Às vezes, depois de um dia difícil e cansativo de trabalho, eu começo a preparar um jantar sem ter ideia do que eu realmente estou cozinhando. Descongelo legumes, começo a refogar cebola e vou torcendo para que aquilo esteja indo para algum lugar.

Na maioria das vezes eu consigo terminar a noite com um prato descente de comida, mas, volta e meia, eu estou com uma panela de molho branco no fogão, lentilhas na panela de pressão, cortando filés de frango na bancada e desesperado porque eu não sei para onde estou indo com aquilo, nada parece estar combinando com nada e ao mesmo tempo eu não posso parar de cozinhar até conseguir chegar em algum tipo de jantar de tudo aquilo.

Apesar das partes separadamente não estarem ruins, eu sei que a soma delas formou um prato confuso, incoerente e difícil de engolir. A única coisa que eu consigo fazer depois é interromper a refeição a cada cinco minutos para tentar dar explicações do jantar para as pessoas que estão comendo.

Jogar o The Legend of Zelda: Skyward Sword original, de Wii, me faz sentir de uma maneira muito parecida. Existe uma constante frustração de ver as escolhas que foram tomadas e o quanto elas não contribuem para o produto final. Os sabores não se complementam, mas são redundantes ou até brigam entre si. São um monte de pontas soltas que não chegam nos lugares que deveriam chegar e resultam em uma experiência medíocre para baixo.

Jogar o The Legend of Zelda: Skyward Sword HD, no Switch, é como comer aquela mesma refeição confusa, mas com pratos e talheres mais interessantes e funcionais. Ajuda a fazer a comida descer, mas não melhora o gosto da comida. Os elementos que me frustraram continuam me frustrando, mas é muito mais rápido e fácil de passar por eles.

Isso, no entanto, não é uma surpresa. Você não melhora uma refeição falha colocando em vasilhames mais bonitos ou jogando temperos por cima se os erros foram estruturais. Você aprende com os erros e pensa duas vezes antes de começar a cozinhar lentilhas quando você já está fazendo molho branco em outra panela.

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Rejogar é diferente de jogar. Enquanto jogar é imersão, rejogar é análise. Quando jogamos pela primeira vez, estamos agindo e reagindo a tudo como aquele personagem tendo que encarar os desafios, tomar decisões difíceis, agir sob pressão. Somos muito mais tolerantes com o jogo a primeira vez que jogamos e não temos tanto tempo sempre para pensar o que significam nossas ações e o que sentimos sobre elas.

Rejogar é outra história. Você sabe o que está acontecendo. Sabe para onde a história vai e não se surpreende mais com os plot twists. Isso faz com que você se sinta menos imerso naquela história, se sinta menos na pele daquele personagem e consiga enxergar tudo sob um outro ponto de vista.

A primeira vez em que eu joguei "The Last of Us", eu estava na casa de um amigo. Enquanto ele dormia depois do almoço eu ligava o PlayStation 3 dele e ia jogando de pouco em pouco. A história era algo fascinante e era muito impressionante o quando eu me sentia naquele mundo.

A lembrança de ter gostado do jogo foi tanta que eu, anos depois, quando comprei um ps4, decidi comprar o The Last of Us Remastered e rejogar, tentando reviver aquelas sensações todas de viver uma história única.

Isso, no entanto, não aconteceu. Rejogar me fez sentir muito mais no papel de espectador daquela história do que de realmente um agente. Estar nesse novo lugar, distante dos personagens, sabendo a decisão que Joel toma no final mudou totalmente o modo como eu me sentia em relação ao jogo. Enquanto a primeira vez parecia uma aventura em busca de uma esperança, a segunda parecia uma tragédia shakespeariana na qual todos morrem ao final.

A cada mapa, a cada desafio que os personagens enfrentavam, eu só conseguia pensar que nada daquilo valia a pena. Ao chegar no hospital, na última parte do jogo, eu só conseguia pensar que no fim das contas o Joel é um grande vilão dessa história e eu só queria conseguir mudar o final, fazer com que o Joel aceitasse tudo e só fosse embora de lá.

No entanto, não é possível mudar o final do jogo, ao menos desse jogo. Eu tive que matar todos aqueles soldados que, na minha opinião, estavam do lado certo, aqueles médicos que eram grandes heróis, tudo por causa de um egoísmo com o qual eu não me identificava.

Quase deixei para lá o jogo e abandonei, mas decidi seguir até o fim. Não foi um grande final dessa vez. Foi um final amargo, seco e triste.

Rejogar é diferente de jogar porque faz a gente repensar todas aquelas emoções, aquelas opiniões, aquelas decisões tomadas e eu vou pensar com muito cuidado daqui em diante quais jogos vou rejogar ou não.

Estamos a todo momento caminhando em trilhas de convenções sociais, no modo como nos comunicamos, como andamos, como comemos. A verdade é que mesmo quando achamos que estamos fazendo algo totalmente inesperado e inusitado, muitas vezes ainda estamos seguindo algum tipo de convenção.

Você pode dizer que não liga para regras e normas, mas elas estão afetando o seu comportamento, mesmo que seja indicando quais caminhos você não vai seguir. Por isso, mesmo que The Last Guardian seja um jogo único, fico na dúvida se ele está quebrando com convenções de video games.

É claro que não é comum ter um jogo cuja principal mecânica está relacionada com lidar com um animal de comportamento realista e que não obedece direito os seus comandos. Alguma coisa dentro de mim diz que uma hora ou outra um jogo como esse iria surgir.

No entanto, independentemente se o jogo está desafiando convenções ou não, eu fico feliz que existam jogos que me façam pensar nisso, que existam pessoas com coragem de desenvolver ideias pouco usuais. Talvez mais importante do que fazer algo, sem sombras de dúvidas, totalmente novo e inesperado, é o exercício de nunca deixar de tentar chegar nesse nível.

The Last Guardian não é um jogo ótimo, mas é um jogo que traz algumas esperanças de que vale a pena tentar lutar contra convenções para fazer algo único. Talvez, com ideias desse tipo, um dia consigamos chegar realmente a quebrar algumas regras e convenções e trilhar outros caminhos, melhores caminhos, diferentes de tudo o que já vimos até então ou que um dia esperaríamos ver.

Todo mundo, acho, tem um(a) amigo(a) do(a) qual você era inseparável. Nunca tinha dia ruim, ele(a) estava sempre pronto para animar você, fazer piadas, propor aventuras malucas e você era muito feliz do lado dele(a).

Todo mundo também, acho, já teve um momento de reencontrar esse(a) amigo(a) depois de anos sem se falarem e… a princípio é legal, as lembranças, as piadas, é tudo muito nostálgico, mas no fundo você sabe que tem algo errado ali. Você tenta entender o que, mas nada parece estar fora do comum. Aquela amizade está lá do mesmo jeito que sempre foi. Até reparar que o problema é você. Você que mudou, você que não gosta mais daquelas piadas e daquelas aventuras.

Eu sempre vou ter um carinho especial por Borderlands 2. Foi um dois primeiros jogos mais next gen, na época, que eu comprei e eu me acabei com ele, com todas as missões, personagens, armas, cenários etc.

Quando saiu o Borderlands 3 eu sentia que tinha que comprar, não existia a opção de não jogar. Mas a verdade é que não consegui passar dos primeiros minutos até perceber que não era para mim. E isso não é culpa do jogo, mas é minha culpa. Borderlands não é mais uma série que me move, que me surpreende e me motiva. O que eu sinto agora é mais uma nostalgia e um saudosismo, mais do que qualquer coisa.

Isso não que dizer que eu passei a odiar o jogo mas, assim como aquele(a) amigo(a), talvez seja a hora de seguirmos cada um pelo seu caminho e guardarmos conosco somente as boas lembranças do tempo que passamos juntos.

2016

Existe algum prazer em apertar botões. Campainhas, interruptores, teclados; botões em eletrodomésticos, em ferramentas, em controles; botões silenciosos, mecânicos barulhentos etc.

Para mim, talvez isso esteja relacionado a criar uma segurança de que você tem o controle sobre algo no mundo. Vivemos em um mundo de milhares de possíveis acontecimentos e de improbabilidades e temos que lidar com isso a todo momento. Você pode, por exemplo, ser o melhor arqueiro do mundo. Pode ter a postura perfeita, estar em um dia perfeito, tudo pronto para atirar a flecha no centro do alvo. No entanto, a partir do momento em que você larga a flecha, tudo pode acontecer. Talvez bata um vento e desvie a fecha, talvez um pássaro passe bem no momento e faça a flecha alterar a direção dela, talvez aconteça um terremoto e o alvo caia no chão.

Botões não são como flechas. Eles fazem exatamente o que você manda eles fazerem, se estiverem funcionando corretamente, pelo menos. Se um botão não está funcionando, é a coisa mais frustrante do mundo, mais do que errar a flechada no alvo. Eu que o diga, pois recentemente descobri que um dos gatilhos do botão fazia o controle achar que eu estava empurrando uma das alavancas e tive que ir até uma assistência arrumar.

Furi é um jogo sobre o prazer de apertar botões. Obviamente, você precisa apertar botões na maioria dos jogos, mas em Furi os botões devem ser apertados de maneira muito mais rítmica e assertiva. Não é um jogo de imersão para mim, mas sim um jogo de sincronização, você menos precisa se sentir na pele do personagem e mais parte do código do jogo.

Nunca foi tão prazeroso apertar botões na hora certa. É um jogo que faz você se esquecer de que o arroz que você sempre faz do mesmo jeito às vezes queima no fundo, que volta e meia você tropeça andando pela rua onde você anda todos os dias. Você sabe que tudo o que você conquista ou fracassa é por causa dos botões que você apertou, e que você pode apertar ainda melhor, e melhor, e melhor.

São tantas repetições, tanto treino tentando apertar botões do melhor jeito que em algum momento você até se esquece que o jogo têm personagens, que tem uma história e um cenário. Pensando bem, talvez eu esteja errado em dizer que esse não é um jogo de imersão. Talvez seja essa a imersão. Se sentir um ser totalmente desinteressado pelos outros, totalmente surdo para os apelos, provocações e avisos. Uma força que segue sempre em frente, não pode ser interrompida por nada e, pior de tudo, sente prazer nisso.

Talvez seja bom no fundo que nem tudo na vida seja como botões, que a gente se iniba com a possibilidade das coisas não acontecerem como planejado, mesmo que tudo ocorra aparentemente como deve ocorrer. Talvez a gente precise do medo da improbabilidade para não se tornar uma força que desconsidera tudo e todos à sua volta. Sejamos imperfeitos, pelo menos fora dos jogos, como um gatilho de controle que também empurra uma alavanca para frente.

Eu queria ser uma pessoa menos cética em relação a tudo a minha volta, mas talvez esse seja um caminho sem volta. Eu não consigo ouvir músicas populares e me deixar sentir alguma coisa por elas sem imaginar que elas são menos uma expressão artística e mais um produto. Não sai da minha cabeça a imagem de uma mesa rodeada de homens de terno apontando quais palavras devem ser usadas e qual é o melhor momento para mudar o tom e tocar pessoas emocionalmente.

Talvez seja pelo fato de ter crescido e começado a vivenciar bastidores do desenvolvimento de produtos. Percebi que a emoção humana é algo que pode ser estudado, previsto e estimulado apertando as teclas certas. Pelo mesmo motivo, não consigo mais ver reportagens televisivas depois de passar por uma faculdade de jornalismo.

De modo algum eu quero dizer com isso que eu sou muito mais “real” que as pessoas, que eu sou especial e consigo ver através as intenções além do que pessoas comuns conseguem ver. Muito pelo contrário. Continuo sem saber se estou me sentindo assim por minha causa ou por que as pessoas desvendaram os pontos certos para me fazer sentir. A diferença é que desconfiando de tudo, eu aproveito muito menos tudo com que eu entro em contato.

Jogar A Story About My Uncle foi muito difícil por isso. A todo momento, quando o jogo tentava me puxar para a imersão, meu ceticismo me puxava para a desconfiança. Por mais sincero que o jogo possa ser em querer contar uma história, parte de aproveitar é de sua responsabilidade como jogador, é se deixar aproveitar, se deixar guiar e se deixar enganar.

Dizem que, por exemplo, hipnose é algo que só funciona se você está disposto a acreditar que ela existe e que você pode ser hipnotizado. Mas como fazer isso? Como voltar para um momento em que você não tinha aquela desconfiança?

Tenho muito medo de não estar aproveitando coisas boas da minha vida por causa dessa desconfiança de tudo. De não estar aproveitando uma festa da firma, um almoço em família, uma mensagem motivacional por ser cético em relação ao que essas coisas representam de fato.

Eu queria poder jogar A Story About My Uncle sem toda essa armadura e me deixar levar por uma história simples de uma aventura fantástica, sobre seres de outra dimensão e tecnologias incríveis. Essa armadura, no entanto, talvez já faça parte de mim, talvez já seja uma carapaça e eu continue tornando experiências piores para mim sem nunca saber se existia um motivo para tanta desconfiança.

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Eu não suporto discussões desnecessárias. Se o feijão fica em cima do arroz ou o contrário, se o vestido é branco e dourado ou azul e preto, se o certo é dizer biscoito ou bolacha etc. Queria muito entender por qual motivo algumas pessoas decidem gastar essa quantidade finita de minutos nesse planeta levantando e repetindo essas questões que não levam a lugar nenhum.

Umas dessas questões que eu mais odeio é se Capitu traiu ou não Bentinho. Como se o livro não tivesse dado elementos o suficiente para você aproveitar, sentir, pensar, pessoas debatem e rebatem argumentos de pistas existentes e não existentes como se só pudessem aproveitar aquela obra com uma definição.

Mas esse não é um pensamento revolucionário. Professores(as) de literatura há anos falam que é uma história sobre ciúmes, e não sobre uma traição. Não saber faz parte do processo, nem todos os mistérios da nossa vida serão desvendados afinal e vamos morrer deixando muitas pontas e arestas soltas por aí.

Dom Casmurro me faz pensar muito em Her Story. São histórias contadas por narradores(as) não confiáveis, que sequestram sua atenção e mexem com o que você acredita ou não. Lembro quando o jogo lançou ouvir debates de pessoas discutindo se ela tinha mesmo uma irmã gêmea ou não, que os indícios mostravam uma coisa, que as batidas de dedo na mesa diziam outra etc.

Isso me incomoda porque é mais uma discussão inútil. Assim como Dom Casmurro, não importa afinal se o que foi narrado é verdade ou não e o jogo não vai ficar melhor com essa definição. Her Story é menos uma história sobre um assassinato, sobre irmãs gêmeas e mais uma historia sobre como a verdade está sempre escapando pelos nossos dedos como areia. Mesmo pessoas encarregadas de descobrir verdades talvez nunca as encontre de fato, com todas as garantias.

Her Story é um jogo sobre aceitar que algumas coisas nunca serão esclarecidas e tentar esclarecê-las a qualquer custo não vale a quantidade finita de minutos que temos nesse nosso planeta.

Quando eu era criança eu tinha certeza de que viveria da minha escrita. Eu vivia escrevendo, no computador, em blogs, em caderninhos que eu levava debaixo do braço. Era um conforto saber naquela época que eu tinha descoberto algo que eu fazia bem, que era especial em mim. Eu sentia que sabia quem eu era por isso e era bom.

Crescer, conhecer outras pessoas, entrar na faculdade foi perceber que o mundo era muito maior do que eu estava acostumado, e nesse novo mundo, eu não era assim tão bom com a escrita. Muita gente escreve, muita gente se acha especial, muita gente é boa nisso e aquela sensação de que eu tinha um dom se estilhaçou em inúmeros pedaços.

A verdade é que nada do que eu tinha feito até então significava alguma coisa. Os textos, as postagens, os elogios de professores(as) e amigos. Esse é o mundo dos adultos e você não ganha um passe livre por achar que tinha um talento quando criança.

Essa sensação é muito parecida com o que eu senti jogando Yooka-Laylee. Você fez algo muito legal no passado, recebeu muitos elogios, pessoas falavam para você que você tinha um dom para a coisa. Mas você não recebe um passe livre por isso. Existem um monte de outros jogos que fazem tudo o que você quer fazer e fazem melhor ainda.

Eu queria gostar desse jogo, queria ver nele algo especial, dizer que apesar dos defeitos é um grande feito de desenvolvedores com um notável talento. Assim como eu gostaria que eu fosse redescoberto, que as pessoas voltassem a me fazer acreditar que tinha algo de especial acontecendo comigo. Mas, assim como eu, Yooka-Laylee é somente uma sombra do seu passado, cheio de comemorações e promessas de sucesso e, infelizmente, eu não vou insistir para saber o final dessa história.

Nunca é um bom sinal quando eu me percebo jogando Minecraft novamente. Minecraft volta para a minha vida somente quando tem algo de muito errado com ela. Isso porque não é um jogo, para mim, sobre liberdade, criatividade e aventura, mas sim um jogo sobre organização, compulsão e controle.

Não é a toa ele ter sido um dos jogos mais jogados quando eu estava recém formado, desempregado, sem perspectiva de arranjar qualquer emprego. Minha vida estava um caos e tudo o que eu queria era ter certeza sobre alguma coisa, eu queria me sentir no controle do meu destino.

No jogo, eu passava horas colecionando e categorizando blocos, automatizando drops, acumulando recursos, construindo edifícios, tentando juntar as migalhas de qualquer sensação de agência e controle para me sentir vivo.

Não jogo mais Minecraft hoje, mas ele sempre volta em algum momento. Ele fica na espreita, como um urubu olhando o animal moribundo esperando para tirar uma lasca de carniça. O que me resta é esperar que, cada vez mais cedo, eu consiga entender o que realmente significa em cada momento aquela vontade de começar um mundo novo e criar o primeiro workbench.

Lidar com a morte era algo que eu queria resolver em algum momento da minha vida adulta. Quando digo lidar com a morte é mais entender o que morte significa para mim, qual é a minha filosofia para compreender a morte e como eu me sinto quando ela aparece.

Eu achei que seria por volta de 2020. Estava me estabilizando em um emprego, na vida pessoal etc. Parecia um ótimo momento para pensar sobre isso de maneira calma e cuidadosa. Até que a pandemia surgiu e não foi mais uma escolha pensar ou não sobre o assunto.

Eu decidi bem cedo na pandemia que eu não queria formar nenhuma opinião sobre a morte nessa situação. Qualquer que fosse, não seria uma boa visão para seguir. Isso me tira o sono nesses momentos. Tenho medo, não de morrer exatamente, mas de não estar em paz com algum tipo de entendimento ou significado sobre a morte quando ela chegar para mim ou para pessoas próximas.

What Remains of Edith Finch é a jornada de entendimento que eu queria ter antes do mundo virar do avesso. Assim como a protagonista, eu queria ter meu momento de reflexão e de pensamento sobre o que morte de vida significam para mim, para que eu possa partir tranquilo quando chegar minha hora.

Até lá eu sinto medo e torço para sobreviver tempo o suficiente para conseguir entender o que significa morrer.

Às vezes eu tenho vergonha de admitir o quanto alguns jogos me afetaram e moldaram uma boa parte da minha personalidade. Eu não sei exatamente o motivo de me sentir envergonhado por isso.

Talvez parte seja por um preconceito que tenho em relação a "comunidade gamer" e a pessoas que fazem de jogos o ponto central da vida delas. Ou parte pode ser também por perceber que uma obra comercial, que foi produzida em massa e consumida por milhões de pessoas, foi algo que conseguiu me afetar profundamente.

A verdade é que, com ou sem vergonha, eu me pergunto se eu teria sido a mesma pessoa se não tivesse jogado The Curse of Monkey Island quando criança. Parte pelo tom sarcástico, do qual eu não me orgulho muito e tenho tentado melhorar, mas parte por querer viver em um mundo em que existem soluções não violentas e fora do óbvio para os problemas.

O Guybrush tem uma ingenuidade em tudo o que ele faz, mas não de um jeito pejorativo. É uma pessoa que analisa com calma a situação e não olha com os filtros do senso comum. Talvez eu esteja dando muito crédito para um personagem de video game, mas é algo que admiro em pessoas e acho que é muito importante para o mundo.

Os problemas do mundo hoje não são simples ou fáceis de resolver. Se tentarmos solucionar utilizando o senso comum, vamos nos frustrar chegando em respostas fracas, impossíveis, gastas. E quando eu me pego pensando nisso, me bate a insegurança de como pessoas vão interpretar essas falas vindas de uma experiência de jogo.

Talvez a vergonha venha daí, de desqualificarem minhas ideias para o mundo, desqualificarem minha personalidade porque um jogo está lá no meio do que a compõe. Quem sabe com um pouco mais de ingenuidade, pessoas possam considerar que grandes inspirações e soluções podem vir de qualquer lugar, mesmo que seja de um jogo de computador de 1997 sobre piratas e maldições.

Eu são entendia muito bem essa coisa de meditação guiada quando era criança. Para mim, meditação significava o exercício impossível de limpar a mente de pensamentos e sensações e sempre me pareceu estranho tentar fazer isso enquanto uma pessoa fica falando no seu ouvido o que você deveria sentir e pensar.

No entanto, hoje como um adulto, eu tenho muito mais simpatia por quem não consegue simplesmente se perder nesse exercício da mente. É muito mais fácil parar de se preocupar com o mundo e se desligar quando você não precisa pagar suas contas, lavar sua louça, cozinhar sua comida etc. Se você precisar de uma pessoa falando para imaginar cachoeiras, campos de trigo ou o que seja, não sou eu quem vou julgar.

Isso porque, sudoku é uma coisa que tem me ajudado a faz algo parecido com meditar ultimamente. Abro o aplicativo no meu iPad e deixo parte da minha cabeça ficar resolvendo os quebra cabeças enquanto a outra parte tenta se livrar de todos os pensamentos, sentimentos e viver o presente.

O aplicativo ajuda muito nisso, trazendo funcionalidades como colocar notas automaticamente, completar o número automaticamente quando sobrar apenas uma opção, etc. Tudo é tão fluido que às vezes nem percebo o tempo que passou e todas as angústias de adulto que deveriam estar prendendo minha atenção.

Eu sempre me achei tão maduro e sensato quando era criança, odiava ser criança e queria ser logo um adulto. Hoje consigo ver o quão criança eu era por julgar os adultos que só precisam de um empurrãozinho para conseguirem se esquecer, pelo menos por alguns momentos, dos problemas desse mundo.

Jogar "The Legend of Zelda: Majora's Mask" é como jogar uma fanfic de Zelda. Eu consigo facilmente me imaginar lendo, nos meus tempos de adolescente, uma fanfic em um fórum que tem uma descrição como:

"Nessa história o link está procurando a Navi e daí ele encontra o Skullkid, mas ele é o vilão agora e transforma ele num Deku Scrub e daí ele está em um mundo e a lua vai cair e é muito sombrio porque todo mundo vai morrer".

Apesar de sim, o jogo tratar de alguns assuntos mais sérios como depressão e luto, existe uma ingenuidade muito carismática em todos esses "e se?". E se os Zoras morassem no mar ao invés de no rio? E se os Deku Scrubs fossem organizados numa sociedade? E se as Twinrova não fossem vilãs?

Cada aventura no jogo é uma oportunidade de ver e experienciar esses faz-de-contas que os desenvolvedores criaram, sem medo de sair do convencional. "The Legend of Zelda: Majora's Mask" segue sendo um dos jogos mais criativos e ambiciosos da série e a "fanfic" oficial mais bem sucedida que eu conheço.

Volta e meia eu me deparo com um jogo que eu não gostei exatamente, mas que eu gostei de ter jogado. Parece a mesma coisa a princípio, mas tem uma diferença muito sutil aí. É muito fácil achar jogos que você gosta ou não gosta simplesmente, mas poucos jogos conseguem fazer você acreditar que valeu a pena terem sido desenvolvidos, ainda que não seja do seu gosto.
Carrion não é um jogo muito divertido, mas é divertido pensar e imaginar como que foi idealizado, que tipo de conversas precisaram ser feitas até desenvolvedores(as) naturalizarem a ideia de que estavam sim gastando horas, dias, semanas, meses da vida construindo um jogo sobre uma massa de carne e ossos assassina.
Em um mundo em que o mais fácil é usar e reutilizar as mesmas ideias, é muito bom ver algo que tenha um ar de coisa fresca. Jogaria novamente? Provavelmente não, mas me traz esperança de que ainda temos muito o que criar e explorar de diferente, com coragem, aceitando os riscos e desafios que existem ao trazer uma ideia nova para o mundo.
Errar fazendo um jogo como Carrion é errar da maneira certa. Queria errar mais assim nos planos que traço para a minha vida.