensagens são para você, jogador, e são um jeito muito delicado de reconhecer sua existência. O jogo normalmente não se esforça para te chamar para dentro, te colocar como parte dele através de recursos como “quebrar a quarta parede” ou coisas que tais. Essas pequenas frases são recados de um jogo que sabe que você está ali, mas também que não precisa te lembrar disso. É para te abrir um sorriso, mesmo. É o recurso mais simples do mundo, mas, no contexto, tem muita beleza porque tem muitos sorrisos a serem abertos — não como consolo por perder, mas te congratulando por fazer parte desse ciclo de vida e morte.

Tomar riscos e se tornar um jogador melhor, em ZeroRanger, não são uma aposta dobrada, em que você coloca seu progresso à mercê da sua habilidade atual. São passos para entender, finalmente, o valor da perda por si só — e se colocar em direção à abnegação. Em qualquer um dos muitos jogos de navinha a que ZeroRanger faz referência,³ aquele que conseguir zerar de uma vez só, sem perder vidas ou usar continues, terá sido o melhor jogador. Em ZeroRanger, no entanto, terá sido alguém que não jogou nada.


¹ Em Corpse Party, existe um momento em que não lembro o que é que acontece, mas o jogo avisa que se você fizer determinada coisa, você vai morrer. Aí você vai lá e o quê? Faz essa coisa. No que você faz, a porta da sala em que você está se fecha, e nada mais parece acontecer. Você está simplesmente preso, para sempre. Eu acho essa a forma mais sofisticada possível de game over, porque você pode continuar ali o quanto você quiser — mas o jogo acabou. Na verdade verdadeira, a porta não fica fechada para sempre. Mas eu queria que ficasse.

² Sabe que, em jogos de navinha, sua nave está atirando o tempo todo, mas os inimigos (mesmo que sejam naves parecidas) têm padrões de ataque. Será que o seu tiro é uma abstração e, da perspectiva do inimigo, você também tem um padrão de ataque? Touhou sugere que sim, porque existem jogos em que você luta exatamente contra as spellcards que você usava em jogos anteriores. Mas, como a ação principal em Touhou é dançar no padrão dos outros, o padrão que você está materializando não é tão importante. Outros jogos talvez não tomem seus tiros, e tudo que você está fazendo, como abstração. Mas aí, são outra história.

³ Uma parcela dos jogos feitos se dedica a conferir consciência para o fenômeno videogames de modo geral. Não consciência no sentido político, embora também possa ser o caso. Falo de uma coisa mais básica, mesmo: de saber se ver no espelho, se entender no mundo como imagem, manipulável e manipulada pelas lentes que se usa. É uma tarefa difícil: o jogo não está só se reconhecendo, mas também se reconstruindo.

É quase um gênero em si, o das “cartas de amor”, e que ganhou muitos exemplares de uns dez anos pra cá: jogos que reconhecem abertamente suas referências e procuram homenagear um gênero, uma época ou um estilo. Eu não gosto desse termo, “carta de amor”, por um motivo muito simples: cartas de amor têm endereço. Podem ser bem escritas e bonitas, mas se prestam a exaltar o valor em outra coisa. Jogos como ZeroRanger reverenciam os que vieram antes dele, mas o que torna os destinatários dignos daquele amor em especial é a própria “carta de amor”, pesando os valores, a gramática e o modo de jogar que sustentava nesses clássicos contra a materialidade e a sintaxe dos videogames hoje.

Fazer esses jogos é uma atividade crítica tanto quanto é artística ou passional. Você está selecionando jogos e convenções para algo novo e, com isso, fazendo concessões que também dizem respeito às convenções de outros jogos. Então você não está simplesmente prestando homenagem a um gênero — você está criando ele, frente a outro contexto.

É necessária uma delicadeza muito especial para fazer, de uma história de suspense, várias histórias de amor. Mas a resposta está na tragédia: o mal original está muito distante, e vivemos apenas suas consequências. Nesse contexto, os símbolos do horror têm uma dimensão de profunda, inescapável tristeza, e então faz perfeito sentido que o jogo te guie no cabresto: não há quebra-cabeças para resolver. Os fantasmas estão implorando para que você conheça a história deles. O que você tem que resolver é aquilo que eles também não entendem sobre suas próprias histórias. É também aí que a fronteira do psicológico e do sobrenatural precisa ser rompida. Inúmeras janelas irreais para uma realidade acontecem por mudanças de ponto de vista e técnica narrativa -- mas não é à toa que, o tempo todo, existem efeitos de tela e moldura. O efeito sobrenatural é psicológico, tanto sobre Lixuan quanto sobre você, na medida em que você só pode compreender aquilo que as entidades que te assustam compreendem.

Por isso, a relação com os vivos e com os mortos tem tanta força. A tragédia já aconteceu, mas continua a acontecer mesmo que você a desvende. O mundo de Firework é inteiro de papel, literalmente: e no papel que se escrevem as verdades a serem descobertas, é do papel que se tiram os simbolos para materializar os desejos dos personagens e é no papel que sai uma foto tirada sem querer numa cabine. E papel pega fogo.

My aunt once told me she regretted giving me a Mater System when I was three. She is just nine years my senior, so it’s not like she had outgrown video games by then. She had no cartridges and could play Sonic the Hedgehog in the console’s memory, which might maybe have been boring to her — but to me, since I’d visit her only on weekends and didn’t know what a video game was, that was the most mesmerizing gadget imaginable. More than that: my concept of imagination was founded by those bright colors and jazzy, if crunched, music. And mesmerized by Sonic I was, which she noticed, and so she ended up giving her hard-earned video game console to me. “Had I known how obsessed you and your brother would become over it, even now,” she said many years later, “I wouldn’t have done it”. She did change my life with that gesture, because I learned the language of games with a Sonic game for the Master System.

This is deeply influential in a number of ways. To this day, the way I’ll approach any new game resembles the childish curiosity with which I approached that game, and a certain set of expectations was created alongside said curiosity. This applies to all of you: the way you first approached games, and what you came to expect from them, as well as your history with them, colors your analyses. So I’m giving you full disclosure: in a very fundamental, irrational level, if you ever disagree with me about games, that might be (among other things) because I learned how to play games with Sonic on the Mater System.

And that game is very peculiar, in that it’s quite a bit more methodical than most other Sonic games: each act in each zone is completely different from all the other acts in all the other zones, and makes it very clear. Each act in each stage has exactly one 1-Up monitor, and hides it differently; getting 100 rings gives you a life, but resets your ring counter; however, carrying 99 rings to the end of the stage brings you 9900 points, and every 50000 points will also give you an extra life. So getting to the end of the game involves a lot of figuring out, which, for a kid that’s pretty bad at the game and dies a lot, is a big deal. It’s very cerebral, in a number of ways, because planning and strategizing your performance just in order to survive becomes very important.

However, there was no way to figure that stuff out other than just trying things out and moving around a stage, because if the only thing I can control and use to interact with the environment is Sonic itself, he’s also some sort of cursor in a computer screen — except he doesn’t always act the way I want, or I end up finding something I didn’t want. This means I had to play the very best I could at every step of the way, because I could never rely on rings to back me up — unlike you Sonic 2 for the Mega Drive snobs could. At the same time, each step was presented as somewhat self-contained, as a challenge that I wouldn’t find anywhere else in the game, not in the same way. This stage is an auto-scroller; this other one is a vertical level, and you’ll die if you fall; this one has this section leading up to a 1-Up monitor, from which it’s arbitrarily and randomly near-impossible to get out alive.

That’s especially true for the Chaos Emeralds. You can see them just by playing normally, but learning how to get there often feels wrong (like getting hurt on purpose to get the emerald in Labyrinth Zone, because you couldn’t yet dream of being good enough to get it with the Invincibility from the monitor earlier still active). So there’s a choreography to it that’s less apparent in other Sonic games, but also an unruliness that’s less apparent in other games in general. As I grew up a little, I had access to other games (still not knowing what a Mega Drive was) and, most importantly, to other platformers. Which were fun and communicated their challenges much more clearly, but then gave me a sense that I was learning to do things as I was told, and the character was no longer a cursor for exploring the game’s system, whereas Sonic never intended to teach me anything.

Having learned how to appreciate this delicate balance, when I got around to discovering every game Sonic had to offer, that’s how I approached them too, and this led me to like the slower-paced or the strange bouncy assholes of later or weirder Sonic stages. So I love Marble Zone, Labyrinth Zone, Sandopolis and the entirety of Sonic CD. Because they feel more like Sonic 1 for the Master System, so they feel more like home.

1997

Felizmente, existe um contrassenso no que todo mundo vai te dizer sobre bons MMORPGs. O que os gurus vão te dizer sobre o que um jogo desses precisa pra ser bom tem um segredinho escondido, feito pra ser descoberto não por aqueles que seguem e mesmo superam os gurus, mas por quem se desgarra do rebanho e descobre, sem querer, um jogo ruim — como Tibia.

Esse segredo consiste no seguinte: quanto mais um jogo é bom em estimular exploração, menos exploração existe de fato no jogo. Por exploração eu não me refiro, naturalmente, ao ato de explorar, ipsis litteris. Eu me refiro a uma certa sensação de que o mundo é maior do que você, de que o perigo mora ao lado, de que você está à mercê do que está fora dos quatro cantos da tela. A sensação, afinal, de que o desconhecido já está aqui. É uma sensação análoga ao terror, é parente do desespero, mas vem junto com aquele sentimento de quando você está, afinal de contas, se aventurando.

Tem duas maneiras de te apresentar ao universo: “olha como o universo é grande” e “olha como você é pequeno”.

Se você vem e me diz — veja que enorme, esse mundo! Olha quanta variedade de comida pra você comer, quanto bicho pra você matar, quanto dinheiro pra acumular! Eu vou me sentir parte. Vou pensar do todo pra parte, vou alinhar o que dá pra fazer com o que eu quero. Vou entrar no mar e me esbaldar na água salgada.

Se, no entanto, você disser — olha pra você! Tão frágil, tão pequeno. Olha quanta fome você passa, de quantos jeitos você pode morrer, quão caras são as coisas que você quer! Eu vou me sentir engolido, vou encaixar o que eu quero no que dá pra fazer. Eu vou ter medo da água, vou colocar o pé antes pra saber se ela não é venenosa. Ou, no mínimo, gelada.

A aventura de uma trilha em uma enorme reserva controlada é muito diferente daquela em um pedaço esquecido de mato. Quando você entra em um bueiro de rato pela primeira vez, você não sabe quão grande ele pode ser. Dois ratos te matam com cem mordidas, mas três ratos te matam com vinte. O jogo não sabe que você desceu em um buraco sem corda — e o jogo não quer saber. Ninguém pediu pra você estar ali. Você foi porque estava com fome, porque é pobre, porque precisa.

Não sei se existe algum jogo hoje em dia que te avise que existe algum perigo em volta, mas não te diga qual é o perigo ou por que isso está acontecendo com você nesse momento. Se o fazem fazem pra causar medo. Outros jogos não avisam — ou avisam e inscrevem o perigo em um espaço, um tempo ou uma circunstância que te faça merecer aquele perigo. Pra purificar a relação do jogador com o desafio ou com o medo elimina-se o outro. Em Tibia, existe um encadeamento. O medo é um subproduto do perigo e o perigo, uma função do mundo sobre o personagem. O personagem é fraco, bobo e não sabe o que pode lhe acontecer.

Não é que o jogo queira fazer isso, e essa mistura de desafio com medo é, na verdade, um ruído. Porque, apesar de tudo. você não tem culpa se, 100 metros pro lado de onde você tá acostumado a ir, existe um monstro muito mais forte do que você é capaz de matar. Esse tipo de ruído desincentiva a exploração (o ato de fazer várias coisas, comer várias comidas e matar vários bichos). Mas em uma era de jogos purificados, destilados — na era da exploração, enfim — nós não temos aventuras: temos excursões.

Desafio é o que fica na sua parede, um testemunho da sua capacidade de superação. Aventura é história pra contar — mesmo que você saia arranhado e só de meia.

Não há como culpar a tentativa de mostrar o infinito de um mundo de fora para dentro. Tibia mesmo se transformou ao longo dos anos e é hoje um jogo muito melhor. Entendeu o que faz World of Warcraft bom, entendeu o que constitui o serviço de um jogo. Mas, por mim, eu vou ficar esperando jogos que me tragam novamente o infinito para fora. Afinal de contas, o infinito para fora somos nós que fazemos.

Não sei o que a internet tem te dito, mas o fator comum em todos os bons jogos de Sonic é o fato de que, neles, o Sonic muito provavelmente te odeia. Quando você fica parado por muito tempo, ele olha irritado pra você e, de repente, pode até ir embora do jogo; quando você está correndo em uma direção e vira para o outro lado do nada, ele derrapa, meio perplexo; se você for até a ponta de um penhasco, ele se desequilibra, absolutamente desesperado; se você for atingido por um inimigo, ele cai pra trás, surpreso por ter sido atingido; quando você morre, ele cai pra fora da tela, igualmente confuso com o que está acontecendo.

Isso é um traço de personalidade muito bonitinho presente em todos os jogos bons de Sonic — ele não se comporta exatamente como um avatar seu. Ele está ali, cobrando que você jogue direito, decida direito pra onde você quer ir e provavelmente pensando “ah, mas AGORA que eu estou correndo você decide mudar de direção! ‘Pera aí, cacete, você vai estourar meu joelho!!”. Mas a questão mais importante não é o traço de personalidade.

Em todos jogos bons de Sonic, você fica parado; em todos os jogos bons de Sonic, você se vê na necessidade repentina de parar tudo que você está fazendo e voltar; você fica incerto com o que tem além do penhasco em que você está, pula mesmo assim e é atingido por um espinho.

Em todos os bons jogos de Sonic, você morre.

A história de Sonic Mania é mais longa e complicada do que esse tweet te faria imaginar: são dez anos de trajetória de Christian Whitehead & companhia antes de fazer Sonic Mania, nos confins de fóruns de internet que têm uma conferência anual de jogos de Sonic feitos por fãs. A relação estabelecida com a SEGA é de longa data e, com a “causa perdida de Sonic”, mais ainda. Isso significa que quando você vê a Green Hill como a primeira fase de Sonic Mania, o apelo não é para a nostalgia: é um apelo para a vingança. Oitocentas Green Hill depois, essa é a Green Hill trabalhada por uma comunidade durante quase quinze anos — não como quem diz “essa é a Green Hill de que eu me lembro”, mas sim “essa é a Green Hill que eu quero que seja lembrada daqui pra frente”.

Existem grandes homenagens a várias fases e jogos antigos de Sonic durante Sonic Mania. Referências e ideias que, antes, só tinham sido aplicadas em jogos de Master System e Game Gear. Mas talvez eu tenha usado a palavra errada — não são homenagens, porque não estão ali com o propósito de lembrar ninguém de nada. Estão ali com o propósito de te fazer jogar. Fazem parte de um sistema bastante complexo de ambientes, interações de habilidades com o cenário e escolhas a se fazer para chegar até o fim da fase. De maneira geral, os níveis de Sonic Mania são bastante ambiciosos, existindo neles vários caminhos e vários segredos, muita coisa para se fazer e, portanto, certa dificuldade em traçar o caminho que você fez para se chegar até onde você está. Isso faz com que jogar com o Sonic (o boneco que se irrita quando você fica parado) seja um exercício constante de se jogar e ver no que dá. Essa é uma sensação específica de jogos de Sonic que os desenvolvedores resolveram potencializar, entrecortando muitos caminhos e enumerando seções em que você deve escolher, quase arbitrariamente, para onde ir — e é isso que evoca uma sensação maior de que você pode fazer o que quiser, que sua interação com o cenário, soltar um spindash para chegar até lá em cima e descobrir sabe-se lá o quê, é muito mais fluida do que qualquer manual de Game Design poderia indicar.

O que também ajuda nesse ritmo é a constância com que você muda de objetivo. Vez por outra, você encontra aneis gigantes que te levam para Special Stages que, por sua vez, podem ou não te dar Chaos Emeralds (provavelmente não vão dar; são difíceis). Ao encontrar um checkpoint e ter aneis suficientes, você pode acessar Bonus Stages, que nada mais são do que as Special Stages de Sonic 3 & Knuckles, e pegar medalhas — medalhas essas que, por sua vez, destravam bônus no menu do jogo. Tudo isso conflita e complementa o objetivo principal, de pegar aneis, bater em robôs e chegar até o fim da fase. Esses são grandes estímulos para você correr pela fase e acessar áreas diferentes como se brincar de rolar e pular fosse suficiente.

Mas não é nada disso que vai te fazer acessar áreas diferentes. O motor real do jogo, o que motiva escolhas, te obriga a usar diferentes habilidades e mesmo a ficar parado é seu sofrimento.

Os desenvolvedores de Sonic Mania sabem exatamente o que faz um jogador de Sonic sofrer: você constantemente passa em alta velocidade por seções em que existem vários monitores suculentos que te dariam várias vantagens, mas você está em alta velocidade e não pode ou não acha que vale a pena parar e voltar só para pegar um escudo elétrico ou dez aneis. Você constantemente pode ver aneis gigantes ou monitores ainda mais suculentos, como uma vida ou o que torna mais fácil recuperar aneis caso você seja atingido, atrás de paredes que você não tem ideia de como transpor. Você constantemente vê seções acima de você que parecem ter muito menos badniks do que você está enfrentando. Mas nada disso importaria se você não precisasse desesperadamente de mais aneis, de menos inimigos, de mais vantagens.

Porque você está em perigo o tempo todo.

Quando você não tem aneis, você está sob risco iminente de morrer. Quando o tempo se aproxima de dez minutos, você está sob risco iminente de morrer. Você sabe que ao final de cada fase há um chefão, então você precisa escolher entre confiar que consegue derrotar o chefão (quase) sem aneis ou procurar mais aneis e correr o risco de tomar dez minutos de fase na sua cara. Essa é uma escolha constante em Sonic Mania. Tudo te atinge, você muito provavelmente não é bom o bastante para passar ileso das fases e não existem aneis suficientes para você ficar tranquilo o tempo inteiro.

Aí você morre. Invariavelmente.

É a partir dessa falha, de voltar para o checkpoint anterior e de reconhecer o perigo e saber onde ele está e saber que você não consegue passar dele sem ser atingido, que você busca outros caminhos ou se força a aprender outro truque, outra maneira de interagir com o cenário. Você aprende a frear e fazer o Sonic derrapar. Essa pervasividade dos perigos e do seu próprio poder de transpô-los — já que depende só de você — está presente nos melhores jogos de Sonic e foi capturada em Sonic Mania. O que vai acontecer a seguir está sujeito ao momento — pode ser que um escudo de fogo te salve da ponte com espinhos ao queimá-la, mas te joga em outro caminho; pode ser que você pule para uma plataforma mais acima e erre o tempo do badnik que está lá atirando bolinhas, de forma que ele te atinge; pode ser que você acerte o tempo do seu spindash, de maneira que você consegue acertar um badnik no meio da queda e seja jogado para cima de novo. Nada disso é aleatório. É tudo culpa ou mérito seu. Você que quis se jogar. Você que sabe do perigo que corre.

Ninguém mandou.

Em trazer de volta esse despeito, Sonic Mania é o melhor Sonic que poderia ser feito por fãs em 2017. Mas não se engane: não é o jogo de Sonic que “devia ter saído no Saturn”, muito menos “o primeiro jogo bom de Sonic por trazer de volta as ideias boas dos clássicos e jogar fora as ruins”. Sonic Mania é exatamente o jogo que fãs fariam depois de dez anos de trajetória e de ausência cada vez mais gritante do legado de Sonic, o que deu cabimento às Opiniões Controversas que você vai ver por aí.

Sonic Mania só poderia ter saído em 2017. Ainda bem que saiu.

Capaz que você nem perceba da primeira vez que chegar em um Good Future em Sonic CD (o que, em todo caso, é capaz que nem aconteça da primeira vez que você zere), mas todo futuro de Sonic CD é muito, muito estranho.

Senão repare.

Especialmente se você, seja lá por que motivo for, estiver jogando a versão americana, porque a música é toda feita para ser atmosférica. O Spencer Nilsen e o Dave Young acho que entenderam a mesma coisa que eu entendi só agora há pouco, enquanto o Naofumi Hataya estava mais preocupado em fazer música boa mesmo. Mas toda vez que você chegar no terceiro ato de uma fase faça o esforço de olhar em volta. Eu digo faça o esforço porque, enquanto os primeiros e segundos atos em cada fase te obrigam a olhar em volta e procurar ou aneis para completar 50 e acessar a fase especial ou procurar placas de Passado e Futuro, assim como te obrigam a ser mais cauteloso e procurar seções propícias a te dar velocidade suficiente por tempo suficiente pra viajar no tempo, os terceiros atos são questão de ir lá e matar o chefão, só.

Mas nem caia no papinho das fases especiais. É bonito em tese, você poder zerar o jogo de dois jeitos completamente diferentes, embora traçando as mesmas fases — mas, na prática, as fases especiais de Sonic CD (da quarta em diante mais ainda) são impossíveis para todo mundo que não é do clube dos Viciados em Jogar Sonic com Excelência, clube que tem hoje uns dois membros e 100% deles têm artrose. Faz o que eu tô te falando — vai para o futuro em cada uma das fases — qualquer um deles, mas ir em todos os ruins e depois em todos os bons é melhor para ver do que eu tô falando aqui.

Palmtree Panic, no presente, é uma Primeira Fase de Sonic Clássico — uma colina cheia de árvores, mas não coberta de vegetação nem nada, com padrões geométricos no chão e um céu azul bonitão, limpo, tal. O Bad Future é uma versão dessa paisagem escrita pelo Katsuhiro Otomo, porque tudo é decrépito e quebrado e tem uns canos levando água suja pra algum lugar e tudo tem uma cor escura, feia. O Good Future é a mistura do Deep Forest com o Daft Punk — as plantas estão todas lá, aparentemente saudabilíssimas, mas misturadas com máquinas e motes de água limpa que tornam a fase ainda mais colorida e agradável que no presente.

E é isso. A técnica é basicamente essa pra todas as fases. Você tem o presente como padrão e, em comparação a ele, o Bad Future é decadente, os motivos são opacos (o que dá a sensação sufocante de que tem muito mais coisa na tela) e existe uma sensação terrível de que as máquinas estão agindo sozinhas para nenhum motivo em particular, como se estivesse tudo abandonado e desfuncional; o Good Future é cheio de motivos transparentes ou cristalinos, como vidros, cristais, água etc., que passam uma noção de que tudo é arejado, harmonioso e bonito — sendo que existe uma percepção de que as coisas (água, especialmente) estão funcionando pelo prazer de funcionar, simplesmente porque é natural para elas fluir, rodar, existir daquele jeito.

Isso que é esquisito.

Você imaginaria que os futuros são completamente diferentes, mas fundamentalmente os futuros são iguais — você frequentemente vê andaimes, coisas por fazer, coisas inacabadas em todos os tempos. Você vê coisas sendo construídas, mas não vê ninguém construindo. Você percebe que todas as fases são muito vívidas, mas não tem ninguém vivendo nelas. Na Palmtree Panic, beleza, você pode até imaginar que no Bad Future o Robotnik meteu o louco e está explorando os recursos naturais pra fazer uns robôs do mal e não se importa com a natureza, afinal ele é a União Soviética, mas quando você chega na Metallic Madness e vê que tudo está tão arruinado quanto, a coisa perde o sentido.

Os badniks estão quebrados também, a própria base do Robotnik é insustentável e o futuro é mais um pós-apocalipse em que nada funciona do que uma distopia do jeito como nos acostumamos a ver na ficção, em que a coisa funciona só para alguns enquanto os outros estão na merda ou funciona de um jeito muito terrível. E isso se traduz no jogo-como-mecânica, também: as fases são, em geral, mais fáceis, exatamente porque as ameaças estão todas indo pro cacete e os peixes filhos da puta da Tidal Tempest que jogam uns tirinhos das costas já não conseguem fazer isso, as aranhas da Quartz Quadrant não conseguem jogar teia em você, essas coisas. E pior, eles ainda tentam.

Quando você percebe isso e vai pros Good Futures, a sensação de isolamento só piora: tudo funciona e é muito bonito, mas não parece ser pra ninguém. Você pode imaginar que existem pessoas usufruindo dessa água limpa e dessa roda gigante na Stardust Speedway, mas essas pessoas são fantasmas. Para todos os efeitos, o futuro cresceu para virar uma paisagem bonita e só. É especialmente desconcertante porque mesmo que o futuro seja bom, mesmo que tudo seja perfeito, as fases ainda estão especialmente desenhadas para matar você.

Quer dizer, os chefões de Sonic CD têm essa característica especial: eles usam de um jeito muito particular tudo que a fase te apresentou até então e você deve usar essas coisas a seu favor. Não gostou de trupicar pra lá e pra cá na Collision Chaos? Uma pena, porque o chefão é literalmente um jogo de pinball e você deve chegar ao topo pra vencer. Não consegue controlar o tempo do Sonic quando ele sai voando do chão da Wacky Workbench? Se fodeu, porque o chefão consiste justamente em usar essa mecânica. Quer dizer, isso tudo faz muito sentido em um futuro dominado pelo Robotnik, mesmo que tudo tenha ido pro caralho. Mas num futuro em que você conseguiu pará-lo, isso tudo passa uma sensação muito estranha. Uma sensação de que na real o futuro não importa — aquilo é entre você e o Robotnik, mesmo que o mundo esteja caindo aos pedaços ou que todos vivam felizes dentro de sistemas que não servem pra nada além de serem perfeitos em si mesmos.

Os futuros em Sonic CD são uma miragem.

Não existe substância neles. Ambos são uma coisa que serve a si mesma e não estão embasados em utopia ou distopia moral — são utopias ou distopias puramente estéticas, versões de paisagens que conhecemos estendidas a um infinito positivo, transparente e estável ou um infinito negativo, opaco e autodestrutivo — mas cuja autodestruição é exatamente o processo pelo qual ele se perpetua. Então quer dizer: os futuros não “pertencem” ao Sonic ou ao Robotnik, não representam nada. Se você quiser, você pode interpretar como futuros em que a tecnologia foi usada a favor ou contra a natureza, mas não dá para entender o princípio por trás dessa diferença porque, de um jeito ou de outro, você ainda tem que ir atrás do cuzão do Robotnik, ganhar do Metal Sonic na corrida, essas coisas. O mundo não diz respeito a você, mesmo que suas ações desencadeiem uma coisa ou outra — e, da mesma forma, você e Robotnik estão fora desse esquema.

Só que esse estranhamento é o artifício mais importante de Sonic CD. Porque, entende, ao apresentar um mundo que existe sozinho e existe apenas pra existir — por ser uma miragem — você se torna incapaz de julgar o que tem dentro dele e, aí sim, sua aventura se torna realmente algo seu. Você não deve nada pro mundo e ele não deve nada pra você, mas existe algo que você quer dentro dele, que é derrotar o maluco dos robôs e o robô que corre que nem você. O mundo, em vez de ser mundo, se torna um palco com proporções muito fortes — ou é a realização absoluta ou a ruína absoluta. E, por não estarem presas à moral, essas utopias ou distopias não estão presas a uma discussão sobre alguma coisa. A Utopia de Morus, por exemplo, introduzia princípios morais que eram considerados elevados ali naquela época (e que, hoje, já não valem em alguns casos) e a questão de se aquilo tudo funciona mesmo ou não fica no ar, como é o caso em todas as utopias — a socialista dos primeiros tempos, a comunista pós-ditadura do proletariado, a libertária etc. Você tem os princípios, mas não a imagem. Em Sonic CD, você tem a imagem, mas não os princípios. Essa abordagem permite que você retrate coisas bonitas, que tocam o coração dos jogadores, sem no entanto entregar o que você quer dizer com aquilo.

Cloudbank, por exemplo, é uma utopia em Transistor. É uma cidade que visivelmente funciona para o bem das pessoas, com princípios morais elevados e bases de sustentação social, política e mesmo existencial bastante sólidas. Isto é, era, porque Transistor se passa exatamente com Cloudbank sendo subvertida na sua matriz, deixando de existir em todos os níveis. Você pode discordar da Camerata, achar que os caras são reaças, que a Sybil é linda inconsequente e tudo o mais, mas o caso é que os princípios da utopia existiam e funcionavam, mas falharam. Não é uma utopia contingente e não vai virar uma distopia — simplesmente os princípios foram traídos em algum ponto, por mais que funcionassem e noventa e nove vírgula noventa e nove por cento das pessoas fossem supostamente felizes. E mais — você não vê isso. Você só vê as coisas se deteriorando, mas não elas funcionando.

E isso é mais forte como princípio que como imagem, embora nos façam imaginar como era tudo antes de CERTAS PESSOAS colocarem tudo a perder. Mas é muito intelectual, assim como todas as utopias já foram. As de Sonic CD, assim como as distopias também, são mais viscerais justamente por serem miragens. Elas são, realmente, lugares para estarmos, não materializações de ideias ou pensamentos que estão em discussão hoje em dia. Os futuros de Sonic CD são estranhos porque não fazem parte de nós, admitem que nossos princípios vão mudar e toda nossa noção de tudo vai acabar caindo por terra intelectualmente — mas ali, naquele jogo, as utopias ou distopias de Sonic CD serão sempre coisas muito bonitas ou muito feias e autossuficientes.

Precisamos de mais futuros como os de Sonic CD.

Se jogar Touhou é aprender a dançar (e é), Touhou Juuouen: Unfinished Dream of All Living Ghost é encontrar seus amigos na balada, um por um, aí dar um abraço efusivo enquanto dança em cada um e, em cada encontro, ir junto no bar pedir mais uma caipirinha.

TETRIS
TETRIS DEVAGAR
TETRIS RÁPIDO
TETRIS COM PECINHA QUE PISCA
TETRIS DE LADO
TETRIS COM FRITAS
CARRINHO
TETRIS CARRINHO
TETRIS 2
TETRIS INVISIVEL
TETRIS ARKANOID
JOGO SECRETO (TETRIS)

A história da linguagem dos videogames é uma constante descoberta e supressão de fantasmas. Nada ilustra isso melhor do que o mais inocente dos seres humanos junto da mais perversa das máquinas — uma criança jogando Chrono Trigger.

A introdução de Chrono Trigger mostra, em uma montagem, todas as eras pelas quais o jogo passa — o futuro distópico com réplicas que fazem montinho no seu amigo robô; o passado distante que mistura dinossauros e seres humanos; cidades no céu e aviões gigantes; castelos sombrios em que residem monstros horríveis. A introdução faz questão de não ser totalmente cosmética e também te mostra as mecânicas de batalha tais quais elas aparecem no jogo: você seleciona poderes incríveis em um menu para causar dano nesses monstros horríveis, monstros tão variados quanto as eras. Dragões de sucata, esqueletos de três metros de altura, uma horda de morcegos e demônios da noite em geral. O dano que você causará neles está expresso em números até os quais essa criança nem saberia contar! Certamente é uma introdução que diz ao jogadorzinho o que esperar.

Você não imaginaria, depois de uma introdução assim, que o jogo começa com sua mãe te acordando para ir a um festival. A primeira parte de Chrono Trigger é tão singela, especialmente em comparação com o que o jogo te disse que vai acontecer no futuro, que sua interação com o mundo à sua volta pode começar apática, um pouco atônita até. Você sai de casa e é apresentado ao Millenial Fair, um festival comemorando mil anos desde que a nação de Guardia foi fundada. Muitas atrações estão ao seu alcance — apostar em uma corrida, testes de força, desafio de quem bebe mais e até mesmo lutar contra um robô cantor chamado Gato. Como a criança provavelmente não tem ideia de como um festival vai levar a castelos com estátuas de dragões, ela começa a explorar o lugar e, nem tão lentamente assim, a apatia dá lugar ao entusiasmo.

Millenial Fair é um lugar divertido! A ideia de fazer várias atividades dentro da grande brincadeira que esse jogo mostrou ser vai te levar a, quem sabe, devolver o gatinho perdido de uma menina e roubar um frango de um velho. O velho não abriu uma batalha com você. Então tá tudo certo. Você viu como o jogo é pra ser e você só morre em batalha, então se o velho não entrou em uma batalha com você para te causar dano em números, é porque isso ainda não é reeeeealmente o jogo.

Em determinado momento, você esbarra em uma garota. Desse encontrão, surge um ponto brilhante no chão, que você descobre ser o pingente da moça ao ir atrás dele. Será que não dá pra vender esse pingente pro senhorzinho que vende equipamentos e os recompra pela metade do preço? Marle, a menina do encontrão, se mostra uma pessoa muito simpática que se torna sua amiga e te acompanha em aventuras quando o jogo realmente começa (não sem antes comprar doce no festival, claro). E aí, sim: você vai para o passado por acidente resolver um paradoxo do avô através de lutas com inimigos, interface, ataques especiais e números. Você descobre que a moça simpática é, na verdade, princesa do reino em que você vive. Então isso é legal. Cinderela ao contrário e tudo o mais.

Ocorre que, ao voltar para o presente, você tem a prisão preventiva decretada contra você por raptar a princesa e é levado a julgamento. Por mais que você diga que não está interessado na fortuna da princesa, o promotor vai chamar certas testemunhas para falar sobre seu caráter.

E essa parte te atinge de onde você não poderia nem imaginar que viria o golpe.

O velhinho de quem você roubou o frango? Testemunha contra você. O vendedor pra quem você tentou vender o pingente da Marle? Testemunha contra você. Foi até o ponto brilhante logo depois de esbarrar na Marle, antes de ver se estava tudo bem com ela? Vão testemunhar contra você. Foi fazer qualquer outra coisa enquanto Marle comprava doce? Vão testemunhar contra você.

E você vai ser preso. Mas, muito mais importante, você já foi traído. Não por qualquer elemento dentro do jogo, afinal, a culpa foi sua. Você foi traído pelo jogo como um todo.

Porque esses pequenos comportamentos sem consequência direta — e sem consequência dentro das regras que você entendeu que devia esperar do jogo — não foram escolhas morais. Você diz pra si mesmo que não é uma pessoa ruim por ter feito isso tudo. Você só estava brincando, não é? Você não achava que esses pequenos comportamentos faziam, também, parte do jogo.

Você não poderia imaginar que o jogo estava te observando o tempo todo. Que o jogo sabia. Que o jogo te julga, que o jogo está não só na sua frente, mas também atrás de você, olhando por cima do seu ombro.
Quando você, de uma hora para outra, perde a noção do que faz parte do jogo e o que não faz, você foi vítima do Fantasma de Millenial Fair.

Em um piscar de olhos, você não sabe mais quando o jogo está te observando, fazendo contagens do que você faz e o que exatamente entra nessas contagens. Para todos os efeitos, todas as suas ações daí em diante serão escolhas morais, pois pode existir, como pode não existir, uma entidade dentro do jogo que sabe o que você está fazendo. E, para todos os efeitos, ela está.

Olhando com cuidado, o que Chrono Trigger faz não é uma maravilha da tecnologia. Os limites do Super Nintendo não foram forçados e retorcidos para fazer o jogo se lembrar de pequenas ações e atribuir consequência a elas em um evento posterior. Mas a expansão repentina da percepção da criança sobre o que são escolhas dentro do jogo faz essa tática parecer uma subversão completa da estrutura do jogo. Mais que completa, é uma subversão maldosa e injusta. Isso tava contando? Como eu ia saber?
Isso acontece porque, para jogarmos, precisamos entender os limites do jogo. Esses limites são simples e objetivos. Se você der dois passos para fora, está fora. Se der dois passos para dentro, está dentro. Se você está brincando de esconde-esconde na rua e sua mãe te chamar para almoçar, você pode sair do esconderijo sem ser eliminado porque obedecer à sua mãe está fora do jogo. “Não está mais valendo” pra você. Isso é óbvio.

Mas o Fantasma existe no limite desses limites, na ambiguidade que se instaura quando você está brincando de esconde-esconde com a sua mãe e ela te chama para almoçar na esperança de se aproveitar da sua obediência a ela para ganhar o jogo, portanto de algo fora do jogo com algum efeito dentro dele — o que, efetivamente, faz todas as partes questionarem quais são os novos limites desse jogo.

Em um videogame, temos um conjunto de estruturas que dão suporte ao jogo para que ele exista, mas que, obviamente e por isso mesmo, não podem fazer parte do jogo. Estamos falando da existência física de uma mídia; de uma interface que te permita compreender o jogo e interagir com ele, podendo prever o que você pode fazer e que consequências você vai ter; de convenções que separam as áreas de um jogo em fases ou mapas; de sistemas que facilitem sua relação com o jogo, salvando seu progresso ou te dando tutoriais. Brincadeiras normais, de crianças que não enxergam fantasmas, têm como suporte o mundo real, com o que é muito difícil brincar — o pique, no pega-pega, é um poste e não pode de repente se voltar contra os jogadores, virando o pega.

Chrono Trigger é capaz de brincar com seu suporte. Ele te apresenta sua interface, seus números, mesmo sua história e te diz que o que está em jogo é sua capacidade. Ele vai te julgar através da frieza do Game Over caso a vida dos seus personagens chegue a zero, através do dinheiro que você simplesmente não tem para comprar um equipamento, através dos mecanismos que ele te apresentou. Esses mecanismos são mostrados como fins em si mesmos — o modo de usá-los nunca está em jogo. Seu caráter não parece ser questionado, mesmo porque você está controlando o herói da história. Quando, portanto, Chrono Trigger te coloca sob os olhos do Fantasma de Millenial Fair, ele te diz que o suporte do jogo faz parte do jogo. Você nunca estará a salvo.

Mas esse Fantasma é facilmente suprimível. Você pode recomeçar o jogo e, de propósito, ser o maior santo que Guardia já viu. Pode se comportar como um bom menino e perguntar à Marle se ela está bem antes de ir ver o pingente, já sabendo que é um pingente. Pode ativamente não roubar a comida do velhinho, pode salvar o gatinho da menina. Pode até não participar do jogo da bebida, porque beber é coisa de gente ruim. Ao fazer isso, você chegará ao julgamento e será inocentado — o jogo realmente reconhece seu comportamento exemplar! Mas você será preso de novo. Aí, no esquema geral das coisas, você vai entender que o julgamento é parte da história, do andamento do jogo como um todo. Ser preso é um jeitinho para que essa história continue e, ainda que o Fantasma conceda que você é capaz de agir segundo suas regras nebulosas, ele não pode conceder que isso estrague o resto do jogo. Você passa a ver quais ações geram quais consequências e volta a ver as engrenagens por trás da névoa.

Atrás do horizonte de dúvidas sobre onde começa e onde termina o sistema de um jogo, sempre haverá variáveis e condicionais. Em 2017, Chrono Trigger talvez trucaria você nesse momento, reconhecendo que você já foi preso uma vez e está tentando trapacear jogando de novo. Mas, por trás dessa aposta dobrada, dessa impressão reforçada de autoconsciência, ainda haveria um limite concreto, atrás do qual uma criança poderia ver que um jogo é um jogo. No fim das contas, o Fantasma de Millenial Fair não existe no jogo, mas no jogador. Quem reconhece uma resposta a algo inesperado e perde o chão é a criança, por ela mesma.

Mesmo assim, não é apenas um truque que confia mais na miopia de quem vê do que na ilusão de ótica propriamente dita. É uma técnica, mesmo, uma estratégia de narrativa que coloca o jogo como agente e objeto de uma história sendo contada não em exposição, mas em diálogo com o jogador; é uma estratégia de jogabilidade que coloca o jogo como entidade ativa, um passo à frente do jogador. Em oposição à ideia de que escolhas importam, o Fantasma de Millenial Fair é a materialização da ideia de que comportamentos importam. Escolher se torna, também, uma escolha.

Ao longo dos anos, temos visto a evolução dessa estratégia, outras aparições do Fantasma. Em Mystic Messenger, você conversa com personagens através de um aplicativo de mensagem instantânea que funciona em tempo real, quer dizer, você pode receber (como pode não receber) mensagens a qualquer momento. O jogo não precisa de uma razão para te mandar uma mensagem, mas certamente algumas mensagens são consequência de ações suas, ou ainda de comportamentos seus: tão importante para o sistema quanto o conteúdo de suas respostas é o fato de que você respondeu em primeiro lugar. Como o jogo borra já de início o limite temporal de quando você está e quando não está jogando, para todos os efeitos você está sempre jogando.

Em Steins;Gate, você interage com o sistema do jogo através de um celular, a partir do qual você pode responder mensagens de outros personagens, atender chamadas e viajar no tempo. Duas dessas funcionalidades podem acontecer a qualquer momento e, vez por outra, alguns personagens vão reagir ao fato de que você atendeu ao telefone enquanto conversava com eles. É importante notar que, de maneira geral, não existe uma ligação mecânica, de jogabilidade, entre o ato de atender o telefone e estar em uma cena em que outra pessoa está presente. São dois mecanismos independentes que, até onde você sabe, geram escolhas e consequências separadamente. A interação inesperada entre os dois paradigmas não tem absolutamente efeito algum sobre nenhum sistema do jogo, quer dizer, só traz a resposta imediata e negativa do personagem que você ofendeu. Porém, perceber que o ato de atender o telefone é uma escolha faz com que, de repente, usar a mecânica principal do jogo, isto é, o ato simples de jogar se torne uma escolha moral que afeta personagens à sua volta — não como instrumentos de uma história, mas como pessoas.

Não é trivial que esses dois exemplos usem telefones. A ideia de que determinado evento pode acontecer a qualquer momento e sem uma causa fixa que você pode recapitular imediatamente, mas que com certeza é resultado de como você jogou até aquele momento, é muito facilmente materializável na falta de ação natural de quem espera um telefonema. A ideia de que uma consequência não depende só de uma atitude sua, mas também de uma consciência que a processa e avalia, coloca o jogador à mercê do jogo e constrói a ilusão de que existe um coração dentro do sistema.

O Fantasma de Millenial Fair tem o poder muito particular, então, de fazer parecer autoconsciente e orgânico um espaço de escolhas em que, normalmente, você se sentiria capaz de prever causa e consequência. Kojima adestrou o Fantasma, mas não em Metal Gear Solid, quando expandiu os limites da estrutura do jogo ao te obrigar a jogar com o controle do Player 2 para derrotar um vilão. Na verdade, a série Metal Gear Solid está repleta de vislumbres da expansão repentina da percepção do que faz parte do sistema de um jogo, mas de maneira geral esses vislumbres não borram a linha temporal ou moral do que é estar jogando. Kojima adestrou o Fantasma em P.T. quando em determinado momento escondeu um pedaço de um quebra-cabeça em um menu.

P.T. é um jogo de terror e, em jogos de terror, o menu é o pique. Você pode pausar para respirar a qualquer momento e, efetivamente, sair do jogo: o menu, lembramos, é suporte do jogo e, portanto, enquanto você tiver ele aberto você não está à mercê do jogo. Ao esconder uma peça de quebra-cabeça no menu, Kojima retirou essa salvaguarda, incorporando-a ao jogo. Se o menu agora faz parte do jogo, onde você está a salvo? Perceba que não há nada demais nesse ato. Nem mesmo causa medo, mas é um ataque à sua percepção. Assim como tinha uma peça ali antes, da próxima vez que você abrir o enigma pode ter ali um fantasma.

É uma evolução natural de linguagem, de questionamento dos limites físicos e mentais da experiência de um jogo. É um xadrez infinito entre jogos e jogadores — mas jogos foram feitos para perder de jogadores, no fim das contas. É, no fim das contas, sempre uma aposta — uma parte boa do medo causado por filmes como O Chamado estão na coincidência de o telefone da sua casa tocar logo depois de você assistir ao filme, mas não existe garantia alguma de que isso vai acontecer. O Fantasma de Millenial Fair depende, para nascer, do entusiasmo de uma criança: o jogador apático jamais se daria conta dele, seja por não ter interesse suficiente em explorar o festival ou por não se importar em ter seu caráter questionado.

Para cada novo suporte e nova convenção, haverá alguém que os incorpore ao jogo em si. A história da linguagem dos videogames nasceu quando a primeira criança se deslumbrou com o primeiro jogo, pensando consigo mesma, “é isso que um jogo pode fazer!”. O Fantasma se tornou inevitável a partir de então, assumiu novas formas e novas faces. É natural que a história da linguagem dos videogames acabe, portanto, quando o último deles for suprimido, deixando aparecer suas engrenagens por trás da névoa.

Sonic Superstars is desperate to control the player's sense of fulfillment. It wants you to see everything it has so, so bad. It won't let you get all emeralds before it would be convenient for it, lest you ignore all the challenge they built just for you; it doesn't let you kill bosses before you see all of its attacks and patterns. It won't let you go by without knowing when a specific ability would've been useful, and most abilities aren't useful at all beyond that. It hates the idea of losing control over the player and their interactions with the action space so much it's willing to contradict the rules it established before just to prevent you from not doing what it wanted you to, when it wanted you to.

Classic Sonic is not just pinball physics. There's a sense of transgression in early Sonic games -- in pulling off what the game didn't seem to want you to do -- that is completely missing here.

(Atenção: mentira à frente) Uma das coisas em que eu mais penso é na maneira em que vão fazer pastiche de nós no futuro. Em particular, nossa relação com a Internet. (Atenção: verdade à frente) Às vezes parece que estamos todos em uma histeria coletiva. Não tem como retratar o que estamos vivendo, a não ser pelo Bingo da Amizade do Hermes e Renato.

Mas o que dá um alento é ter certeza de que a maneira como vão rir da gente no futuro — mesmo que seja com carinho — só vai refletir a histeria coletiva deles. Algum dado vai passar, deixar transparecer a maluquice de povos mais avançados. É inevitável e provavelmente nem a segunda vinda de Cristo pode interromper esse ciclo de pastiche e paranoias geracionais. Vão rir do Facebook vendendo nossos dados pra Elma Chips, mas essa risada vai ser sintetizada porque todas as vozes vão ser autotunadas no futuro devido à inexistência de cordas vocais. E aí quem ri por último?

De modo que Hypnospace Outlaw, que se apresenta como uma grande brincadeira com a Web 1.0, diz mais sobre a gente do que sobre nossos antepassados de internet (que também são a gente, por falar nisso). Normalmente no dislu.do a gente gosta de falar do que jogos fazem, não do que jogos dizem. Mas hoje a gente vai abrir uma exceção.

Esse jogo é o seguinte: você se conecta a um sistema operacional chamado HypnOS, ativado por um dispositivo estilo óculos de realidade virtual, feito para se usar enquanto dorme. Na prática, você se conecta a uma versão retro-futurista do Windows 3.0 conectada à internet. Mas você tem uma missão: você foi contratado pela empresa dona desse dispositivo, Merchansoft, para ajudar a regular o hipnoespaço. Então você pode navegar pelos sites pessoais dos usuários, indexados ou não, e reportar ofensas. As ofensas possíveis são:

-Violação de conteúdo (direitos autorais, marca etc.)
-Assédio moral
-Conteúdo Ilegal
-Aplicativos Maliciosos
-Serviços Extra-legais

(Portanto, o sistema VACAS)

Então você recebe missões da Merchansoft e tem que sair por aí procurando transgressões para ganhar HypnoCoins, que é dinheiro que só pode ser usado no hipnoespaço. Você pode usar essa moeda virtual para comprar protetores de tela, papeis de parede, aplicativos, temas, bichinhos virtuais e muitas coisas mais para sua área de trabalho. E aí os casos vão ficando complexos: você tem que desmontar uma gangue hacker, acabar com o ancestral dos torrents, o diabo. É um pouco como se você pudesse virar o Justiceiro da Deep Web, usando o Tor e tendo o poder de deletar quaisquer conteúdos que fossem considerados ofensivos.

Mas não por você: pelo Facebook. É como se o Facebook tivesse comprado a deep web. Não o Tor. A deep web, mesmo. Porque o jogo tem uma linha narrativa, tá. Não vou falar muito dela. Mas logo no começo, você vai desconfiar que tem algo errado com o atual estado das coisas. Existe um ambiente verticalizado em que uma empresa controla os serviços, a economia, o conteúdo e a moral. Essa empresa também tem acesso basicamente ilimitado aos dados dos usuários. Claro que algo está errado. É nisso, não na recriação extremamente detalhada de um ambiente virtual pré-Google, que está o maior humor de Hypnospace Outlaw.

Isso porque é um jogo que ri de nós no passado e de nós no presente — essa narrativa e o modo como a percebemos estão condicionados ao modo como entendemos a internet hoje, não ontem. O jogo te apresenta a um trabalho muito mais parecido com algo que nós todos fazemos, inclusive de graça: reportar conteúdo que odiamos para grandes empresas, confiando a elas nosso bem-estar virtual — porque estamos 100% do tempo absolutamente revoltados, hipersensíveis e querendo consertar um espaço muito maior que nós.

Não que esse seja o comentário do jogo, necessariamente. Mas a maneira como o jogo veio a ser, na época que veio a ser e retratando o que retrata moldam a maneira como nos relacionamos com ele. Então Hypnospace Outlaw é um jogo que traz um carinho pelo passado, uma consciência do presente e um leve, beeeem leve medo do que podemos ver no futuro — quando ainda estaremos rindo de nós mesmos, mas talvez sem se dar conta das mãos que estão dando tapinha nas nossas costas.

When a game is capable of not only putting forth the idea of magic as a greater body of knowledge -- concerned with both universal truths and unalienable consciousness -- but also codifying it, that game becomes a magical artifact. Such is the case of The Cosmic Wheel Sisterhood.

If you think I sound conceited or lunatic, it simply means the system allowing you to create divination cards imbued with the very essence of the elements is the same system through which you'll make pizza for your friends and family.

And that in itself a treatise on magic if I've ever seen one.