RE4 é pra mim o melhor da série. Com um equilíbrio maravilhoso de quebra-cabeças, exploração, ação e carisma, ele entrega uma experiência praticamente perfeita de ação e horror, com momentos de tensão e momento de "que porra é essa", quando a Capcom resolve arregaçar na galhofa e bizarrice.

Eu joguei no Steam, eu joguei no Game Pass, eu joguei no celular.

Alguém me ajude, esse jogo não sai da minha cabeça, estou enfeitiçado como um rebanho para um Tzimisce, sendo sugado pelas incontáveis runs que já me aventurei na busca pelo vampiro que está em outro caixão.

Eu tenho uma relação relativamente superficial com jogos eróticos. Basicamente eu joguei alguns jogos majoritariamente japoneses de Visual Novel com erotismo, tais como True Love e Catch Canvas, e alguns poucos ocidentais como Hunie Pop.

Quando eu peguei Projekt Passion eu já estava ciente do que iria encontrar. Eu não curto o uso de 3D para representação erótica, há uma enorme dificuldade de expressar vida em modelos tridimensionais, algo que não sinto acontecer tanto com ilustrações em duas dimensões.

Por isso mesmo quando vi o jogo de promoção numa sale de jogos eróticos (na verdade era de aventuras visuais) eu li os pontos de marketing e alguns reviews que comentaram sobre a qualidade do texto e elementos além da pornografia que se espera de um título erótico.

Sem mais delongas, vamos ao que mais interessa saber. PP é um jogo que se adequa ao conceito que aqui no ocidente chamamos de visual novel, mas que no Japão é chamado de adventure game.

A distinção, por mais que seja interessante, é um tanto inócua. Afinal, precisamos destacar que tipos de mecânicas encontraremos que o permitam se destacar de outras VN.

Isso porque adventures japoneses podem ou não ter elementos extras de gameplay, mas Projekt Passion para todos os efeitos é uma obra ocidental seguindo convenções japonesas de visual novel em sua forma mais simples, e se encaixa no que nós, ocidentais, costumamos acreditar que seja uma visual novel: condução majoritária da narrativa por meio de diálogos e escolhas que permitem desdobramentos diferentes do roteiro.

As cenas libidinosas estão presentes durante a narrativa em momentos que, assim como uma comédia, tem uma construção, antecipação e execução (o que seria a punchline). Assim como nas Visual Novels, elas estão ali pra ilustrar momentos íntimos e estimular a luxúria do jogador, sendo bem contextualizadas.

Enquanto não estamos nestes momentos, o roteiro nos conduz por uma série de eventos que misturam comédia, aventura e drama. E olha só, eu não esperava encontrar o nível de drama que encontrei em Projekt Passion.

Isso porque o clima um tanto adolescente metido a estiloso do personagem principal e as constantes cenas de humor contrastam fortemente com sua personalidade afetuosa e empática que podemos testemunhar em seus momentos de conversa mais reservada com as diversas personagens femininas. E não me refiro a momentos necessariamente vinculados ao ato sexual, mas conversas reais e humanas que permeiam o título além dos flertes e sacadas sarcásticas ou espirituosas.

As temáticas dos diálogos não chegam a se aprofundar tanto, mas revelam um certo grau de complexidade e profundidade de personalidade em cada um dos protagonistas.

Todo o texto é acompanhado de belos visuais de renders feitos com bastante recurso e esmero de composição de cenas. A narrativa alterna entre cenas estáticas com diálogo, cenas estáticas mas com constante troca de de poses, dando uma sensação de “quadrinhos” similar a um storyboard, cenas estáticas com pequenas animações pontuais, como em expressões faciais, e também cenas completamente animadas, tanto em momentos eróticos, quanto em momentos de ação e drama.

O ritmo de leitura é dinâmico e dificilmente cansa, como ler um bom quadrinho. Em linhas gerais, os recursos são muito mais ricos que diversas obras japonesas que ficam pra trás em quesito de quantidade de cenas e poses, além do ritmo de troca entre elas.

Mas quando falamos de atuação de voz e de design de som é nítida a queda de recursos investidos. Esses são os elementos mais fracos, mas que não chegam a destoar demais da qualidade geral do todo, sempre com aquele ar artesanal de jogo independente.

Não estamos lidando com uma direção de arte absolutamente fantástica de encher os olhos, mas temos um nível de fidelidade gráfica que me surpreendeu e conseguiu em alguns momentos quebrar o vale da estranheza, exceto em momentos de animação completa, já que os movimentos dos modelos ainda é um tanto robótico e “bonecóide” por se tratar de uma animação 3D básica, ainda que faça uso de física realista de movimentos corporais.

De forma geral, a qualidade do conjunto audiovisual de Projekt Passion funciona. Ainda que separadamente tenhamos muitas críticas a fazer de elementos que poderiam ser melhor trabalhados, temos de lembrar que o desenvolvedor faz o melhor que pode dentro de suas habilidades individuais, e não tem nada de amadorismo em sua obra, muito pelo contrário.

No fim, chegamos ao fim de uma “season”, onde o roteiro caminha para um segundo momento que teremos de esperar pelo desenvolvimento, já que o projeto é mantido pelo Patreon do autor “Classy Lemon” e vai sendo expandido aos poucos com atualizações constantes.

Vale lembrar que o título é um jogo adulto feito para o público hetero masculino, pois o protagonista é homem cis e todos os romances são heterossexuais.

A proposta de Bem Feito é muito bacana. Usando um misto de investigação jornalística sobre um jogo misterioso do passado e um jogo curtinho similar a jogos de fazendinha, você irá usar a ROM dele para jogá-lo e tentar desvendar os mistérios que cercam a empresa que o fez, o console que o rodava, e as pessoas que o jogaram.

Alternando entre momentos dentro do jogo e fora dele, no sistema operacional onde se encontram arquivos codificados com senha, você irá experimentar as tarefas incomuns no comando de Reginaldo, com elementos leves de suspense e terror, enquanto adquire as senhas para desvendar o dossiê sobre o jogo e entender o que de fato aconteceu.

Muitas respostas não serão esfregadas na sua cara, já que você precisará deduzir o que de fato aconteceu com a empresa e as pessoas que se envolveram com o "Bem Feito" com as informações descobertas.

A opção valoriza a sua experiência e respeita a inteligência do jogador, o convidando a conectar os pontos e desvendar o mistério.

É uma experiência curta, cheia de referências e surpresas, extremamente criativa, e com um leve toque de humor funesto para apimentar as coisas.

O título original de Fire'n'Ice é Solomon's Key 2. Ele ficou conhecido por Fogo e Gelo somente na América do Norte, mas ele é a continuação da franquia.

Enquanto Solomon's Key utilizou elementos de ação no design, Fire'n'Ice abandonou esses elementos para focar no quebra cabeça, mantendo um mínimo de plataforma pra trabalhar com a gravidade e a verticalidade.

Entretanto, limitou os movimentos e as habilidades do personagem principal. Além de andar e escalar um andar, só existe o poder de criar ou remover um bloco de gelo na diagonal inferior do boneco, e a possibilidade de empurrá-lo, bem como outros blocos existentes. O salto foi removido, prezando pelo movimento mais restrito que foi desenhado para esta iteração.

Isso fez com que a equipe trabalhasse finamente na elaboração de cada nível, abusando da criatividade e exaurindo ao máximo as mecânicas simples e objetivas, simplificando também o loop.

Se antes em Solomon's Key era necessário pegar uma chave para abrir a passagem para a próxima fase, aqui em Fire'n'Ice basta derrotar todos os inimigos e o nível estará completo.

Excelente jogo. Desafiador, engenhoso e divertido. Um dos meus favoritos do console.

O design dos quebra-cabeças é bem legal, mas a dificuldade frustrante acaba com a experiência. Se fosse somente puzzle sem a parte de ação talvez fosse um pouco melhor.

Joguei uma partida pra conhecer as mecânicas. Achei a complexidade bastante robusta, porém o timing da tacada em si é extremamente frustrante de tão veloz. Mesmo que você opte por bater mais devagar e perder potência, ainda é difícil acertar a tacada por causa da velocidade altíssima do ponteiro.

Vários modos de jogo enriquecem o título, que parece bem completinho pra um jogo de NES.

Joguinho simples, repetitivo e sem muita graça. Dá pra entender como funciona sem o manual, mas o loop é cansativo e o design arcaico não anima muito.

O ponto de design que mais me chamou a atenção é relacionado ao salto. Apertando o botão uma segunda vez durante a subida faz com que o personagem interrompa o movimento e inicie a descida.

E durante a decida é possível bombear o salto pra se manter mais tempo no ar. É uma dinâmica que permite, com mais habilidade, desviar dos inimigos com maestria. Bem difícil, entretanto, por conta da velocidade geral dos inimigos.

Antes de iniciar esse review, informo que joguei Souldiers mais de um ano de seu lançamento, com tempo o suficiente pra equipe endereçar todas as críticas e problemas técnicos e insatisfações de design que praguejaram os primeiros meses do jogo. Li muitas críticas negativas e quando comentei no Twitter que estava curtindo bastante, muitos colegas me perguntaram se o jogo estava finalmente bom, ou se tinham “consertado” o mesmo. Acredito que sim.

A proposta de Souldiers diz: puzzle platforming, metroidvania exploration e crunchy soulslike combat.

Souldiers cumpre a proposta, que é de certa forma bem genérica, e tem excelentes quebra-cabeças e exploração de metroidvania, de fato. As dungeons do jogo são complexas e interconectadas e me fizeram ter uma sensação de grandeza que reflete a de jogos de ação e aventura com grandes proporções. Algo como as famosas dungeons da série ou inspiradas na série Zelda.

Elas são longas, recheadas de armadilhas, inimigos, plataformas que exigem domínio dos controles e das habilidades adquiridas e envolvem diversos mecanismos e desafios que culminam em chefes icônicos, fazendo uso da exploração típica do modelo metroidvania. Eu diria que o escopo de seus mapas seria exatamente seu maior chamariz, seu grande destaque dentro do subgênero.

Quando passamos a refletir sobre a questão do combate eu puxo logo uma questão: “O que significa um combate soulslike?”

Pra responder a essa pergunta, recorri a diversas pessoas pra ter uma ideia de como o consenso geral conclui esse questionamento, e pra minha surpresa, o ponto mais interseccional que encontrei foi: “é um combate difícil, bastante punitivo”.

Eu pessoalmente não compreendo isso como “soulslike”. Eu analiso os elementos do combate dos jogos da empresa, como “ataques vinculados a animações longas”, “gestão de fôlego” pra executar as ações de rolar, atacar, defender…enfim, os elementos que compõem os combates da séries Souls.

Mas Souldiers não tem nada disso além do “ser punitivo” e no máximo, quanto à defesa, ter uma barra limite de tolerância a dano.

O combate funciona como um metroidvania típico ou qualquer outro jogo de plataforma onde se luta em perspectiva sidescroller com armas. Dependendo do inimigo, se ele não estiver em ação de ataque é possível até encostar nele sem prejuízo.

Tem alguns parcos elementos de “souls” presentes, entretanto. Os inimigos são pautados em ataques com antecipações (tell) que permite defender, esquivar ou dar parry (depende do personagem) no momento exato e ter benefícios.

Jogando com o Scout, por exemplo, minha opção, dominando o padrão e o tempo de ataque de cada inimigo permite bloquear e lançar um forte contra-ataque (parry).

De resto, os danos sofridos são altos e se houver um descuido o game over vem rápido. Fora esses elementos de dificuldade, que inclusive há opções mais fáceis, quase nada de Souldiers remete aos jogos soulslike, muito pelo contrário. Ele tá muito mais próximo de um Castlevania em matéria de dificuldade do que de Elden Ring, por exemplo.

Em todos os outros aspectos de design e lore, Souldiers não é inovador ou traz grandes pretensões. Muito pelo contrário, ele faz um feijão-com-arroz bem feito, seguindo a cartilha do modelo metroidvania e provendo o que um fã do subgênero espera das convenções já estabelecidas.

Isso não tira seu valor, pois ele esbanja competência e conteúdo de sobra. Eu gostei muito do meu tempo com ele inclusive fazendo 100% das sidequests e coletando quase tudo existente nele. Isso é algo que só faço com jogos que me cativam bastante, e Souldiers definitivamente fez isso.

"A expectativa é a mãe da decepção."

Talvez você já tenha ouvido essa frase em algum lugar, e não vou mentir, ela não é nem um pouco original. Mas isso não torna ela nem um pouco falsa.

Expectativa é a mente imaginando o que vai acontecer, ou como vai acontecer, ou quando vai acontecer, ou tudo isso junto. É a mãe da ansiedade, e também da decepção, da desilusão e da frustração.

Trazer isso em uma análise de jogo como preâmbulo soa como se eu tivesse desde já armando uma defesa prévia para justificar quaisquer “falhas” que o produto-obra venha a ter. Mas eu não funciono assim. Jogos não funcionam assim. Eu não acredito em “falhas”. Ao menos não falando de forma objetiva.

A única coisa que eu compreendo são frustrações, incômodos e divergências que alguém que consome uma obra pode ter com o objeto de seu consumo.

E como todo fruto de financiamento coletivo, Sea of Stars, ou em bom português, O Mar de Estrelas, foi um projeto com uma visão, uma proposta, um pitch que naturalmente criou expectativas:

“Com o toque da Sabotage em todos os aspectos, Sea of Stars almeja modernizar o RPG clássico em termos de combate em turnos, narrativa, exploração e interações com o ambiente, enquanto se mantém oferecendo uma fatia generosa de nostalgia e a boa e velha diversão simples”.

Com essa proposta, em sua campanha inaugural, os desenvolvedores mostraram detalhadamente suas ambições, quem estava envolvido no projeto e assim lançou-se ao público a pesquisa de interesse que é o financiamento coletivo.

Em pleno 2023, ano vigente, já se sabe que um financiamento coletivo não é tão somente uma forma de custear inteiramente um projeto. Estúdios indies recorrem ao processo também para angariar interesse e demonstrar para as publicadoras que o projeto tem viabilidade comercial.

Passando então por esse processo já tão comum em nosso tempo, o projeto do Mar de Estrelas em breves sete horas conseguiu apoio o suficiente para bater a meta e assim iniciou sua jornada de desenvolvimento, prezando ao máximo pela transparência, como se pode acompanhar pelas atualizações no Kickstarter.

A proposta apresentada pela Sabotage continha alguns pontos-chave: a beleza visual e a inspiração nos clássicos. Quais clássicos? Se for pra citar alguns, Chrono Trigger e Mario RPG estariam facilmente entre os dois maiores. Mas é possível visualizar também elementos presentes em Golden Sun, a franquia Zelda e até mesmo quem sabe em Donkey Kong Country 2, que nem RPG é.
Claro, afirmar categoricamente quais são as influências determinantes de um projeto é algo que somente dos desenvolvedores podem fazer. Nós como analistas críticos tão somente podemos nos limitar a repetir algo dito por eles ou especular.

Por exemplo, quando eu cito Donkey Kong 2, eu me refiro ao Squanky’s Bonus Bonanza, uma fase especial que permite ao jogador responder questionários sobre o jogo com perguntas baseadas na lore do universo e também em elementos metajogo. Sea of Stars tem uma área secreta onde fazemos exatamente isso, respondendo um quiz com perguntas que englobam eventos canônicos, referências às histórias do mundo, e detalhes técnicos como quantidade de pontos de magia necessários para usar determinado golpe.

Ainda na proposta, a Sabotage detalhou como pretendia abordar alguns aspectos principais: combate de turno sem encontros aleatórios e sem campo de batalha em separado, algo que a série Final Fantasy e outros RPGs clássicos faziam, sinergias entre personagens com golpes combinados, golpes com acerto temporal, ausência da necessidade de subir níveis para enfrentar desafios específicos e a possibilidade de quebrar o ritmo de combate em turno com a interrupção de golpes especiais de inimigos.

Diversos desses elementos citados estão presentes nos já citados Mario RPG e Chrono Trigger. Eles se tornaram grandes marcos na história do RPG justamente por apresentar esses elementos que tornam o subgênero de turno em algo mais dinâmico e estimulante. A escolha dessa direção é inclusive o que muitos críticos de jogos de RPG por turno apontam como solução para a rejeição que muitos jogadores têm com esse tipo de design de combate.

Ainda se mantendo na proposta vendida pela Sabotage, a intenção de modernizar a narrativa e a interação com o ambiente é algo que foi prometido na campanha. Aqui nesse ponto, confesso que o estúdio não foi muito detalhista em como pretendia modernizar a narrativa. Esse ponto fica muito em aberto e, ao meu ver, abre margem para muita interpretação, mas pretendo olhar isso melhor mais pra frente.

O ponto de modernização da interação com ambiente por sua vez recebeu muito mais detalhamento. A promessa é de que iríamos ter uma variedade grande de ações relacionadas a movimento: saltar, nadar, escalar, subir e descer de plataformas e beiradas, além de navegar pelos mares, tudo com uma imensa liberdade e expertise oriunda da experiência do estúdio com jogos de plataforma.

Aqui o próprio trabalho anterior da empresa, The Messenger, funciona como referência da qualidade que eles almejavam. E de fato, o produto final entrega todos esses elementos prometidos.

Tendo em vista essa proposta apresentada, o que vem a partir daqui se torna não mais algo dos desenvolvedores, mas expectativas do jogador. Digo isso porque eu li muito de colegas que Sea of Stars foi “decepcionante” ou que não entregou o que esperavam do jogo.

Não estou aqui pra defender o produto de acusações. Não estou aqui pra discutir expectativas das outras pessoas. Até porque eu não sei o que cada um esperava do jogo.

Mas volto a repetir o que disse no começo e que vale para todo e qualquer obra que você ou eu venhamos a consumir agora e no futuro: tudo que você criar de expectativa irá impactar no seu apreço pelo objeto que você irá de fato consumir.

Dito isso, O Mar das Estrelas conseguiu me entregar completamente tudo que prometeu e eu esperava dele. É claro que tenho divergências de algumas decisões que foram tomadas, mas eu mesmo já ressignifiquei alguns elementos que inicialmente eu tinha achado incômodos, mas que foi necessário entender melhor o propósito deles para respeitá-los e acolhê-los. Vamos lá esmiuçar esses detalhes.

Eu esqueci de mencionar como a Sabotage focou bastante no aspecto visual de Sea of Stars. Mas acredito que qualquer pessoa que tenha visto um gif ou trailer do jogo tenha reparado quão belos são seus atributos visuais. A animação rica e detalhada, acompanhada dos efeitos de luz e sonoros tornam Sea of Stars algo que eu poderia chamar “jogo ASMR”, uma vez que ele apela tanto para nossos receptores sensoriais de áudio e visual.

Não significa que Sea of Star faça cosquinhas no seu ouvido, sussurrando sons, mas que todo o aspecto audiovisual de animação, colorização e cenarização trabalham em uníssono para causar sensações extremamente agradáveis. O capricho é notável, cumprindo à risca as promessas que foram feitas nesse sentido.

No que diz respeito aos pontos mais prementes de game design, acredito que Sea of Stars seguiu alguns caminhos que foram muito, muito felizes. Os aspectos que foram prometidos na campanha foram bem endereçados. O combate é dinâmico e não costuma demorar muito. Ele ocorre de forma natural no ambiente que estamos explorando e contém as sinergias e sistemas já descritos.

O sistema optou por trabalhar com tipos de dano pra cada personagem, tanto físicos quanto elementais, conferindo a cada inimigo resistências e fraquezas pontuais a cada uma dessas características. Isso não significa que todos os inimigos tenham uma fraqueza ou resistência, entretanto, mas em algum momento eles irão se preparar para soltar algum golpe especial e será necessário gerenciar as ações durante o turno para tentar interromper ou não o ataque.

Como proposto, essa interrupção altera o fluxo do combate e permite explorar o sistema para reduzir os danos sofridos e maximizar os causados aos inimigos. Inicialmente eu tinha achado incômodo que algumas dessas “travas”, como o jogo chama, eram um tanto mal colocadas no turno, já que às vezes o combate já começava com algum oponente conjurando um ataque especial impossível de quebrar com os recursos à mão.

A real é que a intenção era justamente essa. Se fosse possível quebrar todo e qualquer ataque, seria impossível tomar ataques especiais, tornando o jogo que já é fácil em algo trivial demais. Da forma escolhida, o combate retém um pouco mais de dificuldade fazendo com que o jogador faça opções mais adequadas a cada momento: devo investir tudo para interromper esse ataque, ou posso encará-lo enquanto foco em outras coisas? A decisão é minha.

Mencionei que o jogo é fácil justamente porque ele não possui nenhum tipo de seleção de dificuldade e ele não é muito punitivo em relação à quantidade de dano causado/sofrido. Se o jogador dominar os golpes temporizados (timed hits) pode reduzir ainda mais o dano sofrido e aumentar o dano causado. Se formos colocar na balança o influxo de dano contra o tanto que causamos e podemos recuperar em cada turno, percebemos que essa matemática é bastante favorável ao jogador.

Isso não impediu a Sabotage de conferir ao jogo opções de customização da experiência. Muito melhor que selecionar modos de dificuldade, vamos encontrando ao longo da aventura artefatos que nos permitem ativar parâmetros que dificultam ou facilitam o combate.

Esse tipo de design é muito interessante, mas ele poderia ter sido trabalhado de uma forma mais interessante, penso eu. A empresa Supergiant é conhecida por trabalhar com limitadores e multiplicadores em seus jogos. São opções que permitem receber um ônus em troca de um bônus, o que torna a personalização da experiência bastante interessante, criando micro variações do mesmo jogo com vantagens e desvantagens.

Aqui no Mar de Estrelas, os artefatos positivos tornam o jogo mais fácil, os negativos impõe dificuldade. Simples assim. Alguns deles fazem essa concessão mista, impondo vantagens e desvantagens de forma interessante, mas a maioria apenas facilita ou dificulta de forma livre.

Personalizar a experiência então se torna algo completamente pessoal, sem impacto algum no metajogo. Não me entenda mal, isso é suficientemente bom para esse intuito, mas acho que ele não cria um estímulo extra para que o jogador opte por tornar o jogo mais difícil, já que não há benefício além do intrínseco a cada pessoa. Eu adoraria que tivessem optado por algo mais instigante, como faz a Supergiant em seus jogos, mas isso não configura nenhum tipo de defeito., já que funciona perfeitamente ao seu propósito.

Como não poderíamos deixar de abordar, a história de todo RPG é algo que salta em matéria de importância, já que estaremos boa parte do tempo avançando em diálogos e cenas que conduzem a narrativa do jogo e ela inevitavelmente tende a ser mais cobrada pelo público do gênero.

Mencionei que a Sabotage não foi muito detalhista quando mencionou a modernização da narrativa. Aqui faço um parêntese pro termo utilizado, “storytelling”, que talvez não seja plenamente contemplado pela tradução “narrativa”. O termo “modernização” também é suficientemente aberto para que tenhamos múltiplas interpretações. Afinal, como um novo jogo pode modernizar a narrativa de jogos clássicos de RPG.

A resposta que cheguei é inconclusiva. Eu não consigo enxergar como Sea of Stars faz qualquer tipo de modernização em matéria de condução, temática ou algo relativo à “contação de histórias”.

O roteiro é simples. Não temos aqui nada comparável com as tramas políticas e filosóficas de RPGs mais adultos clássicos, como Final Fantasy, Tactics Ogre, Suikoden ou qualquer outra franquia mais famosa. Temos na verdade uma história no mesmo nível de Chrono Trigger, Mario RPG, Zelda e Golden Sun, as maiores referências do projeto.

Não há grandes pretensões filosóficas ou temas mais adultos serem tratados em Sea of Stars. Temos uma aventura fantástica lendária à nossa mão, e assim como conhecemos Lavos em Chrono Trigger como o grande vilão do universo, aqui temos o Fleshmancer como grande antagonista, sem excluir outros personagens importantes.

O elenco é composto não só de personagens jogáveis carismáticos e com bastante personalidade, excluindo talvez o par principal que é um pouco mais modesto em matéria de personalidade, mas também uma riqueza de NPCs que são igualmente carismáticos.

Mas tudo e todos são relativamente rasos, não há uma profundidade humana mais avançada em nenhum dos personagens. É um RPG bastante leve e despretensioso, pra ser sincero, algo que poderíamos esperar de uma empresa como a Nintendo, por exemplo. Isso não é nem um pouco ruim, obviamente, se você não nutrir a expectativa que ele seja mais denso do que ele pretende ser.

Sea of Stars entretanto terminou com um sentimento muito gostoso em mim. Quando os créditos sobem e algumas cenas nos relembram de quão divertidos, surpreendentes, despretensiosos, heróicos e quentinhos foram várias de suas cenas e capítulos. A sensação de terminá-lo me trouxe um resgate tão bom de como eu me sinto em relação às referências que ele buscou, que é inevitável não nutrir um afeto tão positivo por essa pérola que o mercado indie me trouxe e que há muito não encontro em superproduções modernas.

Talvez a mentalidade otimista na medida certa quanto a ele tenha sido a grande responsável pelo apreço que tenho pra ele, de modo que fico um tanto triste por todos aqueles que não conseguiram se encontrar nele e desistiram por algum motivo, seja por não se darem com suas decisões, seja por terem suas expectativas frustradas.

Mario Tennis é mais um jogo da Camelot para a Nintendo, uma empresa que carrega uma história e um legado que se auto referencia. Hiroyuki Takahashi, tendo trabalhado como produtor assistente na Enix, saiu da empresa e fundou a Climax Entertainment, um estúdio que veio a lançar o jogo Shining in the Darkness para o Megadrive.

Após esse projeto, ele fundou a própria empresa, a “Sonic! Software Planning”. O nome é em homenagem ao ouriço mais famoso dos jogos mesmo, já que a empresa teve investimento e trabalhava diretamente com a Sega, constando como subsidiária até 1997.

A “Sonic!” trabalhou em toda a franquia Shining até 1998, em parceria com a empresa do irmão de Takahashi, Shugo Takahashi, chamada Camelot. O próprio Hiroyuki foi então nomeado presidente da empresa e deixou a Sonic!, que foi dissolvida.

Por que eu falei da história da Camelot? Bem, quem jogou algum jogo da empresa desde a série Shining consegue entender perfeitamente quando falei de se auto referenciar.

É que toda a estética no design de personagens e dos menus e interface dos jogos da Camelot carregavam algumas convenções de design desde essa época. Mas em algum momento, quando a empresa passou a somente produzir jogos de esporte para a Nintendo, ela foi perdendo essa identidade mais forte e carregada.

Talvez essa sensação mais brusca tenha surgido quando a Nintendo criou os Miis. A razão é que até então os jogos de esporte produzidos pela Camelot usavam a direção de arte da própria Camelot para personagens humanos. Eles ficaram bastante reconhecíveis ao longo da franquia Golden Sun e nos jogos Beyond the Beyond e Everybody’s Golf, em seus traços, modelagem e render. Após os Miis eles deixaram de existir, sendo substituídos por eles.

Como a empresa não tem feito nada além de jogos de esporte para a Nintendo, nunca mais vimos essa direção de arte. Como Power Tour é de uma era que antecede os Miis, podemos ver os personagens humanos seguindo a linha de design, tanto nos protagonistas, quanto nos outros personagens do jogo.

Outros elementos de design, como a interface e a fonte dos diálogos, também seguem as características que compõem o estilo da Camelot e se assemelha bastante com os jogos contemporâneos dele, como Golden Sun e Mario Golf, colegas de época e console, já que são todos jogos de Gameboy Advance.

Seguindo também convenções dos modelos Camelot de fusão de RPG e Esporte, Power Tour propõe um roteiro que joga um mistério no ar (trocadilho não intencional com o toss do Tênis, mas que agora passa a ser intencional) para instigar o jogador.

É algo um tanto complicado criar uma história e um roteiro interessante para um RPG Esportivo mundano que não envolva torneios. Qualquer tentativa, mesmo as fantásticas, meio que envolve um torneio, já que essa temática costuma ser tradicional em animações shounen e seus roteiros recorrentes, influenciando também jogos de esporte com roteiros mais elaborados.

Quase que inevitavelmente, inclusive em nome do apelo a todas as idades de Mario, Power Tour segue essa rota narrativa, optando por representar um torneio extremamente mundano e cotidiano, bem “baunilha”. O único destaque que se faz é justamente os pequenos mistérios que são plantados no começo da história.

A história gira em torno da escalada do ranking interno dos protagonistas na Academia de Tênis, com a posterior participação destes no Torneio da Ilha, onde será finalmente revelada a resposta do mistério inicial. O segmento referente a essa escalada tem a presença de diversos personagens com suas personalidades superficiais, desenvolvida majoritariamente por meio do design de personagens, sua animação e suas breves linhas de diálogo.

As cenas são curtinhas e não tomam muito tempo do jogador, já que o foco é sempre desenvolver as habilidades por meio de treinos e partidas, utilizando os elementos de RPG para explicar técnicas e táticas reais do esporte misturados com as mecânicas fantásticas do jogo.

O sistemas de RPG cuida em fornecer um senso de progressão numérica do personagem, além de permitir a customização do jogo. A opção por elementos de RPG aqui pode ser responsável somente em prolongar a experiência, já que a customização vai vindo lentamente com a passagem de níveis e distribuição de pontos de experiência.

Como o resultado dos investimentos dos pontos de experiência vem devagar a cada partida e treino, alguns jogadores mais habilidosos podem sentir que o jogo está arrastando o tempo de forma artificial. Isso pode ser verdade, ao passo que jogadores menos habilidosos podem se sentir evoluindo junto com o personagem.

Pessoalmente eu senti uma sensação mista de “o jogo tá fácil pq eu tenho muita experiência com jogos de tênis” com “interessante estou construindo lentamente a evolução desse personagem e tornando ele um profissional de forma estelar”. É um sentimento no fim das coisas positivo porque me incentivou a ficar buscando uma partida atrás da outra para farmar pontos de experiência e assim desenvolver minha “build”.

Uma abordagem mais tradicional esportiva me colocaria em um avanço mais incremental, com uma pobreza narrativa, apenas mecânica e casual, enquanto essa opção me fez jogar por oito horas ininterruptas o jogo.

Até que ponto foi mérito do jogo ou eu ser um viciado em jogos de tênis eu não sei, mas é um fato que essa abordagem de Power Tour me deu uma sensação melhor do que de a jogar multiplayer e ir avançando conforme vou ficando melhor nos rankings online. Normalmente jogos singleplayer não têm essa capacidade.

Essa não foi a primeira e espero que não seja a última vez que a Camelot me traz essa sensação.

Mas como nem tudo são flores, eu achei que o jogo toma algumas decisões que eu desafiaria. A primeira é que jogamos com dois personagens, o principal e seu parceiro de jogos em dupla: Ace ou Clay, nós que decidimos. No decorrer do jogo a experiência é distribuída para os dois personagens e cabe a nós decidir onde investir e que build montar para cada um.

Entretanto, mesmo gerenciando ambos, só podemos optar por jogar partidas simples com o que selecionamos como principal. Isso gera um pequeno problema com alguns desafios dos treinos. Isso porque certos desafios exigem mais velocidade, outros mais força, ou controle. A build que fiz eu priorizei controle de voleios e efeitos para a principal, enquanto o secundário focou em força nos saque e voleios, e velocidade geral. Teve desafio de conseguir um ace que eu não conseguir vencer. Não sei se eram feitos para o endgame ou se eu precisava ter focado em força, mas não consegui passar deles.

Mas como tudo isso é totalmente opcional, deixei de lado e segui com a campanha sem problemas. Teria sido ruim se bloqueasse meu progresso ou me impedisse de conseguir uma habilidade em específico, mas não foi o que aconteceu.

Por fim, para encerrar esse review, eu achei as respostas ao mistério tremendamente secas. É como se no começo do roteiro o escritor tivesse tido o cuidado de contextualizar bem o ambiente, mas quando chegou perto do final ele muda o tom e ao invés de criar uma ponte para a revelação apenas vai lá e revela sem muita explicação.

Se temos jogadores misteriosos que causaram um alvoroço na Academia e toda uma série de cenas pra contextualizar e explanar essa que será nossa coceira narrativa, no fim parece que foi banalizada e revelada de uma só vez, sem voltar a desenvolver os motivos do alvoroço.

Se eu puder explicar melhor, seria como se eles tivessem caprichado no estabelecimento da premissa e no fim optado por “respeitar nossa inteligência” e deixar uma lacuna narrativa proposital para revelar quem eram tais jogadores.

Ficamos sem entender bem as possíveis motivações, o que deixaria a história mais redondinha, ficando apenas com uma espécie de parada celebratória na forma de cerimônia, deixando as lacunas esquecidas em segundo plano e partindo para a conclusão.

Meio exigente da minha parte, talvez? Talvez. Mas é pra ser um RPG, né…narrativa deveria ser mais robusta.

Mas o que que eu tô dizendo? É um jogo de Mario, pelo amor de deus! ESQUEÇA TUDO, ESSE JOGO É PEAK.

PEAK!

Talvez não seja segredo como eu gosto de jogos por meio de recursos não verbais contam a sua história sem ela se tornar intrusiva no gameplay. Em um meio como o de videogames, onde é tão comum vermos jogos com narrativas hollywoodianas cheias de cutscenes e diálogos, um jogo que abre mão desses recursos e coloca seu desenvolvimento narrativo em segundo plano é algo que me encanta.

Não me entenda mal, eu AMO jogos com narrativas ultra produzidas, como a série Metal Gear Solid, os The Last of Us, ou mesmo jogos como os Homem-Aranha da Marvel. A questão é que eu amo MAIS AINDA jogos que se focam majoritariamente em seu gameplay, especialmente quando a narrativa é embutida nos ambientes e na jornada sem interromper o gameplay.

Cocoon reúne esses elementos citados e mais alguns que me encantam: duração curta com cerca de cinco horas de jogo, puzzles criativos que buscam evitar se repetir, animações e efeitos especiais belíssimos, e trilha e efeitos sonoros igualmente marcantes. Inclusive chamo de “Jogos ASMR” aqueles que focam em uma produção recheada de animações e efeitos especiais de encher os olhos, aquelas que são satisfatórias de se assistir por si mesmas, e efeitos sonoros ricos, estimulantes e impactantes, com uma trilha sonora envolvente.

Cocoon é um “Jogo ASMR”. E ele adota para si uma temática artística que mistura elementos biológicos, como pupas, casulos, poros, bioluminescência, texturas que lembram a carapaça de insetos, folhas, dentre outros, com uma certa dose de mecânica de maquinário e dispositivos eletrônicos, resultando em uma direção biotecnológica.

Essa mistura permite que a arte se desenvolva explorando portas mecanizadas, tubos e conexões de transporte, cabos e lâmpada elétricas, e tudo que permite automação e engenharia eletro-eletrônica para funcionar em um contexto vivo, com exaustores que pulsam, plataformas que se desmontam e se remontam mudando de forma, bulbos que explodem como fungos soltando esporos e toda a sorte de fusões que a temática permite.

O design de som acompanha essa viagem artística e entrega uma variedade de sons característicos de máquinas e equipamentos eletrônicos fundidos com sons biológicos, com uma intensidade que envolve e dá vivacidade ao movimento dos elementos do cenário, com um toque de realismo.

Sem deixar a peteca cair, o design de jogo de Cocoon pega o conceito de um inseto dentro de um casulo, ou seja, um organismo dentro de outro, para trabalhar com mundos, dentro de outros mundos. Em determinados pontos do jogo é possível adentrar uma orbe que representa um micromundo, que em termos de jogo é um “level”, um nível. Esse nível possui uma progressão linear de quebra-cabeças que começam simples, mas vão ganhando complexidade até chegar em uma espécie de chefão.

Vencendo-os, a orbe atinge sua “plenitude” e passa a conferir uma habilidade especial, que será explorada em novos quebra-cabeças. Esse loop de gameplay vai ganhando novas dimensões quando você passa a poder entrar e sair das orbes-mundos com outras orbes-mundo, permitindo assim que os níveis se resolvam em camadas, e que as habilidades de uma orbe possam ser utilizadas dentro de outras orbes.

É simplesmente genial o design de níveis em Cocoon. A equipe conseguiu projetar quebra-cabeças lineares que envolvem as diversas camadas que os níveis se desdobram, tomando cuidado para limitar o jogador e evitar que ele possa causar um travamento na progressão (soft-lock), geniais conceitos e lições de game design que costumeiramente são ensinadas por jogos de alto valor em matéria de orçamento, como Metroid e Zelda, dois títulos de status lendário no assunto de level design.

Cocoon também não se furta de desenvolver uma narrativa. Ela não é verbal, ela se esconde até perto do final da jornada, e ela vai causar um estalo, quando o jogador perceber seu significado metalinguístico e filosófico, já que o arremate final se permite uma licença poética mais ousada. É sobre amadurecimento, transformação e por fim...ah, prefiro que você jogue.

Jogos como Cocoon devem ao meu ver ser sempre celebrados, pois exemplificam o tipo de experiência audiovisual interativa que somente a mídia de jogos permite existir.

A proposta de ajudar com o sono é nobre e interessante. Além disso, o uso dos pokémons e as mecânicas de jogo enriquecem e tornam todo a experiência divertida até certo ponto.

Quando analisamos a execução da proposta, ela é uma desgraceira danada. É preciso deixar o telefone ligado, com o recurso de manter a tela sempre acesa para que ele não corte a conexão e pare de coletar dados. Isso drena a bateria e te deixa sem um celular funcional no dia seguinte, algo que precisamos no dia-a-dia. A solução BRILHANTE é deixar ele carregando a noite toda.

Essa ideia genial além de estúpida é perigosa. O uso do celular sem desligar a tela esquenta o aparelho e a conexão com uma fonte de alimentação contínua mantém ele drenando e carregando a noite inteira.

Isso gasta mais rapidamente os ciclos de recarga e junto da alta temperatura constante vai desnaturando e deteriorando a bateria do seu aparelho. As recomendações de segurança não recomendam ficar carregando o celular o tempo todo na tomada, pois isso pode provocar um incêndio, ESPECIALMENTE porque o aplicativo pede que você mantenha o celular em contato com o seu colchão, um objeto inflamável.

Além disso, o microfone registra barulhos que ocorrem durante o sono, como roncos mas....e se você não mora/dorme sozinho?

No meu caso, ele registrou roncos da minha esposa, não meus, por exemplo. Quem tem criança pequena ou companheiro que se vira bastante, ou mesmo pets mais curiosos ou que dormem com você, o app irá registrar flutuações no colchão como perturbações do sono e classificar sua noite de sono como ruim.

O ideal é que, pra atingir seu objetivo como gamificação do monitoramento de sono, se use uma pulseira como as smartbands que estão no mercado, ou que haja coleta de dados destes. A TPC pensou nisso também. Se você tiver o Pokemon GO Plus, ele faz a coleta dos dados para você, o que elimina todo esse ponto negativo. Mas somente a pulseira do Go+ vai funcionar, outras marcas não.

A solução para coleta de dados sem o acessório é extremamente sujeita a interferências, acabando com o propósito do app. Mas não é só isso que o jogo é ruim.

No tocante ao game design, a dependência de tipos específicos de sono para atrair pokémons específicos é uma péssima ideia. Não se muda seu perfil de sono facilmente, e o aplicativo não explica bem o que são os tipos que ele usa como base para o gameplay. Talvez exista uma espécie de compensação para contrabalancear que costuma ter um tipo específico de sono, mas não cheguei a notar, só pesquisando em fóruns dedicados pra descobrir.

E pra terminar de tornar tudo uma grande ideia ruim, o jogo conta com um design totalmente voltado para microtransações e aplica esse tipo de monetização para viabilizar a compleição das tarefas e coleções propostas. É parecido com o Pokémon GO e seus itens, mas como você precisa gastar itens que aparecem em pouca quantidade para amigar os pokémons que dormem perto de você, em pouco tempo eles vão todos embora e são necessários muitos itens (salvo engano são doces) para amigar os bichinhos e completar as coleções. Esse tipo de design é feito pra te incentivar a gastar dinheiro, já que o jogo/app é gratuito.

É justo para que a empresa consiga monetizar, mas eu não acho isso nem um pouco divertido e, sinceramente? Enorme decepção e impressionado com a The Pokemon Company em projetar algo tão absurdamente caça-níquel, inadequado e potencialmente perigoso.

2023

Há alguns anos um filme com proposta de comédia me arrebatou lágrimas copiosas e saí em um estado deplorável do cinema. Este filme, "Click!", doeu no fundo da minha alma com suas cenas dramáticas que me deram um soco no coração e mostraram como família me afeta de uma maneira tão profunda.

Paralelamente, obras e jogos com temática de comida me atraem bastante pois sou entusiasta da culinária, e apesar da preguiça habitual, curto muito sentar pra cozinhar com os amigos, encarando o desafio de reproduzir uma receita.

Cooking Mama, Battle Chef Brigade, Culina, Cook Serve Delicious, são alguns títulos que já joguei e cada um com suas propostas diferentes em cima da temática de culinária. Mas Venba se destaca de uma forma bem distinta de cada um desses jogos.

Normalmente, o processo de preparo dos alimentos é uma série de minigames, focada em imitar e simular as etapas do processo de forma lúdica. Venba opta por ser bem mais simples que seus colegas, adotando uma abordagem mais focada em "desvendar" um livro de receitas deteriorado com o tempo, passada de mãe para filha, de maneira que o jogador precisa muito mais entender a ordem de executar as etapas do que simular o ato de realizá-las.

Entretanto, o gameplay é apenas um pretexto pra desenvolver um aspecto ainda mais importante de Venba: a memória afetiva que envolve os pratos que comemos. Acredito que este é seu mote principal, uma vez que é a ponte que liga o gameplay à narrativa.

O roteiro intercala as cenas de diálogos similares ao gênero Visual Novel com trechos de gameplay, e sempre relacionando estes com memórias da personagem principal, Venba, em contraposição aos momentos atuais de sua vida.

Quando está na cozinha, Venba se distrai dos problemas do cotidiano e tenta resgatar suas raízes culturais por meio da reprodução das receitas tradicionais que sua mãe preparava quando morava na Índia, embalada por canções indianas que sempre tocam em seu radinho.

Ela e o marido são imigrantes que se estabeleceram no Canadá na cidade de Toronto, e juntos constroem sua família enquanto lutam contra as adversidades internas e externas.

A narrativa de Venba intercalada com o gameplay explora temas como infância e adolescência, problemas familiares, desemprego, preconceito racial, necessidades financeiras, vocação x subsistência, perda familiar e acima de tudo, o amor.

Por meio de uma sutileza emocionante, tece sua trama com intensidade dramática contida em seus elementos visuais e ludonarrativos, abrindo mão da verbalização que caracteriza o famoso "show, do not tell", tão comum e apreciado pela crítica literária e de cinema.

Em sua breve duração, afinal o jogo tem pouco mais de 1h, Venba oferece emoções encrustadas em seu duo jogabilidade e narrativa que denotam uma vivência real, com uma carga dramática humana e dolorosamente verossímil.

Quanto mais experiente e vivido você for, provavelmente mais irá encontrar em Venba algo relacionável, verdadeiro e emocionante, capaz de arrancar lágrimas, bater uma bad ou ressoar em suas memórias de diversas formas, negativas e positivas.

Afinal de contas, estamos todos de passagem, a vida é um sopro, e nem sempre conseguimos dedicar o tempo que gostaríamos com aqueles que amamos. Mas nunca subestime o poder que tradições familiares, raízes culturais e laços familiares possuem. Especialmente a comida que você come.