Hellblade II é um convite, de nos colocarmos na pele do outro. Uma oportunidade de conhecer um sofrimento que não é nosso. Um lembrete de que jogos não são ampolas de dopamina a nosso bel prazer, como o pedaço de fast food digital que a indústria e seus consumidores tanto lutam para equipará-los. Hellblade II é uma obra que convida a gente a se machucar, sofrer, sentir na pele a incerteza, agonia de estar preso, de sangrar por um personagem que tão pouco conhecemos, assim como quem está próximo de nós, abrindo mão das convenções de design replicadas pelos seus semelhantes, e esse jogo ainda vai sofrer muito por isso, assim como Senua toca na nossa alma e grita pela liberdade, e mais do que nunca, consegue replicar em nossos sentidos cada gota de seu próprio sofrimento, clamando por ajuda.

Mas assim como todos os monstros um dia já foram humanos, a diferença do peso que carregamos dos nossos pecados é a escolha de levar eles conosco, como uma promessa, ou de deixarmos que as vozes tomem conta de nós.

"AAA de 6 horas"
"Mais cinema do que jogo"
"Experiência interativa"

Vozes, vozes e mais vozes. Desde quando somos assim?

O jogo de estreia da Hammer95 Studios é uma adaptação da proposta do FPS de ação rápida Post Void, em um mundo impecavelmente construído. Aqui, a sociedade é controlada por robôs super ricos e egocêntricos chamados "robilionários", e aqueles que ousam sobreviver para matar esses robôs são chamados de moderadores.

Crítica completa disponível em: https://www.gamedesignhub.com.br/post/mullet-mad-jack-e-o-sequestro-da-cultura-boomer-cr%C3%ADtica-an%C3%A1lise

Quando partimos do pressuposto de que a paródia é um exercício de intertextualidade, cujo objetivo é levar o interlocutor a fazer uma reflexão crítica sobre o conteúdo parodiado, Ready Player Fuck é um exercício bem raso que se debruça na premissa de que, só de profanar ao mesmo tempo todas as referências possíveis da cultura pop e geek, é uma ofensa primordial per se. Dava pra ser mais ofensivo, cutucar mais, profanar mais, do que só embrulhar um milhão de assets. Não é o suficiente. A arte ofende, e aqui vai ofender quem? O nerd com a "doença do sapo cego"? Já são minoria. Não deixo de considerar uma boa proposta, mas frente à liberdade e desprendimento das amarras da propriedade intelectual, poderia se propor a ser ainda mais ofensivo.

Órfão de Solitairica? Slay the Spire? Dicey Dungeons? Esse jogo é pra você.

A salvação pros apostadores compulsivos em casas esportivas, Balatro tem uma proposta simples: ser um roguelike de mãos de poker extremamente viciante.

A infinidade de melhorias, progressividade de dificuldade nas "blinds", apostas e baralhos, faz com que Balatro tenha um ciclo de rejogabilidade capaz de entreter por horas a fio.

Crítica completa: https://www.gamedesignhub.com.br/post/minishoot-adventures-e-se-zelda-fosse-um-bullet-hell-analise-de-bolso

Baseado nos Zeldas mais antigos, Minishoot é uma obra que traz um frescor, mesmo visitando gêneros clássicos como metroidvania e bullet hell. Mais uma prova viva de quem com poucos recursos é possível entregar uma experiência absurdamente divertida.

Crítica completa: https://www.gamedesignhub.com.br/post/lil-gator-sobre-como-nos-tornamos-adultos-chatos-critica

Jogar Lil Gator sendo um adulto é como assistir a um dos bons filmes da Disney que dialogam tão bem com qualquer faixa etária, como Divertidamente, por exemplo.

Estamos falando de um jogo extremamente fofo e casual, em que controlamos um jacarézinho chamado Lil Gator, que tenta captar a atenção de sua irmã mais velha, que tanto se esforçava para diverti-lo com brincadeiras extremamente criativas quando era um bebê.

Acontece que alguns anos se passaram e a "irmãzona" agora está na faculdade, com muitos trabalhos e projetos que drenam a sua atenção. O pequeno jacaré então bola um plano com seus amigos de construir uma aventura épica pra chamar a atenção de sua irmãzona, e assim começa a aventura de Lil Gator.

Com um trope simples da "Lenda do Herói", extremamente parafraseada do herói Link, de The Legend of Zelda, Lil Gator não mede esforços na criatividade para contar uma história sobre valorizar a nossa criança interior. O pequeno jacaré é enérgico, capaz de enxergar papelões e punhados de confete como inimigos, espadas, escudos e projéteis.

Mas a obra também é assertiva em nos mostrar que, com a vida adulta, os sonhos de infância vão se perdendo, e que isso não significa necessariamente um amadurecimento.

Inclusive, o próprio amadurecimento é controverso, já que um dos seus "sintomas" reflete em deixarmos a contemplação e o lúdico de lado. Não existe mais pausa, não existe calma, é sempre a próxima tarefa, a próxima graduação, o próximo objetivo. A vida que sentíamos, que sonhávamos é descartada. Estar presente e perceber o que acontece à nossa volta vira sinônimo de perda de tempo.

Em uma discussão com amigos recentemente, sobre burnout e neurodivergências como o TDAH, levantamos algumas questões sobre como a mecanicidade do mundo, a exigência da fragmentação e especialização da vida como um todo, acaba nos rotulando e nos afastando ainda mais do que é considerado como ideal socialmente falando.

Se não cumprimos uma tarefa X em tempo Y, se não ganhamos o salário Z, todas essas questões vão se acumulando e nos tornando escravos de um sistema que nos desgasta à força, tentando nos transformar em uma engrenagem "funcional".

E esse, pra mim, é um dos motivos que nos faz abandonar a cosmovisão lúdica da vida, em que até parar para brincar com seus filhos deve ser terceirizado a fim de que você não perca tempo em alcançar os seus "objetivos".

O renomado médico húngaro Gabor Maté, especialista em desenvolvimento infantil, em um podcast recente, disse que se ele tivesse a chance de voltar atrás na vida ele a teria vivido de forma diferente, e a obra que ele citou como catalisadora desse sentimento de arrependimento por ter abandonado a contemplatividade da vida foi nada mais, nada menos, do que o livro que deu origem à história do Ursinho Pooh.

Segundo ele, o último trecho do livro citado foi responsável por lhe arrancar lágrimas durante anos.

"Onde quer que vão e aconteça o que acontecer pelo caminho, naquele lugar encantado no topo da floresta, um menino e seu Urso estarão sempre brincando."

Lil Gator é simplesmente isso, uma obra que nos faz refletir sobre o momento em que paramos de brincar, e como isso nos torna seres humanos chatos, insípidos e sem cor.

- Inspirado pelos eventos de The Cosmic Wheel Sisterhood, escrevo:

"Ah, Àbramar... Como eu vou sentir sua falta.

Assim como no exílio de duzentos anos da Fortuna, eu me pego pensando quando é que eu vou deixar de me sentir sozinho, assim como a Fortuna deixou de se sentir sozinha quando encontrou você, mesmo em um universo tão vasto e solitário.

A minha vida inteira eu me peguei servindo ao meu convento, aos meus amigos, aos meus pais terrenos, e não tenho nenhuma canção proibida pra entoar ao cosmo, nem magia, nem cartas para consultar o meu destino, ou pra tirar um pouco dessa tristeza que me dói no peito de estar vagando sozinho entre as estrelas...

Talvez o meu arcano seja a palavra escrita, e mesmo que eu não possa moldar o futuro com elas, sou grato pelas escolhas que pude fazer ao seu lado, mesmo você tendo tirado o meu convento de mim. Sou grato por todas as bruxas que pude conhecer pelo caminho, mesmo eu não sendo uma.

Não sei qual a história que os meus irmãos e irmãs escreverão sob as entrelhias da Roda Cósmica, que gira incansávelmente rumo ao desconhecido, mas confio que a tua companhia, machucado Behemoth, servirá a empatia, o amor e o conhecimento à cada um deles em uma bandeja de ouro."

- Obrigado, Desconstructeam, por ter me permitido ler as cartas de um baralho tão lindo. Vocês me marcaram pra sempre.

Como é bom ter um gostinho de infância dos anos 90 tão palpável atualmente...

A nostalgia pode ser um sentimento ruim na sua completude, mas quando obras como Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder's Revenge aparecem envoltas em uma experiência polida, respeitosa com o passado e principalmente divertida, é muito difícil não se emocionar e agradecer pelo privilégio de ter vivido bons momentos quando criança, ao lado do meu Super Nintendo.

São tempos que não voltam mais, mas este jogo replica um pouquinho do sentimento de chegar da escola, jogar a mochila no canto e ligar o videogame, tomando um refrigerante gelado e passando horas jogando com os amigos, como se aquele momento durasse para sempre.

Em termos técnicos, temos um aconchegante amontoado de pixels bem trabalhados, com os pilares de uma boa animação presentes, além de uma trilha sonora impecável. A dificuldade é muito bem balanceada, em comparação aos títulos mais antigos que eram extremamente difíceis, algo que é parcialmente intrínseco nos clássicos Beat 'em ups. 16 fases são o suficiente e a desenvoltura narrativa é simples, mas que cumpre a sua proposta de homenagear os vilões mais famosos da franquia.

E falando em franquia, a Tribute Games aproveitou gloriosamente o acervo de títulos divertidíssimos da série TMNT, recheando Shredder's Revenge com muitas referências e aproveitando ao máximo o poderio disponível hoje para confeccionar uma sequência digna de ser elogiada por novos jogadores e por saudosistas.

Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder's Revenge é certamente um título que vai ficar na minha memória por muito tempo!

Cocoon é um daqueles jogos que deveriam ser usados daqui pra frente como exemplo quando falamos em utilização de recursos para criação de um jogo inteligente, carismático e de alto custo-benefício. Quando alguém te disser que não dá para fazer muito com pouco, mostre este jogo para essa pessoa.

Esse debate é necessário principalmente quando as diretrizes de jogos que compõem o mainstream entregam cada vez mais experiências deslumbrantes visualmente, mas que são pobres de proposta, abrindo mão da única característica que faz com que os videogames sejam o que eles são: uma mídia INTERATIVA.

Cocoon é uma demonstração cristalina do que significa um jogo de puzzle acessível e totalmente "videogame das ideias". Um jogo que eu daria na mão de qualquer pessoa que nunca jogou videogame na vida.

É impressionante como Cocoon entrega quebra-cabeças extremamente complexos, que brincam com a nossa mente, sem utilizar uma única linha de fala sequer.

Chega a ser difícil de explicar, mas é como se diversos ecossistemas se fundissem com as teorias aplicadas de deducionismo e indutivismo no game design e tivessem um filho, chamado Cocoon, cujo casulo e a mariposa nos hipnotizam com a sua beleza.

Em linhas simples, poderia ser até mesmo uma espécie de bruxaria, uma alquimia para os não céticos, pois como pode um jogo nos passar a sensação de utilizar 100% do cérebro com apenas dois botões do controle e sem UMA LINHA SEQUER de tutorial explícito.

Não consigo resumir minha experiência como senão enxergar aquela espécime de besouros laminados que nos deixam fascinados nas aulas de biologia do nosso ensino fundamental, ou quando enxergamos um vaga-lume pela primeira vez. Tal qual o design inteligente atrelado às comunidades de insetos, é difícil explicar a existência desse jogo.

Uma das maiores surpresas de 2023, e uma obra que espero se tornar uma referência nos próximos anos.

"Aquilo que te deixa irado, define quem você é."

Apesar de não ser nem um pouco fiel aos mitos hindus e budistas, Asura's Wrath utiliza das mitologias citadas para criar um universo épico e dramatizado para contar uma história de tirar o fôlego.

Definir Asura pode parecer uma tarefa simples, mas o arquétipo do nosso protagonista revela muito mais sobre as suas maneiras do que sobre os seus intentos. É como se a própria raiva fosse uma pessoa, e pudéssemos sentir compaixão dela diante das atrocidades que o ciúme ou a luxúria cometeram contra ela. Chega a ser poético...

Em quatro atos extremamente bem escritos, somos colocados na pele de um semideus traído, que busca vingança pela morte da sua esposa e o sequestro de sua filha.

Por mais simples que essa escolha criativa possa soar, existe um carinho e um apreço tão exuberante nos detalhes da representação da raiva, que não só Asura como todos os outros deuses baseados em fragmentos dos seis reinos de samsara roubam a tela constantemente com as suas peculiaridades.

O QTE, tão subjugado e muitas vezes mal utilizado nas estruturas de game design ao longo dos anos, tem um papel preponderante e exerce uma autonomia ludonarrativa que eu só havia conhecido de maneira cadenciada na minha jornada com os videogames até agora. Persiste uma leitura impecável do que realmente se trata apertar botões nos momentos certos, principalmente no ato final.

O recurso, que rouba a cena, traz a sensação de real poder, de peso, relevância na nossa coordenação, não somente por meio da pontuação mas também através da resposta visual ao nosso sucesso (e falhas também).

Em complemento, a cereja do bolo não poderia ser outra, senão a jornada de Asura contra um panteão de deuses egocêntricos. Acompanhamos uma história que versa sobre o processo de reconhecimento do seu próprio poder, bem como entender de onde vem esse sentimento de ódio, conforme se liberta das amarras do sofrimento que lhe foi causado de diversas maneiras. Tal qual o trespassar pelos seis reinos de samsara, os desenvolvedores resolveram traçar uma história para Asura que, pelo perdão do trocadilho, nos deixa mais perto do Nirvana ao término do esmagar de botões. Uma mistura de alívio, com lágrimas e contemplação.

Asura's Wrath é uma obra rica, que explora com maestria os momentos "sakuga", "over-the-top", "anime spirit" ou qualquer outro nome que você queira dar para coreografias de luta esplêndidas ao lado de aulas e mais aulas de animação e dramatização. Não é à toa que Final Fantasy XVI bebe litros de Asura's Wrath para compor grandes dos principais embates que estão no jogo.

Joguem, e preparem-se para um deleite visual com uma história emocionante de um pai disposto a sacrificar tudo pelo bem da sua filha, e da humanidade, levando de quebra uma experiência divertida e gratificante.

A existência desse jogo é tenebrosa, coberta de sexismo e um roteiro charlatanesco. Talvez os responsáveis tenham se deixado levar pelo Zeitgeist da época que abrigava gamers adolescentes incels para compor TODAS as personagens femininas do jogo? É o mais provável.

Mas, mesmo assim - e de maneira alguma isso ameniza qualquer uma das aberrações presentes nesse jogo - AWAN é necessário para estabelecer alguns dos pilares do que veremos em AW2.

Talvez, a única coisa que se salve da obra escrachada é a atuação absurda de Ilkka Villi como Alan Wake/Mr. Scratch. É de cair o queixo os momentos em que o ator interpreta a versão "serial killer" de Alan Wake. Mal posso esperar para vê-lo atuando mais uma vez em AW2.

Mas pelo amor de tudo o que é mais sagrado, fico feliz que essa época passou e que a Remedy como um todo amadureceu fazendo jogos. Recomendo muito mais um resumo da obra do que necessariamente ter que passar pelos momentos embaraçosos dos diálogos desse jogo.

Em termos de gameplay, é a mesma coisa que a obra antecessora, a não ser pela adição de novas armas e um modo arcade que não passei nem perto devido à repetitividade do combate. Nada justifica a existência dessa obra da forma como ela é: vazia, insípida e de mau gosto.

Uma evolução necessária, com muita alma, visuais deslumbrantes e um carinho imenso com o passado da franquia. Até que enfim a Nintendo quebrou o jejum de 14 anos dos padrões de NSMB!

Porém, mesmo não afetando negativamente a minha experiência, é necessário pontuar que o que Wonder traz de novo no universo "Mario 2D" já é algo extremamente bem explorado em outros jogos como DKC Returns e Rayman Legends, o que me deixa com a sensação (já recorrente) de que a Nintendo tem jogado de forma segura em suas últimas criações.

Wonder é consciente do seu potencial como um Mario que quebra esse jejum "auto imposto", mas paga um preço cruel ao trazer tantas novidades: o tempo de tela de cada uma delas é escasso, e uma das premissas de um bom sidescroller é proporcionar ao jogador a sensação de evoluir, amigando-se com os recursos que lhe são dados ao longo da jornada. Não à toa, a dificuldade de Wonder progride muito mais somente pela básica alteração de complexidade na construção das plataformas do que pela utilização mirabolante e criativa das novas mecânicas apresentadas. Não é isso o que esperamos da Nintendo.

Exemplos disso são as fases musicais e as com penumbras de plano de fundo. A fase mais simples de Rayman Legends (Castle Rock) já é um musical extremamente estruturado e exemplar para a proposta do que foi apresentado em Wonder, isso há 10 anos atrás. Da mesma forma DKC Returns, da própria Nintendo, que soube explorar de maneira mais rica a complexidade da penumbra em suas fases. Não são comparações injustas, tendo em vista os recursos e insumos à disposição da desenvolvedora japonesa.

As insígnias, de certa forma, funcionam somente como recurso de acessibilidade, já que não são obrigatórias e "quebram" o jogo que já se apresenta de forma relativamente fácil. Talvez foi o que mais me deixou triste, pois o potencial de existência de desafios extremamente criativos utilizando as insígnias é gritante, e muito mal aproveitado nas minúsculas fases que podem ser resolvidas em poucos segundos.

Vale justificar que estou muito feliz pelos passos dados com uma franquia que ficou engessada por tanto tempo, e se a proposta era acalentar o coração dos fãs com algo seguro e experimental, Wonder alcançou brilhantemente esse objetivo.

Mas, tal qual NSMB, é inegável que Wonder venderá milhões de cópias e se tornará referência como Mario 2D para a Nintendo, o que me deixa com muito medo de um novo engessamento do que foi apresentado. Espero profundamente que a Nintendo enxergue esse momento como um anseio do público pela continuidade do acolhimento por novidades em seus novos títulos e chute um balde muito maior do que tem sido a existência de Wonder.

Isso significa que, como experiência pessoal, espero que o encanador não se atenha aos próprios limites da criatividade mecânica. Afinal de contas, Mario é o palco perfeito para protagonizar surpresas muito maiores do que as que temos visto em outros títulos do gênero que ele mesmo pavimentou desde o seu lançamento. Coragem, Nintendo!


"Eles não vão nos controlar. Eles não vão nos dividir. Nós lutaremos. Nós lutaremos ou morreremos"

Tendo conversado com outras pessoas que já tem um contato amplo com o gênero de boomer shooters, escrevo essa análise com a plena consciência de que existem lacunas técnicas não preenchidas em Sprawl, algo que desagrada principalmente aos fãs do gênero. Mas eu não sou um fã do gênero. Inclusive, essa é uma das minhas primeiras experiências com um boomer shooter.

Falo neste momento como um fã de fps consolista. É por isso que, dentro desse caráter quase que inaugural, Sprawl me cativou de diversas formas diferentes, alugando um apartamento na minha cabeça. Me fez repensar sobre há quanto tempo atrás eu poderia ter experienciado as sensações possíveis somente com essa categoria de jogos, sentado de frente para o monitor, utilizando um mouse e teclado.

Em Sprawl, jogamos na pele de Seven, uma assassina super soldado que servia às forças governamentais e que agora está sendo perseguida depois de prestar os seus serviços para o governo. Uma voz misteriosa em sua cabeça, que se identifica como FATHER, se propõe ao papel de guiá-la no enfrentamento ao governo militar fascista JUNTA, a fim de libertar o que restou da humanidade das forças robóticas e autoritárias.

Essa é a primeira característica que me chamou a atenção quando comecei a jogar: as construções visuais e sonoras. A infinita megalópole cyberpunk, morta, insaturada e corroída é muito bem desenhada, e as referências a Ghost in the Shell são latentes mesmo para quem não tem muito contato com a animação japonesa. A trilha sonora, que bebe muito dos estilos breakcore, drum and bass e o famigerado metal trazem um tom saudosista, tanto com os vocais sublimes utilizados como pano de fundo em New Port City como em jogos clássicos que admirei de relance ao longo do tempo (Quake, Doom, Wolfenstein).

Para jogadores como eu que sequer sabiam nomear termos como "weapon swap", "movement shooter", ou "slow down time", Sprawl é receptivo e introduz com leveza as armas, inimigos e mecânicas disponíveis (introdutório até demais, para alguns).

Pude sentir pela primeira vez na pele a euforia da progressão e a mágica da troca de armas, cálculo de dano, tempo de recarregamento passivo, parar o tempo e performar ao som de músicas frenéticas e muito bem construídas. Meu coração palpitava ao final de cada fase e eu só conseguia pensar em como melhorar a minha performance fase após fase.

Sprawl possui alguns problemas técnicos, esbarrei duas vezes com um bug crítico, mas é latente o esforço no desenvolvimento para entregar uma experiência polida com início, meio e fim. Como jornalista e entusiasta de jogos, é comum ouvir que um dos maiores males do boomer shooter é não saber como e quando terminar, mas Sprawl entrega três níveis que são tão bem construídos que passam num piscar de olhos. O jogo se constrói de maneira sólida até o seu ápice, terminando no momento certo e com um desfecho gratificante.

Mesmo sendo relativamente superficial, a história de Seven cativa, e nos engaja a lutar contra forças opressoras, mesmo sem termos muita informação sobre elas ao longo do jogo. O fato de lutarmos contra máquinas programadas para oprimir os seres humanos nos remete facilmente às forças militarizadas em favor de governos que treinam e capacitam os seus policiais a usarem da força desmedida contra a população. É espetacular a sensação de desmantelar um governo facho de fora pra dentro, literalmente na bala, e a construção narrativa nos convida à uma revolução unitária.

Por fim, recomendo fortemente Sprawl, mesmo sabendo que existem experiências que são mais bem recebidas pela comunidade de boomer shooter. Foi uma experiência incrível pra mim, transformando tudo o que eu pensava sobre o gênero e me deixando ainda mais ansioso para aproveitar outros boomer shooters.